Pescadora abre mão de casa própria para reconstruir peixaria destruída pela enchente

Recomeço

Pescadora abre mão de casa própria para reconstruir peixaria destruída pela enchente

Um dos estabelecimentos mais movimentados do Pontal da Barra, a Peixaria da Preta foi devastada pelas águas da Lagoa dos Patos em setembro de 2023 e maio de 2024

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Atualizado terça-feira,
03 de Junho de 2025 às 14:33

Pescadora abre mão de casa própria para reconstruir peixaria destruída pela enchente
A pescadora teve que escolher entre reerguer a moradia ou o estabelecimento. (Foto: Jô Folha)

“Eu reconstruí a parte para eu trabalhar, para morar ainda não”, diz Marilanda Fagundes, 38 anos. Conhecida como Preta — apelido que também dá nome à peixaria que ela comanda há dez anos —, a pescadora teve que escolher entre reerguer a moradia ou o estabelecimento, após a enchente de maio de 2024 destruir seus dois bens. Em junho, completa quatro meses da reabertura da peixaria e um ano desde que Marilanda mora na casa de uma amiga.

“A gente tem que pagar as contas, ficamos três meses sem poder trabalhar e tive que fazer mais dívidas para poder reconstruir. Dei prioridade a fazer onde eu trabalho para depois ter onde morar.” Um dos pontos de comercialização de pescado mais conhecidos do Pontal da Barra, na praia do Laranjal, a Peixaria da Preta — assim como a casa de Marilanda, localizada nos fundos do local — foi completamente devastada.

A força da água da Lagoa dos Patos derrubou paredes, destruindo todos os móveis, eletrodomésticos e os oito freezers da peixaria. Oito meses antes, outra cheia já havia causado grandes perdas no negócio. “Quando tu já tinhas tudo, ter que reiniciar é bem complicado. Tu não sabe nem por onde começar e isso afeta a cabeça. Eu só fiquei calma no dia em que reabri”, relata. Até esse momento, foram meses extenuantes, física e mentalmente.

A peixaria e a case de Marilanda foram totalmente destruídas na enchente de maio de 2024. (Foto: Jô Folha)

O período mais complicado surge com o recuo da água e o retorno ao local. A limpeza e a necessidade de descartar pertences conquistados com anos de trabalho são comparadas por Preta a um luto. No segundo momento, foram semanas de uma empreitada árdua para a reconstrução da peixaria. “Eu tinha a opção de ficar esperando para ver o que poderia ser feito ou colocar a mão na massa e começar logo. Eu e meu esposo fizemos, literalmente, tijolinho por tijolinho”, diz.

Recomeço

Com muito esforço e contas feitas em ferragens locais, a peixaria abriu a tempo da safra do camarão. Além de obter os primeiros lucros após a reabertura, nesse período foram empregadas dez mulheres para o processo de limpeza do crustáceo. A reputação positiva do estabelecimento, por oferecer um bom atendimento e preços acessíveis, somada ao reconhecimento da resiliência da pescadora, contribui para ótimas vendas.

Durante a safra do camarão, a empreendedora emprega dez mulheres do Pontal da Barra. (Foto: Jô Folha)

Nos finais de semana de verão, quando a movimentação de fregueses é mais intensa no Laranjal, a Peixaria da Preta comercializa entre R$ 5 mil e R$ 10 mil em camarão, linguado, corvina e tainha. No inverno, o lucro gira em torno de R$ 2 mil a R$ 3 mil por final de semana. “Quanto mais o público vem para a Barra, mais é um incentivo para eu continuar insistindo em fazer esse trabalho cada vez melhor. O que me mantém aqui não é só a minha vontade e a minha força, são os clientes.”

“Vamos na lagoa e colhemos o peixe”

Marilanda também atua ativamente no grupo de moradores do Pontal da Barra, que se mobiliza para cobrar da Prefeitura de Pelotas a construção de estruturas de contenção contra o avanço da lagoa, como quebra-mares. A menos de um mês da chegada do inverno e do período de chuvas mais intensas, as reivindicações ainda não foram atendidas.

Mesmo com a possibilidade de uma nova enchente ocorrer nos meses seguintes, ou anos, a empreendedora não repensa a reabertura da peixaria nem o plano de construir uma nova casa no Pontal da Barra. “Eles dizem para mim: ‘Preta, como tu consegues insistir numa coisa que foi atingida duas vezes?’ Não é que eu não tivesse vontade de desistir, eu tive. Mas, na cidade, as pessoas também passam por dificuldades diariamente.”

Marilanda comemora os quatro meses de reabertura da peixaria. (Foto: Jô Folha)

Para ela, a diferença entre as dificuldades enfrentadas em outro local da cidade e os danos causados por empreender em um ponto vulnerável a cheias é que, próximo à Lagoa dos Patos, ela consegue exercer sua independência financeira e alcançar a satisfação por meio do trabalho.

“Eu não tenho estudo, não ia conseguir emprego em lugar nenhum que me pagasse o que eu ganho. A gente tem uma vida estável através do que pescamos. Aqui, a gente vai ali [na lagoa], pesca, limpa, corta e entrega para o cliente.”

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