Lote 4 da BR-392 segue engavetado e mantém esperanças pelo PAC

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Lote 4 da BR-392 segue engavetado e mantém esperanças pelo PAC

Principal gargalo logístico do RS atualmente concentra insegurança e lentidão entre os motoristas

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Lote 4 da BR-392 segue engavetado e mantém esperanças pelo PAC
Obra esteve próxima a acontecer, mas saiu das prioridades após pedido da Petrobras para construção de um túnel em frente ao estaleiro. (Foto: Jô Folha)

Maior gargalo logístico do Rio Grande do Sul, a duplicação do lote 4 da BR-392 segue sem definição após mais de uma década de espera. Sinônimo de insegurança e lentidão para os motoristas, a única rodovia de ligação para o porto de Rio Grande já esteve no topo da lista de obras do governo federal, mas perdeu força e agora está longe das prioridades da União e do Estado.

A duplicação dos 52 quilômetros da BR-392 – que separam Rio Grande e Pelotas – iniciou em 2010 e foi dividida em quatro lotes, sendo os três primeiros já finalizados há mais de dez anos. Apesar disso, o trecho considerado o mais importante ainda não saiu do papel.

A falta de duplicação afeta diretamente a eficiência do porto rio-grandino, impactando toda a cadeia logística do Estado. Empresas que operam no distrito industrial enfrentam diversas dificuldades para escoar e receber produtos. A Yara Brasil, por exemplo, realizou a duplicação de seu acesso privado há quase dez anos, apostando que o restante da via também seria duplicada em breve, o que nunca aconteceu.

Além do prejuízo operacional, há um custo humano alto. Acidentes são frequentes no trecho, muitos deles com vítimas. Em 2024, a Ecovias Sul atendeu 40 ocorrências no trecho, sendo duas delas com óbito. O número corresponde a cerca de 10% dos acidentes dos 457 quilômetros administrados pela concessionária.

O lote 4 tem pouco mais de oito quilômetros e corta o distrito industrial de Rio Grande, onde mais de nove mil trabalhadores circulam diariamente. Por ele passam milhares de caminhões que abastecem o porto rio-grandino – o quarto maior do país –, transportando soja, milho, fertilizantes e diversos outros produtos industrializados. O trecho, de pista simples, concentra engarrafamentos crônicos e acidentes frequentes, especialmente nos horários de pico.

“Perco pelo menos 30 minutos parado ali na frente da Bianchini todos os dias. O engarrafamento é horrível por causa dos caminhões. E é perigoso, não tem rotatória, eles dobram em cima da faixa”, relata Richard Gonçalves, 31 anos, trabalhador de uma empresa do distrito industrial. “A logística de entrada dos caminhões é mal pensada e temos um trânsito inseguro”, completa.

Para os caminhoneiros, a situação é ainda mais crítica. Ney Fernando Turela, 58 anos, há 40 anos trabalhando na estrada, descreve com frustração o cenário. “Pior é na hora do pique, das 6h às 8h. Às vezes eles ainda mexem no trem nesse horário. A gente fica uma hora, uma hora e meia parado. Às vezes até mais. É estressante demais”, desabafa.

Ele comenta que com a falta de uma infraestrutura viária adequada, os caminhoneiros são obrigados a terem condutas inapropriadas. “A gente coloca o caminhão no meio da faixa para conseguir dobrar. Se a gente não faz isso, ninguém deixa passar. Perderíamos ainda mais tempo”, explica.

Da prioridade ao abandono

Trecho de cerca de oito quilômetros recebe milhares de veículos por dia, que sofrem com a falta de estrutura. (Foto: Jô Folha)

A duplicação do Lote 4 foi originalmente prevista no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) do governo federal em 2010. Na época, um projeto executivo foi elaborado pelo Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit), que possuía todas as licenças ambientais aprovadas, além de ter os recursos financeiros garantidos.

“O general Frachet era o diretor-geral do Dnit, e ele veio junto com a presidente da República [Dilma Rousseff (PT)] aqui em Rio Grande para inaugurações do polo naval e tratamos do assunto […] Lá pelo fim do ano ele me ligou dizendo ‘pode avisar ao povo do Rio Grande do Sul e a Rio Grande que o lote 4 vai sair, nós vamos iniciar as obras imediatamente”, lembra Antônio Carlos Bacchieri, vice-presidente da Federasul.

