Cesar Victora: o pesquisador responsável por revelar ao mundo que a amamentação salva vidas

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Cesar Victora: o pesquisador responsável por revelar ao mundo que a amamentação salva vidas

Suas descobertas foram responsáveis por combater a mortalidade infantil e basear políticas voltadas à nutrição de crianças em mais de 140 países

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Cesar Victora: o pesquisador responsável por revelar ao mundo que a amamentação salva vidas
O epidemiologista é responsável por contribuições científicas que moldaram diretrizes internacionais em nutrição e saúde infantil. (Foto: Gabriel Leão)

Se hoje a Organização Mundial da Saúde (OMS) e o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) recomendam o aleitamento materno exclusivo até os seis meses de vida, é graças as pesquisas desenvolvidas pelo professor Dr. Cesar Victora em Pelotas.

A descoberta do poder da amamentação para a nutrição e o desenvolvimento infantil representou uma revolução em um período marcado pela alta mortalidade de bebês devido à subnutrição e a doenças infecciosas.

Mesmo se considerando aposentado há cerca de dez anos, Victora passa os dias trabalhando em frente ao computador em pesquisas colaborativas com a Aliança Global de Vacinas (Gavi) sobre crianças chamadas zero dose, ou seja, que nunca foram imunizadas. A produção de artigos na condição de professor colaborador da UFPel também permanece ativa. Em 2024, o epidemiologista já tinha mais de 800 artigos publicados, com mais de 70 mil citações.

“A aposentadoria foi bom porque eu não preciso fazer mais a parte burocrática e posso fazer só o que eu gosto, que é pesquisa”, declara.

Parte do trabalho atual de Victora é mapear onde estão as crianças sem vacinação, auxiliar os sistemas de saúde a alcançar esse público e monitorar o desenvolvimento de campanhas de imunização. Com a coleta de indicadores de mais de 200 países pela Gavi, foi criado dentro da UFPel o Centro Internacional de Equidade em Saúde para a análise dos dados e a geração de indicadores de equidade em saúde. O objetivo é promover avanços em direção à redução das disparidades no acesso à saúde por mulheres, recém-nascidos, crianças e adolescentes. “São pesquisas nacionais de porta em porta”, diz.

Assim como são realizadas pela Gavi, as pesquisas de campo com entrevistas domiciliares sempre foram a principal metodologia adotada por Victora para a produção de seus estudos sobre desnutrição, mortalidade infantil e os efeitos da desigualdade social na saúde. Formado médico pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), ele desejava trabalhar com saúde pública e comunitária. Na época, a Universidade Federal de Pelotas (UFPel) passava pelo processo de federalização e enfrentava a escassez de professores na área de medicina comunitária e na condução de pesquisas.

Victora em trabalho de campo para o doutorado. (Foto: acervo pessoal)

As pesquisas epidemiológicas em Pelotas

Cesar Victora aceitou o convite para atuar como professor e, além de incentivar a prática da pesquisa na Faculdade de Medicina (Leiga), contribuiu para a criação dos dois primeiros postos de saúde de Pelotas em 1977 — um no bairro Areal e outro na Cohab Tablada. Foi atendendo no que hoje são chamadas de Unidades Básicas de Saúde (UBS) que o médico percebeu uma situação recorrente: a procura por atendimento para crianças com quadros de subnutrição, diarreia e outras doenças infecciosas.

A partir de então Victora iniciaria em Pelotas os estudos que revolucionariam os padrões mundiais de nutrição infantil e o período de amamentação. “Eu ficava muito frustrado porque eu tratava as crianças doentes e poucas semanas depois elas voltavam doentes novamente. Eu não resolvia o problema delas, curava aquele episódio, mas muitas acabavam morrendo”, diz sobre o que o levou a se dedicar à pesquisa epidemiológica voltada à prevenção.

“Como a gente poderia prevenir que as crianças adoeçam e morram?”, essa era a pergunta para qual o pesquisador começou a buscar respostas no início dos anos 80, quando a diarreia era a maior causa de mortalidade infantil no Brasil. Na mesma época, com o médico Fernando Barros, Victora iniciou o primeiro grande estudo epidemiológico do país, a Coorte de Nascimento de 1982. Entre os primeiros dados levantados sobre as mães dos recém nascidos daquele ano, um dos que mais chamou a atenção do pesquisador foi a média de dois meses e meio de amamentação. “Eu senti que precisávamos de dados robustos para comprovar que a amamentação salva vidas.”

