Empoderamento, representatividade, reafirmação da negritude e orgulho são alguns dos sentimentos representados em um abraço emocionado entre a odontóloga e professora universitária Luciane Geanini Pena dos Santos, 40, com o DJ KL Jay, do grupo de rap paulista Racionais MC’s. Esse encontro foi registrado em vídeo, que viralizou no final de semana. “Quando eu encontro aquele rapper tem um significado para mim muito forte porque cresci ouvindo aquelas músicas, mas era um encontro, era casual. Mas eu ser dentista, uma professora universitária não é casual, tem muito da ancestralidade, desde a minha avó que deixou uma casa muito simples para os meus pais morarem. São muitos anos. Mas é a história de muitos pretos que tiveram a oportunidade de estudar. Uma pessoa que, de repente, é única. Acho que as pessoas se reconheceram por isso. A gente vai no dia a dia tentando ter uma motivação”, avalia a docente sobre a visibilidade que alcançou o registro do momento.
Natural de Santa Maria, onde morava com os pais na Cohab Tancredo Neves, periferia daquele município, Luciane, hoje professora da Odontologia da Universidade Federal de Pelotas, diz que ascender aos espaços de poder ainda é um feito admirável quando se é negro no Brasil. Neste sentido as letras das composições do Racionais chegavam até ela como reforços positivos para as batalhas que ela enfrentou.
Mas a docente não deixa de lembrar da importância das políticas públicas para a trajetória dela, que sempre estudou em escolas públicas. Formada pela Universidade Federal de Santa Maria, em 2004, foi na UFPel, que Luciane fez o pós-doutorado em 2017 e conquistou uma vaga de docente em 2018. “Foi a primeira vez que eu participei de um processo seletivo que tinha cotas. Onde eu estudei não tinha cotas, aqui que é uma cidade que tem um movimento social forte, que a Universidade se organiza, os estudantes e a comunidade fazem pressão, para que as pautas de ações afirmativas tenham cada vez mais espaço dentro da instituição”, comenta.
O encontro com o DJ foi um momento que aflorou toda uma história, muitas vezes estimulada pelos rappers e ela não conteve o choro. “É inacreditável como eles são sábios e modestos. Eu encontrei o KL Jay aquele dia, ele tá meio encurvado me ouvindo. A impressão que eu tenho é que eles são aquelas pessoas da família que sempre têm a coisa certa a dizer. Às vezes tu não tens na família esse membro sensato, então tu tens Racionais MCs pra te dizer”, fala.
Letras atemporais
Luciana percebe que as músicas do Racionais ainda fazem sentido para ela, mesmo passados mais de 20 anos do tempo em que ela ia para a escola ouvindo o grupo. “As músicas são atemporais, porque infelizmente, muitos dos problemas que eles abordam são atemporais também. A gente avançou, mas temos que avançar muito mais ainda”, fala.
Quando Luciane ingressou na Universidade como docente, recebeu suporte fundamental da antiga coordenação de Diversidade e Inclusão, por isso ela fez questão de levar representantes da atual Pró-Reitoria de Ações Afirmativas e Equidade (Proafe) para a entrevista. “Eu recebi e recebo muito apoio enquanto docente da antiga coordenação, hoje, uma pró-retoria. Esse é o grupo que me acolhe, que a gente trabalha junto”, explica.
Permanência
“Nós atendemos várias pessoas aqui, um público que ingressa principalmente via cotas, por isso essa importância de ter esse espaço tanto para o ingresso quanto para a permanência”, fala a pró-reitora, Daiane Molet, que também é negra, sobre a necessidade de transformar uma coordenação em Pró-Reitoria. “Quando chegamos nesses espaços as pessoas nos enxergam como alguém de confiança, cientes das nossas responsabilidades e compromissos”, comenta. A Proafe foi criada em janeiro deste ano, pela nova reitoria.
“Quando as pessoas passam a ter uma oportunidade elas também conseguem desenvolver o seu máximo dentro da instituição”, fala o vice-reitor, Heraldo Pinheiro. Neste sentido, a Universidade criou nos últimos anos várias ações para que as pessoas permaneçam na instituição. “A Proaf foi criada para fazer as coisas acontecerem. Recebemos pessoas de toda a parte do Brasil, pessoas negras, com deficiências, quilombolas, pessoas de diferentes origens, para isso precisamos preparar o nosso corpo docente, os técnico-administrativos, os terceirizados. Hoje temos uma política institucional de gestão pensando nessa lógica para que essa pró-reitoria desenvolva políticas de permanência”, argumenta o vice-reitor.
A professora de psicologia Thaíse Mendes Farias, coordenadora de Saúde e Qualidade de Vida na Pro-Reitoria de Gestão de Pessoas, a marca dessa gestão não é só com os alunos, mas também com os funcionários negros. “A nossa invisibilidade não é apenas quando somos alunos, mas também quando acendemos a determinadas posições sociais ou quando não temos oportunidade para demonstrar nossos talentos e habilidades. Essa gestão também tem como marca essa democratização dos espaços de poder para as pessoas negras”, fala Thaíse.