O silêncio que habita o caso Cláudia Hartleben dez anos depois

Desaparecimento

O silêncio que habita o caso Cláudia Hartleben dez anos depois

Corpo da professora nunca foi encontrado e inquérito foi arquivado em 2019; UFPel fará homenagem com banco vermelho no campus Capão do Leão

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O silêncio que habita o caso Cláudia Hartleben dez anos depois
Mãe de Cláudia, dona Zilah tem 90 anos e mantém esperanças de obter respostas sobre o desaparecimento. (Foto: Jô Folha)

O silêncio deixa dúvidas. Dez anos depois do desaparecimento da professora Cláudia Pinho Hartleben, na época com 47 anos, o caso ainda segue sem respostas, sem um desfecho para o crime que chocou a cidade e que ainda mexe com os sentimentos de quem conviveu com a vítima. Colegas e familiares ainda querem respostas. Entender o que aconteceu com a filha da dona Zilah Pinho e com a professora-orientadora da Mariana Remião seria um alento. Mas nenhum sinal. O caso foi arquivado em 2019 por falta de provas e quem trabalhou nele não se sente à vontade para falar. Para não ficar no esquecimento, o Curso de Biotecnologia da Universidade Federal de Pelotas (UFPel) fará uma homenagem à professor no retorno das aulas.

Cláudia foi vista pela última vez antes das 22h, pela amiga Eliza Komninou. Depois foi para casa, na avenida Fernando Osório e desapareceu. Pelo inquérito da época apresentado pelo Ministério Público à Justiça, no quarto da vítima estava a roupa que ela usou no dia, organizada sobre a cômoda, os chinelos, a carteira de cigarros e o isqueiro, uma xícara de café, seus anéis e semijoias em um copo, além de seu relógio e a pasta com o notebook que sempre utilizava no trabalho. O carro estava na garagem com as chaves. Em casa, somente o filho, João Félix, com 21 anos na época e que dormia, segundo seu depoimento. O telefone celular registrou que o último contato foi com o atual marido Pedro Gomes, que estava em Porto Alegre. A reportagem tentou conversar com os dois. O viúvo esta passa por uma bateria de exames e não tinha como falar. João Félix não retornou às chamadas.

Desde então, foram quatro anos de intensa investigação. A Polícia Civil não chegou a concluir o inquérito. O MP apontou dois suspeitos – o ex-marido de Cláudia João Morato Fernandes e o filho, João Félix, mas a falta de material probatório resultou no arquivamento. Desde então, é apenas silêncio. Sem nenhum indício que motivasse a reabertura das investigações. João Fernandes faleceu vítima de um câncer no ano passado e pessoas próximas à família dizem que ele teria morrido lamentando por não conseguir comprovar sua inocência.

O que fica são as lembranças

Aos 90 anos, dona Zilah Pinho, que hoje vive em um lar de longa permanência, conta com lucidez e lembranças carinhosas da filha. O retrato na cabeceira da cama é descrito com precisão. “Ela estava na França. Foi a trabalho para a Alemanha e o atual marido, o Pedro, disse que iria só se ele pudesse mostrar Paris. Como ela levava o chimarrão para todo o lugar, chamou a atenção de pessoas que queriam tirar fotos”, detalha.

Por um bom tempo, Zilah escreveu cartas para a filha, mas como está debilitada, não consegue mais. “Fiquei todo esse tempo sem ela. A Cláudia era tudo na minha vida e lembro de todos os momentos, como quando íamos lá para os fundos [da casa na avenida Fernando Osório] nas árvores. Ela adorava o pátio”, recorda. Sobre o que aconteceu com a filha, Zilah é direta: “pegaram ela e mataram”.  Espírita e ex-frequentadora do Lar Espírita Irmão Fabiano de Cristo, ela diz que a filha só vai aparecer em espírito. “A Cláudia está muito bem no mundo espiritual”, garante.

A amiga Eliza Komninou diz que os dias que se aproximam da data de hoje ela fica muito sensível, pois ainda é difícil de entender o que aconteceu. É quando procura lembrar com carinho da amizade e dos dotes da professora, como fazer artesanato em madeira concretizado no banquinho com a gravura de vários gatos. “Animal que eu e ela sempre amamos. Tem acabamento em verniz craquelê. Fica no meu quarto, e eu olho para ele todos os dias”, relata. Para a amiga, a frase impressa na gravura sempre lhe traz consolo nos dez anos de saudade. “Os verdadeiros tesouros são os amigos que podemos guardar para sempre em nossos corações.” Para a amiga, faltou tempo para Cláudia mudar o curso da sua vida.

