Aida Oliveira vive há 35 anos às margens do São Gonçalo. “Eu amo, porque me sinto conectada com a natureza”, conta. Porém, logo completa, com um tom mais sério: “Ao mesmo tempo que é tão prazeroso, a gente sabe dos riscos, ainda mais com as cheias que têm acontecido.”
A história de Aida se mistura com a de muitos outros moradores das áreas ribeirinhas da cidade, lugares onde o encanto de viver perto da água se choca com a dura realidade das enchentes e da insegurança. No último ano, Pelotas enfrentou um dos maiores desafios climáticos da sua história recente, e as comunidades à beira da água sentiram isso como nunca.
A luta por permanecer
O pescador aposentado Aldo Boeira, mais conhecido como Titi, vive há mais de 50 anos na região e se recusa a deixar seu lar. “Na enchente passada, minha casa ficou com um metro e meio de água dentro. Mas sair daqui? Nem penso nisso”, afirma com convicção. Ele e outros moradores das margens do São Gonçalo, como Gilda Macedo, temem que o poder público simplesmente os remova.
Professor do curso de Engenharia Hídrica da UFPel, Gilberto Collares reforça a necessidade de ações conjuntas e estruturais para evitar novas tragédias. “O que passamos tem que servir de aprendizado”. Ele vê como essencial o investimento público para garantir segurança, sem desestruturar comunidades inteiras. “São lugares ricos, cheios de história e tradição. Não podemos tratar essas pessoas como um problema a ser removido.”
Aida, por sua vez, lembra que a própria existência da comunidade foi fruto de resistência. “Quando o meu pai veio para cá, isso era um lixão. Ele limpou tudo com as próprias mãos para criar um espaço onde as crianças pudessem brincar. Hoje, esse lugar é nossa casa. Não queremos sair, queremos viver aqui com dignidade.”
Posição do governo
A Secretária de Habitação, Marta Silva, reforça que muitas ocupações acontecem por necessidade. “A maioria das pessoas que mora perto da água não escolheu isso, mas foi motivada pela falta de uma política habitacional eficiente”, afirma. Ela destaca que algumas áreas podem ser regularizadas com melhorias na infraestrutura, mas outras são de alto risco e precisam de soluções diferentes.
Resistência e esperança
Aida, Titi e Gilda não querem apenas sobreviver às enchentes, querem viver onde construíram suas histórias. A remoção forçada não é uma opção para eles. O que pedem é um olhar mais humano, políticas públicas que garantam segurança sem destruir laços comunitários.
Para o professor Collares, é urgente repensar o planejamento urbano da cidade. Ele afirma que é preciso impedir novas construções em áreas que são naturalmente de amortecimento da água, como os banhados, mas também garantir infraestrutura para quem já vive nessas regiões.