Com a obra prestes a sair do papel, uma intervenção da Petrobras mudou o curso da história. A estatal solicitou que o projeto fosse alterado para permitir a instalação de módulos industriais do polo naval do lado esquerdo da rodovia, o que exigiria a construção de um túnel para travessia dos equipamentos. A exigência encareceu o projeto e o empurrou para o fim da fila. “O projeto foi engavetado e nunca mais saiu de lá”, afirma Bacchieri.

Meses depois da exigência, o polo naval, que empregava mais de 24 mil pessoas, iniciou sua trajetória de queda. O túnel não foi construído, assim como a obra da rodovia, que perdeu a validade de alguns licenciamentos ambientais e do próprio projeto inicial.

Projeto “faraônico”

O projeto original de 2013 previa a construção de diversos viadutos e obras de arte, incluindo passagens elevadas nos quilômetros 3,7 (próximo à Transpetro), 6 e 8,9 (Termasa/Tergrasa). O valor estimado à época superava R$ 1 bilhão.

Para grande parte das lideranças da região, a solução é simplificar, adaptando o projeto existente para algo mais simples, mas que resolva o gargalo.

Promessas não cumpridas

Nos últimos anos, diferentes gestões federais prometeram soluções para o lote 4. Durante o governo de Jair Bolsonaro (PL), o então ministro da Infraestrutura, Tarcísio de Freitas (Republicanos), afirmou, em visita à região, que o trecho seria realizado após a conclusão da duplicação da BR-116 e da construção da nova ponte sobre o canal São Gonçalo. Nenhuma dessas obras foi sequer concluída até então.

“Cada vez que um ministro vinha ao Estado, a gente perguntava sobre o Lote 4. A resposta era sempre a mesma, que depois da BR-116, depois da ponte. Só que o tempo passou e nada foi feito”, lamenta Bacchieri.

A situação mais recente aconteceu em 2023, quando o Dnit comunicou à Câmara de Vereadores de Rio Grande, através de uma carta-resposta, que tinha a expectativa de realizar a licitação do projeto executivo da obra ainda naquele ano. O certame, ainda no papel, aconteceria na modalidade de Regime Diferenciado de Contratação Integrada (RDCi) para ter maior celeridade.

Concessão do Polo Pelotas

Uma possibilidade que surgiu nos últimos anos partiu da concessionária Ecovias Sul, que administra o trecho. A empresa chegou a se reunir com empresários da região e acenou com a possibilidade de encampar a obra, em troca de extensão de contrato, proposta que foi recusada pelos órgãos públicos e privados.

Também existe a possibilidade de inclusão da duplicação no contrato de concessão do Polo Rodoviário de Pelotas, que encerra em março de 2026. A alternativa, ainda estudada, possui divergência de opiniões entre as lideranças da região, devido ao impacto da obra bilionária nas novas tarifas cobradas nos pedágios.

Governo distante

Apesar de ser uma rodovia federal, o lote 4 cruza dois dos principais ativos administrados pelo Estado – o porto e o distrito industrial – o que reforça a necessidade estratégica do trecho para o governo estadual. Apesar disso, o Executivo também pouco fez para auxiliar na viabilização da obra, na avaliação de Bacchieri. “Eu nunca ouvi o governo do Estado dizer que o lote 4 é prioridade”, destaca.

O que precisa para sair do papel?

Atualmente, o lote 4 da BR-392 possui um Estudo de Viabilidade Técnica, Econômica e Ambiental (EVTEA) e um anteprojeto de engenharia concluído e aprovado. Ainda resta a elaboração dos projetos básico e executivo antes da realização da obra.

A esperança para tirar o projeto do papel se resume à possível inclusão do lote 4 em uma nova fase do Novo PAC, o que Bacchieri considera que irá acelerar o processo. “Pra mim a solução é entrar no PAC, ter dinheiro pra terminar um projeto rápido e eficiente. Já tem grande parte dele pronto, é só fazer as modificações”, afirma.

Em abril, a prefeita de Rio Grande, Darlene Pereira (PT) e outras lideranças da região estiveram em Brasília para tratar da possibilidade de inclusão do projeto no PAC. No entanto, até o momento não se tem um indicativo sobre a contemplação do trecho.

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