Homenagens

Na sala dos professores do Curso de Biotecnologia da UFPel os pertences de Cláudia seguem intactos. Seus sucessores não têm coragem de mexer no legado da então coordenadora, que dedicou a vida a pesquisas e cuidados com o Laboratório. Na sala onde ela ficava, o jaleco foi emoldurado, assim como a faixa de homenageada da turma de 2015, ano em que desapareceu. No quadro dos formandos, só a foto dela não é padronizada, pois só estava presente na memória dos alunos. Para quem conviveu com Cláudia, ainda faltam peças do quebra-cabeças.

“É difícil”, resume a professora Mariana Remião. Ex-aluna e depois colega, a ligação com Cláudia ainda é muito forte e por isso, a jovem ainda está em busca de respostas. “Você gira em torno da esperança de se ter uma resposta ao menos para se conseguir botar um ponto final. Assim nos daria um certo conforto, uma certa paz”, deseja. Para ela e quem conviveu com a professora, mesmo dez anos depois, a sensação é que em qualquer momento ela pode voltar. “A gente não sabe o que que aconteceu, temos desconfianças, mas tudo sem conclusão, e isso causa um sentimento muito estranho”, relata.

No Laboratório que leva o nome da professora, as pesquisas seguem mesmo em período de recesso acadêmico. No retorno, no final do mês, a equipe de Biotecnologia pretende homenagear Cláudia instalando um banco vermelho, no mesmo modelo que o da praça Coronel Pedro Osório, inaugurado no Dia Internacional da Mulher, como símbolo de luta contra a violência de gênero e para encorajar mais pessoas a denunciar. Em novo endereço, o Centro de Referência ao Atendimento à Mulher em Situação de Violência Professora Cláudia Pinho Hartleben é outro espaço dedicado a ela. O Cram viabiliza o atendimento de mais mulheres vítimas da violência.

Evidências

Para chegar às respostas que a sociedade pelotense busca, o caso precisaria ser reaberto. E somente uma nova evidência, um fato novo colocaria a polícia em nova investigação, mesmo sem a presença do corpo. Quem explica a situação é o advogado criminalista, professor da UFPel e promotor de Justiça aposentado, José Fernando Gonzalez. “Sempre é possível um outro desfecho em qualquer crime, dependendo das circunstâncias da investigação. A falta do corpo, por si só, não impede que haja um desfecho”, esclarece. Neste caso, o impeditivo apontado pelo especialista é falta de elementos que permitam o corpo de delito indireto (provar que uma pessoa morreu por outro modo que não seja o exame do cadáver) ou mesmo que se permita o apontamento minimamente concreto da autoria.

Gonzalez citou o caso do goleiro Bruno que foi condenado e cumpriu pena, mesmo sem o corpo da vítima, Eliza Samudio. Em Pelotas, as circunstâncias do caso levaram o juiz e o Tribunal de Justiça à inadmissibilidade da denúncia oferecida pelo Ministério Público. “Mas esse arquivamento e a rejeição da denúncia não põe fim à possibilidade investigatória. Não há absolvição. Então a qualquer tempo e momento – antes da prescrição que nesse caso se opera em 20 anos – é possível que esse caso seja reaberto”, esclarece. Para o promotor aposentado, esse é um caso emblemático, pois sendo uma professora, e mesmo que fosse qualquer cidadão, ser vítima de um crime que não se conseguiu apurar o que houve ou quem o cometeu, com um mínimo de segurança, é o Estado que fica em dívida. “Há uma obrigação do Estado para com a família da pessoa que desapareceu”. Ainda faltam dez anos para o crime prescrever. “Qualquer pessoa que hoje tenha conhecimento de alguma coisa daquela época e que não tenha revelado, ou não teve oportunidade de falar, ainda que preservando sigilo, deve procurar as autoridades”, defende o advogado.

Silêncio

A reportagem tentou entrevista com promotores, delegados e outros policiais envolvidos nas investigações do Caso Cláudia, mas todos optaram pelo silêncio.

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