De Felipão a Louruz: força do Brasil já aparecia dois anos antes do ápice

40 anos do Brasileirão de 85

De Felipão a Louruz: força do Brasil já aparecia dois anos antes do ápice

Bicampeão do interior, base do elenco do Xavante marcava presença em 83, com base de atletas identificados

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Época vitoriosa teve como ponto alto a vitória sobre o Flamengo em 1985 (Foto: Reprodução)

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De Felipão a Louruz: força do Brasil já aparecia dois anos antes do ápice
Época vitoriosa teve como ponto alto a vitória sobre o Flamengo em 1985 (Foto: Reprodução)

Os feitos alcançados em julho de 1985 pelo Grêmio Esportivo Brasil estão eternizados. Em uma das campanhas mais surpreendentes da história do futebol nacional, o Xavante deixou gigantes do país para trás e terminou a edição daquele ano do Campeonato Brasileiro em terceiro lugar, ficando a uma colocação da vaga na Libertadores da temporada seguinte. A histórica façanha rubro-negra completa, agora, 40 anos.

Mas como o clube do Bento Freitas, com um orçamento muito inferior aos principais do Brasil, conseguiu chegar tão longe? Qual era o contexto? Na abertura desta série especial em três capítulos nas páginas e no site do A Hora do Sul, a primeira pauta é a construção daquela equipe que “fez a zebra passear” na Taça de Ouro – nome dado pela CBF ao Brasileirão de 85.

No livro Identidade Xavante, 1983 é definido como a marca do “início de um ciclo de vitórias rubro-negras”. Uma análise corroborada por três figuras com conhecimento da causa: Rogério Moreira, presidente do clube na temporada de maior sucesso nacional; Bira, ex-atacante, artilheiro em 85; e Caldenei Gomes, radialista do meio esportivo. A trajetória que culminou no triunfo épico sobre o Flamengo de Zico começou dois anos antes.

“O time estava pronto. Em 84, as pessoas não lembram, mas também ganhamos do Flamengo”, relembra Bira (Foto: Gustavo Pereira)

Força demonstrada dentro da aldeia

O processo até o topo do país teve os primeiros passos dados perto de Pelotas. O Brasil foi bicampeão do interior do Rio Grande do Sul em 1983 e 1984. Em 83, sob comando do então emergente Luiz Felipe Scolari, a equipe terminou o Gauchão em segundo lugar, atrás apenas do Internacional. Nomes como Hélio Vieira, Bastos, Doraci, Júnior Brasília, Lívio, Zezinho e Bira, presentes em 85, já vestiam vermelho e preto. Era o início.

Durante aquela temporada, Scolari substituiu Airton Nogueira. O futuro comandante do penta mundial da Seleção dirigiu o Xavante em 38 jogos no ano de estreia. Foram 13 vitórias, 16 empates e nove derrotas, além de um feito crucial para a sequência: a garantia da vaga no Brasileirão de 1984. “O time de 85 foi o Felipão que montou”, resume Rogério Moreira. Um ano antes, porém, a façanha maior ganharia um novo – e importante – tijolo.

Experiência crucial pelo país

Terceiro colocado de um grupo com Cruzeiro, América (MG), Rio Branco (ES) e Athletico (PR), o Rubro-Negro alcançou a segunda fase do Nacional de 84. Ficou em uma chave ao lado de Internacional, Flamengo e Portuguesa (SP). O Xavante perdeu para o Flamengo no Maracanã, mas venceu o Colorado na Baixada. O placar de 1 a 0 se repetiu diante dos cariocas no Bento Freitas, nas duas vezes com gol de Chico Fraga. Um presságio.

Bira exalta a importância da experiência. “Aquilo [campanha de 85] foi construído em 83, quando começou a ser montado o time. Participou do Campeonato Brasileiro em 84 e culminou em 85. O time estava pronto. Em 84, as pessoas não lembram, mas também ganhamos do Flamengo”, rememora. Apesar dos triunfos sobre gigantes, a equipe de Scolari perdeu duas vezes para a Lusa e empatou fora com o Colorado. Acabou eliminada.