Aleitamento exclusivo

Em 1985 os resultados da pesquisa sobre mortalidade infantil demonstraram que a amamentação no primeiro ano de vida diminui em 14 vezes o risco da mortalidade por diarreia e o aleitamento exclusivo até os seis meses salva a vida dos bebês. O estudo foi publicado na revista científica The Lancet e em 1991 virou base para a política de amamentação adotada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef).

“As famílias mais pobres diluíam muito o leite em pó e muitas vezes misturavam com uma água que não era tratada e estava contaminada. Por isso que matava tanto por diarreia. A criança ficava subnutrida”, explica. Com as descobertas, a cultura em vigor da alimentação infantil com leite em pó foi substituída por meio de campanhas de conscientização sobre a importância da amamentação exclusiva. Hoje mais de 140 países seguem a diretriz de amamentação.

“No Brasil houve toda uma mobilização de entidades governamentais e sociedade civil, na promoção do aleitamento. Para controlar a propaganda da indústria do leite em pó, que era muito perniciosa, mostrava aquelas crianças gordinhas. Hoje em dia isso é proibido”, diz.

O tempo médio de amamentação no Brasil passou de dois meses e meio para 14 meses. “Foi uma revolução cultural, não se amamentava, na época todo mundo achava que amamentar era uma coisa de pobre, de gente atrasada e que o moderno era dar leite em pó”, conta.

Com a ampliação do aleitamento materno, também foi necessário revisar as curvas de crescimento infantil, que até então se baseavam em parâmetros de bebês alimentados com leite em pó, e muitas vezes acima do peso. “Então nós, com a OMS e seis grupos espalhados pelo mundo, fizemos as curvas com base em crianças amamentadas. São mais de 150 países que usam essa curva para monitorar o crescimento.”

O Camboja está entres os vários países em que a nutrição infantil foi pesquisada. (Foto: acervo pessoal)

Coorte e a importância dos mil dias de vida

Parte dos dados que embasaram as pesquisas sobre nutrição infantil e o desenvolvimento de crianças são oriundos da coorte de nascimento de 1982. O estudo epidemiológico acompanha há 43 anos a saúde de um grupo de nascidos em Pelotas e é considerado o mais longevo do Brasil. No mundo há somente cinco investigações do mesmo nível. “Nós já escrevemos mais de mil trabalhos sobre isso, mas acho que uma das coisas mais relevantes [descobertas] é a importância dos mil dias.”

Os cientistas constataram que o ambiente em que a criança é criada até os dois anos – os cuidados recebidos, estímulos, alimentação, entre outros fatores -, impacta em toda a trajetória de vida. Desde as condições de saúde até o desenvolvimento intelectual. “Qualquer coisa se enfrente de adversidade: pobreza, falta de saneamento, de assistência médica, tanto na gestante quanto na criança, tem consequências irreversíveis.”

Os acompanhados da coorte que foram amamentados e tiveram uma nutrição adequada durante o crescimento são mais bem sucedidos atualmente. Ou seja, têm empregos melhores e são mais bem remunerados. Mesmo na comparação entre participantes que tinham a mesma realidade social na infância.

“Na parte intelectual, conseguimos provar que o que aconteceu no passado importa. Além da falta da amamentação, com a subnutrição nos primeiros anos de vida, o cérebro dessa criança não se desenvolve.” Assim como o aleitamento exclusivo, essa revelação influenciou a criação de uma série de políticas públicas pelo Banco Mundial e a Unicef para a promoção do crescimento saudável das crianças pequenas.

Cesar Victora ganha prêmio Gairdner de Saúde Global. (Foto: acervo pessoal)

Pelotas

Nascido em São Gabriel, Cesar Victora mora em Pelotas desde os anos 70. Embora tenha tido inúmeras oportunidades de lecionar em universidades de prestígio mundial como Oxford e Harvard e morar fora do país, o médico preferiu continuar na Cidade do Doce. “Pelotas me recebeu muito bem, eu sou cidadão honorário, me orgulho muito do título, e eu acho que é uma cidade boa de morar.”

Outro fator determinante para a moradia na cidade foi a receptividade dos pelotenses para a participação nas coortes. Atualmente, além do estudo dos nascidos em 1982, há mais três em andamento (1993, 2004 e 2015). “Aqui a Universidade me deixou trabalhar e a população me recebeu muito bem. O pessoal que participou das coortes têm orgulho de ser das coortes.”

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