Em Pelotas, a modernização dos sistemas de coleta convive com desafios históricos no manejo dos resíduos sólidos. Apesar do município possuir 100% de coleta seletiva e domiciliar, além de uma posição de destaque no Índice de Sustentabilidade da Limpeza Urbana (ISLU), a cidade enfrenta problemas que vão muito além da infraestrutura. O principal entrave é, de acordo com os especialistas, a falta de conscientização da população para um descarte adequado.
Segundo Edson Plá Monterosso, engenheiro chefe do Departamento de Resíduos Sólidos do Sanep, Pelotas opera um sistema conteinerizado composto por 850 contêineres dedicados aos resíduos sólidos orgânicos. Esse sistema opera com coleta diária em praticamente todas as áreas, com um dia extra no perímetro central. “Mesmo submetendo o sistema a uma coleta diária intensa, enfrentamos problemas recorrentes com o descarte incorreto” enfatiza.
Ele detalha ainda que, embora os contêineres sejam esvaziados em horários pré-determinados, a realidade da rotina urbana compromete esse processo. O problema se agrava com o descarte de resíduos líquidos que, ao serem despejados nos contêineres de orgânico, espalham a sujeira pelas calçadas e comprometem a limpeza urbana, mesmo com a lavagem periódica das áreas.
Repercussões no cotidiano
A ação contínua de rescaldo, com equipes mobilizadas desde as primeiras horas da manhã até o fim do dia, não tem sido suficiente para conter a degradação visual e o mau cheiro que se instalam em diversos pontos da cidade. Essa situação atinge tanto a qualidade de vida dos moradores quanto a imagem comercial e turística de Pelotas.

Na rua Lindolfo Malaquias de Borbado, no Fragata, um sofá descartado irregularmente compõe o cenário de lixo espalhado. (Foto: Jô Folha)
Mara Casa, diretora de Projetos Especiais da Associação Comercial, reforça: “Uma cidade limpa é a que não se suja. O lixo jogado indevidamente não só polui visualmente como abala a autoestima dos cidadãos. É preciso união entre o comércio e o poder público para transformar o nosso Centro Histórico”. De forma similar, Tatiane Volz, dona de uma loja de produtos infantis que fica na área central da cidade, comenta sua angústia. “É constrangedor ter lixo espalhado na frente da loja. Nós nos esforçamos para manter nosso espaço impecável, mas o odor e a sujeira prejudicam a imagem do comércio e afastam os visitantes”.
Andrea Henrique, doceira da Rua do Doce, descreve o cenário durante o verão. “No auge do verão, o lixo transborda tão rapidamente que o cheiro se torna insuportável. É um absurdo visualizar contêineres que, em questão de horas, estão completamente cheios e degradando o ambiente que tanto valorizamos.”
Felipe Stigger, gerente de um hotel e restaurante, ressalta a dificuldade de manter um padrão de qualidade no setor hoteleiro e gastronômico. “Os contêineres frequentemente aparecem destruídos e cheios, o que impacta diretamente a experiência dos turistas. Tentamos acionar os vereadores e buscar soluções com a administração, mas as respostas ainda são pontuais e pouco efetivas”.
Visão dos especialistas
Na visão da comunidade acadêmica, o desafio não se restringe apenas às operações de coleta, mas à própria cultura de descarte por parte dos cidadãos. Para os professores Luciara Bilhalva e Érico Kunde, da área de Engenharia Ambiental e de Educação Ambiental da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), a educação é a chave para reverter esse quadro.
Luciara destaca que se a população não separar o lixo corretamente o esforço do poder público é ineficaz. “Muitos deixam seus resíduos na via pública por não saberem onde depositá-los ou por confundir os tipos de lixo disponíveis”. O professor Kunde, por sua vez, critica a carência de um sistema mais rigoroso de segregação. “Idealmente, deveríamos ter três tipos de contêineres: um para matéria orgânica, outro para rejeitos (como fraldas e papel higiênico) e um terceiro para recicláveis”.
Ele avalia que a ausência desses dispositivos contribui para que apenas uma fração do material reciclável chegue de fato às cooperativas. Ele também ressalta que um problema leva a outro. Quando os resíduos são mal direcionados invadem as bocas de lobo e os sistemas de drenagem, agravando problemas de saneamento e elevando os riscos à saúde pública.
Iniciativas que buscam a transformação
Para tentar contornar o cenário, Pelotas tem investido em projetos de educação e mobilização comunitária. Um exemplo emblemático é o projeto “Adote uma Escola”, que envolve estudantes, famílias e cooperativas de reciclagem no cuidado com o lixo. Monterosso explica que a iniciativa permite que os alunos levem materiais recicláveis para a escola, onde são coletados por um caminhão específico e encaminhados diretamente às cooperativas de reciclagem. Esse processo gera uma parceria entre as instituições de ensino e os recicladores, garantindo que os resíduos tenham um destino correto e contribuindo para a conscientização sobre a importância da separação de materiais. Além disso, uma parte do valor arrecadado pela comercialização dos recicláveis é repassada às escolas como forma de incentivo à participação ativa na preservação ambiental.
Segundo Luciara, projetos como o “Adote uma Escola” são fundamentais para ensinar a população sobre a importância da separação correta dos resíduos. “Quando a comunidade se engaja, os índices de reciclagem melhoram expressivamente e os impactos ambientais são mitigados”. Ainda que a cidade seja referência em termos de coleta seletiva e até mesmo possua a primeira usina de óleo e 100% de coleta domiciliar, os desafios residem no comportamento dos cidadãos. Edson ressalta: “Não há sistema de coleta que funcione sem a colaboração da comunidade”.