Brasil tem milhões de ‘contaminados’ em nova epidemia

Opinião

Jarbas Tomaschewski

Jarbas Tomaschewski

Coordenador Editorial e de Projetos do A Hora do Sul

Brasil tem milhões de ‘contaminados’ em nova epidemia

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A fala do presidente do Banco Central, Gabriel Galípolo, durante a audiência da CPI das Apostas Esportivas do Senado, somadas ao resultado de uma pesquisa do Instituto Locomotiva, ajuda a desenhar o cenário que existe hoje em milhares de lares pelo país, construído pelo vício nas apostas online. Os brasileiros passaram a gastar, mensalmente, até R$ 30 bilhões com as chamadas bets. O valor corresponde a 4,5% do Produto Interno Bruto (PIB) do Rio Grande do Sul no ano passado ou a 61% do valor previsto para investimentos pelo Novo Plano de Aceleração do Crescimento (PAC) em 2025.

O resultado é devastador nas contas domésticas, com 42% dos apostadores endividados. Se o recorte considerar somente pessoas que ganham menos, outro quadro chama a atenção: um em cada quatro trabalhadores de baixa renda admite que faz apostas a cada 30 dias. Nesse caso específico, Galípolo disse que a autoridade monetária está de mãos atadas e não pode impedir quem recebe recursos do Bolsa Família ou do Benefício de Prestação Continuada (BPC) de apostar. “Como é que, estando o dinheiro na conta, se é possível fazer alguma segregação”, argumentou ele aos senadores. No caminho contrário, o presidente do Tribunal de Contas da União (TCU), Vital do Rego, garantiu existirem mecanismos que possibilitam a rastreabilidade e o impedimento das apostas com o dinheiro social pelas famílias.

O quadro atual passa muito pela demora em agir dos órgãos responsáveis por estabelecer as regras do jogo. Apostas esportivas estão liberadas no Brasil há seis anos. Como a previsão de regulamentar até 2022 não aconteceu e apenas em 2023 o Congresso se mexeu e aprovou a primeira parte, o período de pouco controle legal fez com que o número de novas empresas de apostas no mercado explodisse. Boa parte entrou na vida da população pelo caminho mais fácil, o futebol, via patrocínio dos clubes, endividados e sedentos por novas receitas.

Pesquisas também indicam que o dinheiro então usado nas compras no varejo, como alimentos, roupas, móveis, eletrônicos e medicamentos, passou a ser direcionado às bets. Da mesma forma, o recurso reservado para a cultura e o lazer das famílias aparece comprometido.

Especialistas tratam o assunto como uma epidemia global silenciosa, com graves consequências psicológicas. Em entrevista ao site Pauta Pública, o psicólogo e pesquisador Altay de Souza falou do problema. Segundo ele, o Brasil está entre os países onde a incidência de pessoas que usam bets cresceu mais vertiginosamente na história. “As apostas não eram conversas de ninguém, hoje são de todo mundo, é como se fosse uma epidemia mesmo. Parece que esses esquemas crescem muito mais rápido em países mais desiguais. E a explicação vai para o autocontrole: se a pessoa é de uma origem muito desfavorecida ou está em alguma penúria financeira, quer uma solução rápida”.

Enquanto o governo federal e o Congresso demoram para criar mecanismos de proteção, migramos para um quadro de extremo alerta, revelado pelo Departamento de Psiquiatria da Universidade de São Paulo: o país tem hoje dois milhões de viciados em jogos. Dinheiro que sai diariamente da mesa das famílias, deixa de ser investido na economia doméstica e vai para a conta de quem lucra fácil.

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