Moda sustentável feita na Colônia Z-3 ultrapassa as fronteiras do país

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Moda sustentável feita na Colônia Z-3 ultrapassa as fronteiras do país

Associação das Artesãs Redeiras do Extremo Sul se fortaleceu ao longo de 15 anos e dá sustento para cerca de 20 famílias

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Moda sustentável feita na Colônia Z-3 ultrapassa as fronteiras do país
Diva Francisca da Rosa aprendeu a tecer no tear e hoje é responsável pela confecção dos tecidos de onde saem as bolsas, carro-chefe do projeto. (Foto: Gabriel Leão)

As redes para captura de camarão e as escamas da corvina são a matéria prima para os acessórios e as biojoias desenvolvidas pelas integrantes da Associação das Artesãs Redeiras do Extremo Sul. O projeto com 17 anos de atividades se tornou um case de sucesso ao misturar design e sustentabilidade e hoje é uma fonte de renda para muitas famílias da Colônia Z-3, para além do grupo de nove mulheres que formam a entidade Top 100 de Artesanato do Sebrae nacional.

A Redeiras começou a nascer em 2007, quando algumas artesãs da Colônia Z-3 estiveram em uma feira, na época desenvolvida pelo extinto Ministério do Desenvolvimento Agrário, no Mato Grosso. Por lá elas viram uma proposta de artesanato feito por mulheres com o couro de peixe, ação apoiada pelo Sebrae.

Quando surgiu o projeto nacional do Sebrae, chamado Território da Cidadania, as artesãs da Z-3 foram contempladas. “Eles tinham que atender 25 municípios da região Sul no artesanato de forma geral e para três grupos poderiam desenvolver algo a mais. Então lembraram das gurias da Z-3 e destinaram uma dessas vagas para elas”, relembra a artesã associada Rosani Schiller, que na época era consultora e foi designada para trabalhar com elas.

Mas foi o 2009 o mais importante para o grupo. Neste ano elas tiveram cursos e participaram de oficinas e palestras voltadas para o associativismo e cooperativismo, gestão, exposições e formação de preços, além de desenvolvimento de produtos. “Elas passaram todo o ano trabalhando, investindo, não se vendeu uma peça sequer, ninguém ganhou um centavo”, relembra Rosani.

O tempo dedicado à criação de um produto único, de design e vendável foi essencial para o sucesso da Redeiras. A primeira coleção foi lançada em fevereiro de 2010, em São Paulo. “Foi um grupo que trabalhou, acreditou e se dedicou e só foi começar a ver o dinheiro em março de 2010. Mas nunca mais paramos”, comenta a artesã.

O grupo inicial era formado por dez artesãs, destas: uma faleceu e outra saiu porque, após a morte do marido, precisou sair da Colônia Z-3. Em 2017 a Associação voltou a ter nove integrantes, com a entrada de Rosani. Aposentada, a ex-gestora do Sebrae foi convidada a entrar no grupo como artesã. “Elas me enfiaram dentro da associação”, brinca Rosani.

Mão de obra terceirizada

O nome Redeiras surgiu em função de uma das principais matérias primas das coleções: a rede de espera para camarão. Delas saem os fios que se transformam em estilosas bolsas, o carro-chefe, e acessórios, como colares, chaveiros e carteiras. E é o beneficiamento delas que gera renda para cerca de 15 famílias, que se envolvem nesse processo inicial da produção, que é toda terceirizada para que as artesãs se dediquem ao tear e às costuras.

As próprias mulheres destas famílias são quem consegue redes direto com os pescadores. São materiais que estão muito gastos, com muitos furos e que eles iriam descartar. Se não fosse a Redeiras, provavelmente este insumo ficaria jogado em algum canto ou se enterrando na areia da praia. Dessa maneira a associação contribui de uma forma original com a reciclagem desse material, em favor do meio ambiente.

Quem não consegue com os pescadores, vai pegar em um depósito na casa de uma das artesãs. Essas mulheres lavam e recortam os fios. A demanda é tanta que Rosani busca redes em outras comunidades. “Eu estou buscando em Rio Grande e em São José do Norte”, conta. Outra ajuda vem do Ibama que, quando apreende redes, doa para a Redeiras.

