“A semifinal impensável”: sem a Baixada, Brasil caía para o Bangu

40 anos do Brasileirão de 85

“A semifinal impensável”: sem a Baixada, Brasil caía para o Bangu

Regulamento impede que o Xavante receba os cariocas em Pelotas, e rubro-negros invadem Porto Alegre

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Atualizado domingo,
20 de Julho de 2025 às 02:01

“A semifinal impensável”: sem a Baixada, Brasil caía para o Bangu
Time de Valmir Louruz perdeu por 1 a 0 na antiga casa do Grêmio e depois, no Rio de Janeiro (foto), sofreu 3 a 1 que o tirou da Libertadores (Foto: Reprodução)

Ao retornar da Bahia, a delegação do Xavante parou no Rio de Janeiro. Rogério Moreira visitou a sede da CBF e constatou a clareza do regulamento: não se permitia que um estádio com capacidade inferior a 30 mil pessoas sediasse um jogo da semifinal da Taça de Ouro. Brasil x Bangu precisaria ocorrer em outro local. “Era uma coisa tão fora da curva a nossa campanha que pela primeira vez foi colocado em prática”, resume o ex-presidente.

Mais tarde, ainda naquela segunda-feira, 22 de julho de 1985, já na capital gaúcha, o mandatário rubro-negro da época foi chamado no sistema de som do aeroporto Salgado Filho. Ao telefone, o locutor Armindo Antônio Ranzolin. O recado: “diz para o pessoal não ir para Pelotas, ficar em Porto Alegre”. Restou à direção do Brasil optar por Beira-Rio, onde o Bangu havia disputado sua partida mais recente, ou Olímpico – a alternativa escolhida.

O que aconteceu nas horas seguintes à decisão também entrou para a história. A cidade de Pelotas foi tão impactada que a prefeitura e algumas lojas e empresas decretaram ponto facultativo na tarde de 24 de julho, quarta-feira. Antônio Carlos Verardi, dirigente do Grêmio que tratou com Moreira sobre o empréstimo do Olímpico, liberou o anel inferior. Mas a mobilização superou a expectativa. “Quem entrou na parte superior entrou sem ingresso”, relembra o então mandatário do Xavante.

“Não tenho ideia de quantos ônibus e carros foram a Porto Alegre”, diz o radialista Caldenei Gomes (Foto: Fernando Rascado)

No Bento Freitas seria diferente?

Caldenei Gomes carrega na lembrança a movimentação dos rubro-negros para aquela partida. “Teve a caravana, não tenho ideia de quantos ônibus e carros particulares foram a Porto Alegre. O Olímpico estava lotado contra o Bangu. O envolvimento da torcida era algo extraordinário”, afirma o radialista, à época na Rádio Pelotense. Por outro lado, como destaca a torcedora Laura Rabassa, a mudança de local da semifinal foi um balde de água fria.

“Essa história do jogo em Porto Alegre fez a gente, entre aspas, se desmotivar. Não seria na nossa casa, no nosso caldeirão. Mesmo assim, o que aconteceu para ir até lá foi um fenômeno da torcida do Brasil”, afirma Laura. Ela confia na possibilidade de um outro desfecho caso os cariocas tivessem atuado na Baixada. “Jogar com o bafo na nuca, a gente brincava que a bola do escanteio a torcida soprava e fazia gol olímpico. Era rente à tela, parece que tu estava ajudando”, completa.

Dos 14 compromissos no Bento Freitas ao longo do Brasileirão de 85, o Xavante só perdeu um. Justamente para o Bangu, na primeira fase, por 1 a 0 – mesmo placar da semifinal que acabaria decidida por uma infelicidade de Jorge Batata. O lateral-esquerdo tentou afastar um escanteio e o desvio enganou o goleiro João Luís. “Aqui dentro [Baixada] era impossível. Os caras saíam do túnel, olhava para aquele lado… Era um inferno, uma loucura. Todo jogo era casa cheia. […] Não tinha como perder”, argumenta Bira.

Rogério Moreira reclama de dois pênaltis que não teriam sido marcados. O Diário Popular noticiou: “Brasil domina o Bangu, mas perde para o árbitro”. Nos bastidores, uma pauta frequente era a influência do bicheiro Castor de Andrade, dirigente do clube carioca. “Pessoalmente estive com ele quando jogaram aqui conosco. Pediu para falar no telefone, foi na secretaria do clube. E depois do jogo em Porto Alegre, ele queria jogar no estádio dele, em Moça Bonita, bem mais acanhado que o nosso”, conta o ex-presidente.

“Quando o Bira fez o gol do Brasil [3 a 1], fui comemorar e tomei uma laranjada na cabeça. Na época era tudo liberado”, conta a torcedora Saionara Borges, presente no Maracanã (Foto: Fernando Rascado)

No Rio de Janeiro, laranjada na cabeça

Em tempos nos quais era mais difícil viajar pelo país, naturalmente não havia tantos xavantes no Maracanã para tentar reverter a desvantagem na semifinal. Assim como o Brasil não poderia atuar no Bento Freitas, o Bangu também estava impedido de receber o Rubro-Negro em Moça Bonita. No domingo, 28 de julho, Saionara Borges era uma das 300 ou 400 pessoas, ela estima, torcendo pelo time da Baixada no gigante estádio carioca.