“Havia essa identidade. O time do Brasil que chegou àquela campanha inédita foi construído lá em 83”, afirma o radialista Caldenei Gomes (Foto: Fernando Rascado)

Felipão sai, mas base de atletas fica

Rumo ao Al Shabab, da Arábia Saudita, Felipão deixou o Xavante. A semente, contudo, estava plantada – não só pelo treinador, mas por várias mãos. Participaram da campanha de 84, por exemplo, Hélio Vieira, Silva, Doraci, Lívio, Júnior Brasília, Zezinho e Bira. No mesmo ano, o novo título do interior gaúcho veio com a conquista da terceira posição no Estadual. O Rubro-Negro se firmava no posto de terceira força do Rio Grande do Sul.

“Era um time muito identificado com o torcedor. Havia essa identidade. O time do Brasil que chegou àquela campanha inédita foi construído lá em 83, dois anos antes. Nesse meio tempo, teve dois títulos do interior, uma boa campanha em Campeonato Brasileiro, alguns enfrentamentos históricos com o Pelotas. Teve uma trajetória até chegar àquele ápice”, afirma Caldenei Gomes.

Cassiá não dura; Louruz chega

Tentando encontrar um “novo Scolari”, a direção buscou Cassiá Carpes. Bira afirma que muitos métodos eram parecidos entre os dois e, inclusive, também na comparação com Valmir Louruz, contratado mais tarde. Porém, a maior fortaleza estava no grupo. “A equipe que tinha sido montada dois anos antes permaneceu junta. O plantel permaneceu quase o mesmo, mudou uma ou outra peça, e acabou naquele sucesso de 85”, diz o ex-atacante.

A Taça de Ouro começou em janeiro e foi dividida em quatro grupos, conforme o ranking da CBF. Participaram 44 clubes. Após 22 rodadas, o Xavante avançou por ter feito a segunda melhor campanha do returno da chave D – o Bangu liderou os dois turnos – e a quarta melhor campanha geral. Mas o rendimento até a metade da primeira fase foi apenas o sexto. Em 3 de março, caiu Cassiá e veio Louruz. Um ponto de virada.

Rogério Moreira recorda que a troca no comando ocorreu após um revés por 3 a 0 para a Desportiva Ferroviária (ES), fora de casa. Cassiá se desentendeu com alguns atletas e não continuou. Com a evolução nos resultados e a classificação sob comando de Louruz, o Brasil se viu acompanhado somente por clubes de prateleiras acima na etapa seguinte: Flamengo, Bahia e Ceará. Só um passaria de fase nos jogos em julho.

Manchete do Diário Popular após os 2 a 0 em cima do Flamengo (Foto: Fernando Rascado)

Mais de dois meses de pausa

O Rubro-Negro bateu o Brasília por 2 a 0 em 21 de abril. Veio então um hiato. O campeonato parou e ocorreu a disputa das Eliminatórias da Copa de 1986, à época realizada em intervalo curto. Na Baixada, o foco era um só: o segundo semestre. “A gente estava de olho em julho. Aquilo era um sonho. Ceará, Bahia, Flamengo…”, conta o ex-presidente.

Para evitar que os times gaúchos ficassem inativos durante mais de dois meses, foi criada a Copa Bento Gonçalves. O torneio esteve envolto em polêmica e, conforme coluna de Gildomar Gomes no Diário da Manhã, havia incerteza sobre a realização ou não da competição até a véspera da abertura. O Grêmio, por exemplo, mandou seu time principal para amistosos fora do país, atuando com equipe alternativa no RS.

Enquanto isso, de olho no retorno da Taça de Ouro, o Brasil precisava ajustar seu elenco. O goleiro João Luís tinha continuidade incerta. Por fim, acertou a permanência depois de negociação com o XV de Jaú (SP). Vinculado ao São Borja, Jorge Batata era outro atleta cujo status gerava dúvida. Igualmente, seguiu na Baixada. Entre os principais dirigentes xavantes na época, à frente dessas e outras conversas, figuravam José Rodolfo Azocar e Giovani Mattea.