As redes chegam muito sujas, extremamente escurecidas. Este é um trabalho que requer vários dias de cuidados e higienização. O material fica de molho e é lavado muitas vezes até que a água saia transparente. “No início a água sai preta de barro. Tem as mulheres que lavam e cortam e tem um pescador aposentado que só lava”, conta Rosani.

É dinheiro certo que elas recebem na hora. A Associação paga R$ 80,00 por quilo de rede limpa. Há um jeito certo de cortar os fios para maior aproveitamento das redes. “Esse é um trabalho de paciência, é feito sobre a coxa mesmo”, conta Rosani. O fio vira uma bola e quanto maior a bola, maior o valor da peça, porque não tem emendas.

Aprendizado e independência

Os fios são tecidos em um tear pela associada Diva Francisca da Rosa, 69, que dão formato às peças de tecidos. Faz 16 anos que ela está no grupo. A dona de casa diz que a Redeiras mudou a vida dela. “Aprendi muita coisa e esse artesanato sempre dá mais um dinheirinho”, fala.

Além de ser uma fonte certa de renda, Diva, que é viúva, encontrou no grupo também uma motivação a mais para viver. “Levanta a autoestima e ganhei mais amigas. Foi algo muito bom na minha vida que aconteceu”, comenta.

Na sequência elas são alinhavadas, antes de receberem o forro e só depois recebem o tingimento. As últimas etapas envolvem a costura dos forros e alças são de responsabilidade da costureira Viviane Ramos, 49. É ela quem também escolhe as cores a quais as bolsas vão ser tingidas e aplica os forros, uma parte delicada. Somente alguns produtos específicos são tingidos antes, como os colares coloridos.

Viviane era artesã antes de entrar para a Associação, onde está desde o começo. “Conquistei minha independência”, relata. Casada, mãe e avó, outra grande conquista é poder trabalhar em casa. “Já empurrei muito carrinho e tomei chuva na rua, fazendo feiras”, relembra. Por mês são produzidas cerca de 100 bolsas.

Outra matéria prima que também dá bastante trabalho para sua utilização é a escama da corvina. Além de não ter o material o ano inteiro, por causa dos períodos de defeso, o insumo requer delicadeza no trato, desde a limpeza, secagem, passando pelo recorte e polimento. As escamas são lixadas com lixas de unha, uma a uma, antes de serem unidas aos suportes de prata.

Esse trabalho é a especialidade da pescadora e artesã Flávia Silveira Pinto, 53, que está desde o início do grupo. “Dá mais trabalho lixar. Mas eu gosto tanto que não vejo dificuldade”, diz.

“A dificuldade é conseguir as escamas”, comenta Mariangela Mota Lima, 67, artesã que trabalha tecendo fios em rede, para alguns modelos de bolsas e colares, e na confecção de biojóias. Ela conta que é a única que nunca tinha trabalhado com artesanato e a única coisa que ela sabia fazer era redes de pesca, como boa filha de pescador. Agora, com malheiro e agulha, ela faz redes de novo, mas para um outro fim.

Para o país e para o exterior

Uma pequena parte da produção é vendida na loja própria que a Associação tem no Mercado Central. Mas a maior entrega é fora do Estado. Lojistas de São Paulo e Rio de Janeiro são os principais clientes. Porém há vendas para lojas de Santa Catarina, Minas Gerais, Paraná e para o Nordeste.

A produção dos últimos dias está focada para uma exposição no Centro de Referência do Artesanato Brasileiro (Crab), no Rio de Janeiro, além de clientes particulares. “O Crab está fazendo uma exposição com comercialização com produtos dos três estados da Região Sul do Brasil. E nós estamos lá”, explica Rosani.

A Associação também está em tratativa com um possível cliente da Alemanha para exportação das biojóias. Os acessórios com escamas de peixe já foram vendidos para uma cliente da França.

No ano passado, a produção das Redeiras foi utilizada por grandes empresas, como a Coca-Cola e a Reserva Go. A primeira comprou bolinhas (vermelhas e verdes) de linha de rede para enfeitar seus presentes de Natal e a segunda, utilizou pedaços de redes nos cadarços de um tênis ecológico e na borracha do solado.

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