Ativistas e membros da comunidade LGBTQIAPN+ de Pelotas realizaram um ato, na manhã de ontem, em frente ao prédio da Coordenadoria Regional da Saúde (3ª CRS), exigindo a revogação da Resolução n.º 2.427/2025, do Conselho Federal de Medicina (CFM). A decisão estabelece novas diretrizes para o atendimento a pessoas com incongruência ou disforia de gênero, com alterações significativas em relação à normativa anterior.
Um dos principais pontos da resolução é o aumento da idade mínima para acesso a tratamentos de afirmação de gênero. Agora, a terapia hormonal cruzada (THC) só poderá ser iniciada a partir dos 18 anos (antes era permitida a partir dos 16), e as cirurgias de redesignação sexual com potencial esterilizante só serão autorizadas após os 21 anos (contra 18 anos na norma anterior).
Enquanto o CFM defende a “segurança do paciente”, organizações LGBTQIAPN+ têm reagido fortemente diante das mudanças, vendo a medida como um obstáculo ao direito à identidade de gênero. O argumento dos ativistas é que a medida retarda o acesso a cuidados essenciais para jovens trans e travestis, aumentando o sofrimento psíquico e os riscos de agravamento da disforia de gênero.
Argumentos
No ato de ontem, os manifestantes também entregaram um ofício à 3ª CRS, para formalizar o pedido de revogação do decreto. Segundo o representante do Conselho Municipal de Direitos da Cidadania LGBT, Marcos Fernandes, a carta apresenta uma série de argumentos e estudos científicos que mostram a necessidade de o processo transexualizador acontecer o mais cedo possível na vida da pessoa, para evitar transtornos na vida adulta.
“[Essas diretrizes] impactam porque a pessoa trans vive num constante sofrimento em relação à aceitação do próprio corpo e da sua identidade. Então, quanto antes o processo de transexualização acontecer, mais rápido essa pessoa poderá viver plenamente sua identidade e sua vida”, defende Marcos.
Wemi Soares é trans masculino não-binário e esteve presente no ato. Ele destaca que a entrega da carta representa um movimento importante, mas que precisa ter continuidade. Wemi espera que a coordenadoria de saúde esteja aberta ao diálogo e disposta a se aliar na luta pelos direitos da população trans e travesti.
Mesmo reconhecendo que a atuação da secretaria é limitada diante da resolução do Conselho Federal de Medicina, Wemi acredita que o órgão pode desempenhar um papel importante na construção de caminhos para ampliar o acesso à saúde integral dessa população.
“Pessoas trans e travestis têm, historicamente, um processo de marginalização muito forte. Essas medidas negativas nos afetam diretamente e nos empurram novamente para a ilegalidade, para o uso de hormônios sem acompanhamento médico, de forma clandestina, já que o acesso está sendo restringido”, aponta Wemi.
O que traz a Resolução n.º 2.427/2025?
Terapia hormonal cruzada:
- Só poderá ser iniciada após os 18 anos (antes eram 16 anos).
- Exige avaliação médica psiquiátrica e endocrinológica por mínimo de um ano antes do início.
- Paciente deve ter avaliação cardiovascular e metabólica favorável e não apresentar doenças psiquiátricas graves.
Procedimentos cirúrgicos de afirmação de gênero:
- Permitidos apenas após 21 anos se houver efeito esterilizador.
- Necessário acompanhamento médico mínimo de um ano.
Bloqueadores hormonais de puberdade:
- Proibido o uso para transição de gênero em crianças e adolescentes.
- Permitido apenas para tratamentos de puberdade precoce ou doenças endócrinas reconhecidas pela literatura médica.
A resolução cita a tendência internacional de cautela no uso de bloqueadores hormonais e hormonoterapia em menores de idade, citando mudanças em países como Reino Unido, Suécia, Noruega e Finlândia.