Na Copa Bento Gonçalves, o desempenho recebeu críticas. Em 11 de junho, o Diário da Manhã trazia como manchete: “Brasil desclassificado enfrenta séria crise”. No dia anterior, o time de Louruz tomou 3 a 0 do São Paulo, em Rio Grande, e foi eliminado. A demissão de Mattea era notícia na mesma edição do jornal. “É o caminho da crise”, publicou o periódico. A saída se deu, segundo Mattea, por ser integrante da chapa derrotada na eleição da Federação Gaúcha de Futebol (FGF), e ele pretendia evitar possíveis prejuízos ao clube.

Surpresa começa a se desenhar

A publicação da tabela de jogos da segunda fase determinou a seguinte ordem: Bahia (em casa), Flamengo (fora), Ceará (F), Ceará (C), Flamengo (C) e Bahia (F). Só o líder do grupo avançaria para as semifinais. Eram quatro chaves simultâneas e independentes. Paralelamente, Bira chamava atenção do país pelos gols marcados. O passe do atacante formado na base foi fixado em 500 milhões de cruzeiros, de acordo com Azocar. Vasco, Palmeiras e Grêmio manifestaram interesse.

Após a frustração na Copa Bento Gonçalves, Louruz observou a equipe em uma série de amistosos. Em entrevistas, a direção se dizia confiante e adotava discurso ousado. “Não importa que venham Flamengo, Bahia e Ceará. Vamos derrotá-los e beliscar lá fora. Assim a classificação chega para nosso time”, afirmou Azocar às vésperas da estreia na segunda etapa do Brasileirão, contra o Bahia. Julho, enfim, havia chegado, e a frase dita naquele dia 2 se tornaria uma profecia poucas semanas depois.

Olhando de fora, Caldenei Gomes relembra o contexto da expectativa da época. “O caminho do Brasil era diferente do caminho feito por Flamengo, Grêmio, Inter, enfim, os grandes clubes, que se enfrentavam entre si [na primeira fase]. Havia vagas para os times do segundo módulo. O Brasil fez uma campanha sólida, com muita força no fator local. Mas o que se esperava? Enfrentamento com Bahia, Ceará e Flamengo – o Brasil seria a zebra”. E foi.

Goleada no Tricolor

3 de dezembro de 1983
Brasil 4 x 0 Grêmio (Gauchão)
Mauro; Ernâni, Hélio Vieira, Amauri e Bastos; Doraci, Jurandir (Marco Antônio) e Andrezinho; Júnior Brasília, Lívio (Rubão) e Zezinho. Técnico: Luiz Felipe Scolari.
Gols: Hélio Vieira, Lívio (2) e Zezinho.

Uma prévia de 85

21 de março de 1984
Brasil 1 x 0 Flamengo
(Brasileirão)
Gilberto; Valdir, Silva, Hélio Vieira e Chico Fraga; Doraci, Lívio e Andrezinho; Jurandir, Júnior Brasília e Zezinho. Técnico: Luiz Felipe Scolari.
Gol: Chico Fraga.

Rubro-Negro avançou após as 22 rodadas da primeira fase (Foto: Reprodução – AHS)

Brasil na primeira fase do Brasileirão de 85

Brasil 1 x 1 Uberlândia
Brasil 1 x 0 Corumbaense (MS)
Villa Nova (MG) 1 x 3 Brasil
Leônico (BA) 2 x 1 Brasil
Joinville 1 x 2 Brasil
Brasil 2 x 0 Ponte Preta
Pinheiros (PR) 2 x 2 Brasil
Brasil 0 x 1 Bangu
Desportiva (ES) 3 x 0 Brasil
Brasil 2 x 2 Vila Nova (GO)
Brasília 3 x 2 Brasil

Uberlândia 1 x 2 Brasil
Corumbaense (MS) 1 x 2 Brasil
Brasil 0 x 0 Villa Nova (MG)
Brasil 4 x 1 Leônico (BA)
Brasil 1 x 1 Joinville
Ponte Preta 2 x 2 Brasil
Brasil 1 x 0 Pinheiros (PR)
Bangu 3 x 1 Brasil
Brasil 5 x 0 Desportiva (ES)
Vila Nova (GO) 0 x 0 Brasil
Brasil 2 x 0 Brasília

No próximo episódio…

Após deixar impressão negativa em torneio estadual e período de negociações por atletas, Xavante choca o país, bate Zico e companhia e compõe a “semifinal impensável”.

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