Mais de 10 milhões de brasileiros mostram sinais de vício em apostas

Epidemia silenciosa

Mais de 10 milhões de brasileiros mostram sinais de vício em apostas

Crescimento das plataformas online preocupa especialistas, que comparam os danos ao uso de drogas

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Mais de 10 milhões de brasileiros mostram sinais de vício em apostas
Apostas online são comparadas com consumo de drogas e bebidas alcoólicas. (Foto: Jô Folha)

Com promessas de dinheiro fácil e acessíveis com poucos cliques, as chamadas “bets” – plataformas de apostas online – conquistam milhões de brasileiros. Especialistas alertam que o fenômeno está alimentando um novo tipo de vício com impactos graves na saúde mental, na economia e na vida familiar.

Dados recentes da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) revelam que cerca de 10,9 milhões de brasileiros apresentam sintomas de dependência em apostas, sendo que 1,4 milhão já desenvolveu o transtorno de jogo. A facilidade de acesso e a ausência de regulamentação eficaz expõem especialmente os mais vulneráveis — adolescentes e pessoas de baixa renda — a um ciclo de perdas financeiras, problemas emocionais e ruptura de vínculos familiares.

Especialista em dependência química pela Unifesp, o psiquiatra Alfredo Lhullier avalia que o envolvimento com apostas online pode começar com motivações diversas, mas frequentemente está ligado à busca por satisfação imediata e à pressão de um estilo de vida que valoriza o consumo e o sucesso financeiro.

“Em geral é um indivíduo que se sente em débito com seu estilo de vida, e vai em busca de ganho fácil. Outras vezes, ou paralelo a isso, é a busca pela adrenalina da aposta, o perde e ganha, que se apoia em uma base biológica quando encontra um cérebro predisposto à compulsão e à impulsividade. Daí é rápido a perda de controle e a vontade imperante de jogar”, explica.

Quando o jogo vira doença

De acordo com a classificação da Associação Americana de Psiquiatria, o transtorno de jogo é caracterizado por um comportamento persistente e recorrente relacionado a jogos de azar, capaz de causar prejuízos pessoais, familiares, sociais ou ocupacionais.

Lhullier alerta que os sinais do vício são semelhantes aos da dependência química. “A pessoa passa mais tempo jogando, em hora e lugares inadequados, tem um claro prejuízo com isso, mas não deixa de jogar. O ato de apostar passa a ser o centro da vida do sujeito, que pensa quase todo tempo nisso”, explica.

Segundo o psicólogo, o tratamento é possível, mas exige tempo e persistência. “Assim como nos transtornos por uso de substâncias, existe o risco de recaídas. É preciso um acompanhamento por muito tempo. Eu recomendo os grupos de ajuda mútua, que se podem contactar via internet”, afirma.

Impacto além da saúde mental

Além das consequências individuais, o vício em apostas online tem efeitos visíveis na economia e nas relações sociais. A Confederação Nacional do Comércio estima que o varejo perdeu R$ 109 bilhões em 2024 por conta da baixa produtividade e endividamento dos consumidores envolvidos com jogos.

O psicólogo ressalta que familiares precisam estar atentos a sinais de alerta. “A perda econômica, com o tempo, é indisfarçável e começa a aparecer em frequentes pedidos de empréstimos, ou na falta de pagamento de contas básicas, depende muito do nível econômico do jogador compulsivo”, explica.

Influência digital

A força das redes sociais no estímulo é outro ponto de atenção. Celebridades e influenciadores digitais promovem jogos de azar como alternativa de renda rápida.

Para Lhullier, é fundamental estabelecer barreiras regulatórias semelhantes às aplicadas ao álcool e ao tabaco. Além disso, ele concorda que o vício em apostas online já se tornou uma epidemia global e que deve ser controlado através de uma abordagem pública, com campanhas de conscientização, sobretudo aos grupos mais vulneráveis, como os jovens.

Propostas para enfrentar a crise

Controle rígido de acesso, com verificação biométrica e documentos oficiais;
Campanhas educativas nacionais, especialmente em escolas públicas;
Proibição de publicidade em horários e canais acessíveis a menores de idade;
Protocolos clínicos específicos nos serviços do SUS para identificar e tratar dependência em jogos;
Regulamentação das plataformas, com responsabilização sobre o público-alvo e mecanismos de prevenção.

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