“Eu reconstruí a parte para eu trabalhar, para morar ainda não”, diz Marilanda Fagundes, 38 anos. Conhecida como Preta — apelido que também dá nome à peixaria que ela comanda há dez anos —, a pescadora teve que escolher entre reerguer a moradia ou o estabelecimento, após a enchente de maio de 2024 destruir seus dois bens. Em junho, completa quatro meses da reabertura da peixaria e um ano desde que Marilanda mora na casa de uma amiga.
“A gente tem que pagar as contas, ficamos três meses sem poder trabalhar e tive que fazer mais dívidas para poder reconstruir. Dei prioridade a fazer onde eu trabalho para depois ter onde morar.” Um dos pontos de comercialização de pescado mais conhecidos do Pontal da Barra, na praia do Laranjal, a Peixaria da Preta — assim como a casa de Marilanda, localizada nos fundos do local — foi completamente devastada.
A força da água da Lagoa dos Patos derrubou paredes, destruindo todos os móveis, eletrodomésticos e os oito freezers da peixaria. Oito meses antes, outra cheia já havia causado grandes perdas no negócio. “Quando tu já tinhas tudo, ter que reiniciar é bem complicado. Tu não sabe nem por onde começar e isso afeta a cabeça. Eu só fiquei calma no dia em que reabri”, relata. Até esse momento, foram meses extenuantes, física e mentalmente.

A peixaria e a case de Marilanda foram totalmente destruídas na enchente de maio de 2024. (Foto: Jô Folha)
O período mais complicado surge com o recuo da água e o retorno ao local. A limpeza e a necessidade de descartar pertences conquistados com anos de trabalho são comparadas por Preta a um luto. No segundo momento, foram semanas de uma empreitada árdua para a reconstrução da peixaria. “Eu tinha a opção de ficar esperando para ver o que poderia ser feito ou colocar a mão na massa e começar logo. Eu e meu esposo fizemos, literalmente, tijolinho por tijolinho”, diz.
Recomeço
Com muito esforço e contas feitas em ferragens locais, a peixaria abriu a tempo da safra do camarão. Além de obter os primeiros lucros após a reabertura, nesse período foram empregadas dez mulheres para o processo de limpeza do crustáceo. A reputação positiva do estabelecimento, por oferecer um bom atendimento e preços acessíveis, somada ao reconhecimento da resiliência da pescadora, contribui para ótimas vendas.

Durante a safra do camarão, a empreendedora emprega dez mulheres do Pontal da Barra. (Foto: Jô Folha)
Nos finais de semana de verão, quando a movimentação de fregueses é mais intensa no Laranjal, a Peixaria da Preta comercializa entre R$ 5 mil e R$ 10 mil em camarão, linguado, corvina e tainha. No inverno, o lucro gira em torno de R$ 2 mil a R$ 3 mil por final de semana. “Quanto mais o público vem para a Barra, mais é um incentivo para eu continuar insistindo em fazer esse trabalho cada vez melhor. O que me mantém aqui não é só a minha vontade e a minha força, são os clientes.”
“Vamos na lagoa e colhemos o peixe”
Marilanda também atua ativamente no grupo de moradores do Pontal da Barra, que se mobiliza para cobrar da Prefeitura de Pelotas a construção de estruturas de contenção contra o avanço da lagoa, como quebra-mares. A menos de um mês da chegada do inverno e do período de chuvas mais intensas, as reivindicações ainda não foram atendidas.
Mesmo com a possibilidade de uma nova enchente ocorrer nos meses seguintes, ou anos, a empreendedora não repensa a reabertura da peixaria nem o plano de construir uma nova casa no Pontal da Barra. “Eles dizem para mim: ‘Preta, como tu consegues insistir numa coisa que foi atingida duas vezes?’ Não é que eu não tivesse vontade de desistir, eu tive. Mas, na cidade, as pessoas também passam por dificuldades diariamente.”

Marilanda comemora os quatro meses de reabertura da peixaria. (Foto: Jô Folha)
Para ela, a diferença entre as dificuldades enfrentadas em outro local da cidade e os danos causados por empreender em um ponto vulnerável a cheias é que, próximo à Lagoa dos Patos, ela consegue exercer sua independência financeira e alcançar a satisfação por meio do trabalho.
“Eu não tenho estudo, não ia conseguir emprego em lugar nenhum que me pagasse o que eu ganho. A gente tem uma vida estável através do que pescamos. Aqui, a gente vai ali [na lagoa], pesca, limpa, corta e entrega para o cliente.”