O Príncipe Custódio Joaquim de Almeida, figura principal do enredo da escola de samba Portela preparado para o Carnaval do próximo ano, teve passagem por Pelotas. Registros apontam que o príncipe viveu durante quase um ano na cidade, antes de ir para Porto Alegre. Na capital, ele firmou residência e se consolidou como uma figura central na organização das religiões de matriz africana no Estado.
Vindo de Benin, onde era príncipe, o líder político e espiritual chegou ao Brasil após ser pressionado pela Coroa Britânica, que queria ocupar o país africano, com histórico de disputas. Escolheu o Brasil por conta de consultas espirituais que indicavam que o “povo dele” estava no sul do país.
Segundo o historiador Luís Carlos Mattozo, a passagem do africano por Pelotas aconteceu pouco depois da sua chegada na cidade de Rio Grande, entre 1899 e 1900. Por medo de encontrar adversários em razão da movimentação do porto, Custódio evitou permanecer em Rio Grande e se deslocou para Pelotas.
De iate – pois navios grandes não atracavam no porto de Pelotas –, e com 48 pessoas em sua comitiva, o príncipe chega à cidade e se instala nas proximidades da praça Coronel Pedro Osório, na rua Santa Cruz, nas imediações do prédio onde atualmente funciona o Instituto Nacional do Seguro Social.
Nesse momento, conforme narra o historiador, Custódio dá início à sua trajetória religiosa no Brasil. Ele atende figuras importantes da política, como Júlio de Castilhos e Borges de Medeiros, além de outras personalidades do RS. Em uma das visitas de Júlio de Castilhos, o convite para morar em Porto Alegre é feito. O príncipe, então, conclui um atendimento em Bagé e se encaminha para a capital.
“Essa chácara do Custódio, onde o Júlio de Castilhos ficou por oito dias tratando um problema de saúde é justamente o local onde se dá o convite do Júlio ao Custódio. É ali que começa a inserção do Custódio no cenário político do Estado”, diz Mattozo. Além de consultor religioso, o príncipe passa a ser procurado também para ajudar em decisões políticas.
Mesmo com algumas controvérsias, Mattozo assegura a efetividade da passagem do africano por Pelotas. O trabalho acadêmico de Maria Helena Nunes da Silva, o livro de Paulo Roberto Rossiung, e os relatos da própria neta de Custódio são algumas das evidências mais relevantes. “Eu tive a felicidade de receber a Serafina em Pelotas em 1993, e tudo isso ela me relatou”, atesta.
Um negro em um país escravista
Enquanto milhões de negros foram trazidos à força da África e submetidos à escravidão no Brasil, Custódio chegou como príncipe, com corte, imunidade diplomática e recursos enviados pela Coroa Britânica. Em caráter de exceção, ele foi um negro que viveu com poder e riqueza em um país que ainda operava no sistema escravista, mesmo após sua abolição formal em 1888.
“Ele trajava roupas de príncipe, se vestia bem. Era um homem alto. Andava a cavalo, criava cavalos de raça. Passeava de carruagem pelas ruas. E adquiriu vários bens: em Pelotas, teve uma chácara; tinha uma chácara em Cidreira também, onde passava as férias. Tinha casa em Porto Alegre também”, conta Mattozo.
Desaparecimento de bens
Após a morte do líder espiritual, seus bens desapareceram, exceto a casa em Porto Alegre. Há indícios de apropriação pelo Estado, especialmente em cidades onde ele não tinha herdeiros diretos. Buscando registros da antiga casa e chácara do avô que Serafina esteve em Pelotas em 93.
Importância simbólica
A presença de um príncipe negro com corte em Pelotas é desconhecida por grande parte da população. Mattozo defende que o tema do samba-enredo da Portela, se citar Pelotas, pode ajudar a recuperar essa memória perdida. “Se a gente tiver possibilidade de estar presente com uma ala, com uma referência no desfile da escola, é extremamente importante e significativo para a negritude pelotense”, enfatiza.
Além disso, já há uma articulação para realizar o lançamento do samba-enredo da Portela em Pelotas, em novembro, mês da consciência negra. A ideia é trazer integrantes da escola de samba para o evento oficial.