A cidade de Rio Grande já foi considerada uma das mais violentas do Brasil. Para além da guerra entre facções, a violência doméstica também é uma constante preocupação das autoridades policiais e do judiciário. O Juizado da Violência Doméstica e Familiar tem se destacado como peça importante para a queda nos indicadores de feminicídios e, principalmente, no acolhimento e auxílio das vítimas.
Desde 2016, a juíza Denise Dias Freire, que é natural de Porto Alegre, está à frente do juizado especializado e desenvolve projetos que visam o empoderamento e fortalecimento das mulheres em situação de violência, assim como a mudança de cultura dos homens autores dos crimes, com o projeto “Grupos Reflexivos de Gênero”, há oito anos, que já beneficiou mais de 400 homens.
Como o Juizado da Violência Doméstica funciona e quais serviços são ofertados às vítimas?
O Juizado da Violência Doméstica é uma vara especializada que atua com base na Lei Maria da Penha. Ele é responsável por processar pedidos de medidas protetivas de urgência e ações penais relacionadas à violência doméstica e familiar contra a mulher. A unidade possui procedimentos próprios que priorizam a agilidade, o acolhimento e a humanização. Com uma sala de acolhimento, as mulheres têm disponíveis profissionais da área da saúde mental, voluntários do Juizado, que prestam atendimento dando suporte emocional e afetivo antes e depois das audiências.
Entre os serviços que prestamos no juizado especializado em Rio Grande está a Patrulha Maria da Penha, da Brigada Militar, com visitas e fiscalização das medidas protetivas concedidas; encontros de empoderamento feminino e orientação através do Grupo Fênix; encaminhamento para casa de acolhida; parcerias para doação de cestas básicas e kits de higiene às vítimas e aromaterapia para auxiliar a acalmar e relaxar as vítimas antes das audiências, que tendem a ser mais estressantes.
Como é trabalhado o fortalecimento da rede de acolhimento às mulheres?
Contamos com uma rede integrada de enfrentamento à violência doméstica, composta por Polícia Civil, Brigada Militar, Juizado da Violência Doméstica, Ministério Público, Defensoria Pública, Centro de Referência em Atendimento à Mulher, Grupo Fênix, Clínica de Psicologia da Anhanguera, Clínicas particulares, entre outros.
Essa rede atua desde o atendimento inicial na delegacia até o acompanhamento psicológico e social das vítimas e seus dependentes.
Entendo que o fortalecimento da rede depende da constante comunicação entre as instituições, de forma direta e descomplicada. Pode-se dizer que existe um trabalho em rede em determinada cidade quando os órgãos existentes para proteção à mulher são próximos, conseguem dialogar e um entende o que o outro faz. Sem isso, até podem existir várias entidades, mas sem um efetivo trabalho em conjunto.
Para que se tenha uma ideia, os mandados de prisão são encaminhados pelo Juizado via Whatsapp à Polícia Federal e à Patrulha Maria da Penha, o que aumenta as chances de uma captura ágil de um homem que esteja descumprindo medidas protetivas, por exemplo.
Outro exemplo de trabalho em rede se dá quando, nas audiências de acolhimento, eu mesma marco o dia e a hora que os suspeitos prestarão depoimento na Polícia Civil, o que é feito por uma agenda integrada entre as instituições. Isso agiliza o andamento dos inquéritos policiais, já que dispensa a necessidade de a própria delegacia ir atrás dos homens para finalizar as investigações.
De que forma isso tem contribuído para Rio Grande ser a cidade que mais concede medidas protetivas, na região Sul, e qual a importância delas?
Rio Grande se destaca na concessão de medidas protetivas por diversos motivos, desde a rede de apoio fortalecida e bem divulgada, ter uma resposta rápida e eficaz aos pedidos, campanhas de conscientização em nível estadual e nacional, cobertura da mídia sobre casos de feminicídio, com um trabalho sério e comprometido das instituições locais.
Esses fatores incentivam mais mulheres a denunciarem situações de violência. As medidas protetivas têm sido fundamentais para interromper ciclos de violência, proteger vítimas e filhos, e até mesmo oferecer tratamento e orientação aos agressores. Esse cenário mostra que o trabalho conjunto e eficiente da rede de proteção tem salvado vidas e transformado histórias.