Com a mudança de governo, o Ministério Público enviou novamente uma recomendação para que a Prefeitura de Pelotas inicie a proibição dos veículos de tração animal. Caso o poder municipal não demonstre avanços com o estabelecimento de uma Lei e a construção de políticas públicas para mitigar os impactos aos charreteiros, o pedido será judicializado.
Em julho de 2024, o promotor de justiça Adriano Zibetti já havia feito a provocação ao governo de Paula Mascarenhas (PSDB). No entanto, o projeto de lei, enviado a Câmara de Vereadores somente em dezembro, foi engavetado. Conforme Zibetti, a resposta recebida pelo prefeito Fernando Marroni (PT), ao novo pedido, é de que o governo avalia a propositura do mesmo texto.
A proibição do uso de veículos movidos a tração animal é uma discussão que se arrasta em Pelotas há pelo menos dez anos. Enquanto de um lado, há a necessidade de garantir a proteção dos cavalos, muitas vezes expostos a jornadas exaustivas e a maus tratos, de outro há pessoas em vulnerabilidade social que dependem dos animais para garantir o mínimo de sustento suas famílias.
Diante disso, Zibetti sustenta que a recomendação do MP é por um projeto de coibição gradual com medidas concretas para amparar as pessoas que vivem do transporte por carroças. “Se tem o entendimento de que a sociedade chegou a um nível de amadurecimento para se entender que um animal, ser ciente, não tem que estar carregando carroças”, diz o promotor.
Outro argumento é de que apesar de parte ser bem intencionada, os usuários não possuem condições financeiras para arcar com os custos para a manutenção adequada dos animais. Ao puxar cargas pesadas diariamente, os cavalos desenvolvem doenças ortopédicas, lesões, entre outras enfermidades. “Ainda que seja um animal forte, sabemos que para garantir os cuidados adequados dele demanda custos”.
Ativista pela causa animal, Cynthia Leal reclama da inércia do poder público quanto a coibição e a falta de fiscalização do trânsito das charretes. “É uma desorganização tão grande que há anos existe uma Lei em pelotas que toda carroça tem que ser emplacada e ninguém tem placa e ninguém fiscaliza”.
Para Cynthia, assim como os cavalos deveriam estar no campo, as pessoas não deveriam estar tendo que catar lixo para sobreviver. “Precisa de uma política pública para dar a essas pessoas uma condição de vida mais digna. Dá uma angústia, não só o cavalo maltratado, mas o número de pessoas que puxam umas carrocinhas”.
23 anos conduzindo charretes
Daniela e Janete Castro, mãe e filha, têm no cavalo de pelagem acinzentada e na charrete o meio de sustento da família, também composta por duas crianças pequenas. Elas detalham que trabalham das 8h às 10h e das 14h às 16h. Diariamente, elas recolhem recicláveis e sobra de restaurantes e grandes e fruteiras, com esse trabalho, elas recebem um valor fixo de cerca de R$ 500 por mês dos estabelecimentos. Valor que é dividido entre as duas.
“Eu acho que tem que ter uma fiscalização porque nós mesmo já denunciamos carroças com cavalos magros e tem que tirar das pessoas que não cuidam. Mas também tem muita gente que depende disso, que nem nós”, diz Daniela sobre a proibição.
A mãe, Janete trabalha com o uso da charrete desde 2002. Ela afirma possuir toda a documentação em dia, incluindo a carteira de habilitação e o registro na associação dos charreteiros. “Eles vão ao veterinário da faculdade [UFPel] e moramos perto, na travessa da Anchieta”, argumenta sobre os cuidados com o cavalo.
Próximos passos
Conforme o promotor Adriano Zibetti, serão convocados para uma reunião o secretário de Qualidade Ambiental e representantes do Conselho Municipal de Proteção Animal (Comupa) para a elaboração dos próximos passos para a construção da proibição, o que pode incluir um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC).
Caso o governo proponha novamente a Lei enviada em 2024 a Câmara, a proibição começaria de forma gradativa, pelo Centro. Dessa forma, Daniela e Janete seriam impossibilitadas de continuar com as atividades de recolhimento dos estabelecimentos.
Uma audiência pública com o tema “causa animal e fim da tração animal em Pelotas”, proposta pela vereadora Marisa Schwarzer, será realizada no dia 23 de abril, às 19h, na Câmara de Vereadores.
Transição justa
Em nota, a prefeitura de Pelotas declara que a questão será analisada nos próximos meses na busca por alternativas que leve em conta a realidade das famílias dependentes do transporte movido a tração animal. “A transição, para ser justa e eficaz, deve levar em conta não apenas o cumprimento da lei, mas também a dignidade e o futuro dessas pessoas”, afirma o comunicado.
Conforme os dados mais recentes do projeto da UFPel voltado ao atendimento de cavalos dos charreteiros, são 600 famílias cadastradas e há uma estimativa de que possa haver mais de 2 mil cavalos usados para puxar carga em Pelotas.