Saionara passava férias no Rio e lá estava quando o Brasil superou o Flamengo em Pelotas. A torcedora rememora a indignação dos “outros” rubro-negros. “Eles diziam ‘é carioca contra gaúcho’. Pegavam o distintivo do Flamengo e faziam assim na nossa cara. Enquanto isso, a torcida do Bangu nos recebeu super bem, foi nos cumprimentar”, conta a xavante, que foi ao Maracanã com uma tia e um primo.

Ado e Marinho, duas vezes, marcaram para os mandantes. “Quando o Bira fez o gol do Brasil [3 a 1], fui comemorar e tomei uma laranjada na cabeça. Na época era tudo liberado. Hoje nem batom pode entrar no campo”, diz Saionara. O Bangu, assim, se garantiu na final do Brasileirão, que perderia para o Coritiba, nos pênaltis. De quebra, o “Proletário” confirmou presença na Libertadores do ano seguinte.

Diário Popular, sobre o jogo de ida da
semifinal contra o Bangu (Foto: Reprodução)

E depois?

Finalizada a participação na Taça de Ouro, o Xavante voltaria ao cenário estadual. Na época, o Gauchão ocorria depois do Brasileirão. Já sem Bira, de saída para o Grêmio por 500 milhões de cruzeiros, o então vice de futebol rubro-negro, José Rodolfo Azocar, avaliou a negociação como “excelente para o Brasil e para o jogador”. O artilheiro do clube na disputa nacional assinou seu primeiro contrato profissional na carreira.

Houve outra perda impactante: Valmir Louruz deixou a Baixada rumo ao Central, de Caruaru (PE). Dias após a queda para o Bangu, o Brasil disputou um amistoso em Criciúma, contra a equipe da casa, por uma cota de seis milhões de cruzeiros. O substituto de Louruz foi Jaime Schimidt, ex-São Paulo de Rio Grande. No Estadual, o Rubro-Negro iniciou com quatro vitórias e um empate nas cinco primeiras rodadas.

Cotado como um dos favoritos, o Xavante acabou perdendo fôlego durante a campanha. “Lembro de uma manchete da revista Placar: ‘Brasil continua sendo o melhor do Sul’. Trouxemos o goleador do Campeonato Mineiro, um jogador do Santa Cruz do Recife… Sonhando em ser campeão gaúcho. Inter e Brasil aqui, numa quarta-feira à noite, perdemos de 1 a 0. O Inter nos passou e foi campeão do turno. Trouxemos o Valmir [Louruz] de volta, mas aí não foi…”, diz Rogério Moreira.

Sequência do clube

O Brasil voltou a jogar a primeira divisão nacional em 1986, mas somou apenas quatro pontos em um dos grupos regionalizados. Entre nove equipes, o Rubro-Negro foi o oitavo colocado e não passou de fase. Desde então, jamais figurou novamente na elite do futebol brasileiro.

“Quando entreguei a presidência do clube, não se devia um centavo para ninguém. E com vários jogadores com o passe do clube”, garante o ex-mandatário. Em uma época muito diferente da atual, Moreira recorda o quadro de funcionários da instituição, fora o futebol: dois massagistas, um roupeiro e médicos que eram estudantes de medicina.

“Na época se vivia da bilheteria. Estava começando essa coisa da camisa, engatinhando a coisa dos patrocínios. Poucos sócios. E claro que o jogador de futebol ganhava bem. Tinha muitos jogadores criados aqui como Bira, Silva, Hélio… E tinha aquela coisa do passe, tu podia vender”, completa o ex-presidente.

O feito de 1985 nunca se repetiu. O Brasil perdeu espaço em nível nacional e amargou rebaixamentos dentro do Rio Grande do Sul. Em várias ocasiões, reergueu-se. Frequentou a Série B por seis temporadas. Agora, em crise administrativa e vislumbrando uma transformação em SAF, Bira, 40 anos depois, vive o dia a dia de dificuldades.

O ídolo, decisivo há quatro décadas, faz questão de destacar as razões pelas quais assumiu o cargo interino de vice de futebol. “De vez em quando escuto algumas coisas. ‘Ah, por que tu está no Brasil?’. E eu respondo: ‘vocês não têm noção do que esse clube me proporcionou de fotografia para mostrar para os meus filhos e netos’”.

A despedida

28 de julho de 1985
Bangu 3 x 1 Brasil (Brasileirão)

Bangu: Gilmar; Márcio Nunes, Jair, Oliveira e Baby (Velto); Israel, Lulinha e Mário Marques; Marinho, Pingo e Ado. Técnico: Moisés.

Brasil: João Luís; Nei Dias (Assis), Silva, Hélio Vieira e Jorge Batata; Alamir, Lívio e Zezinho; Júnior Brasília, Bira e Canhotinho (Mano). Técnico: Valmir Louruz.

Os personagens

Duas figuras cruciais para aquela trajetória do Brasil nos anos 80 já faleceram. O técnico Valmir Louruz morreu aos 71 anos em abril de 2015, dois meses após receber homenagem, ao lado de Bira, antes do reencontro do Xavante com o Flamengo, pela Copa do Brasil, no Bento Freitas. Quatro anos mais tarde, aos 63, Doraci foi vítima de um câncer. O ex-volante foi considerado por manchete do Diário Popular “o mais importante jogador do Brasil de 85”.

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