Entre emoções, o caminho junto ao Transtorno Bipolar

Saúde

Entre emoções, o caminho junto ao Transtorno Bipolar

Estima-se que 2% da população tenha a condição e a preocupação está no acesso ao tratamento

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Entre emoções, o caminho junto ao Transtorno Bipolar
Tratamentos passam por psicoterapia e aplicação de fármacos. (Foto: Jô Folha)

Já parou para pensar como está seu humor hoje? Eufórico, cheio de ideias, querendo expor suas emoções? Ou a vontade é de nem sair da cama, rezar para não cruzar com nenhum conhecido pela rua? Essas alterações têm nome e, se estiverem atrapalhando a sua rotina, pode ser diagnosticada como Transtorno Bipolar (TB). A data para destacar a condição é celebrada dia 30 deste mês, com objetivo de conscientizar e incentivar pesquisas. Dados recentes da Organização Mundial da Saúde (OMS) estimam que a patologia afeta em torno de 2% da população, número que pode ser maior se considerados todos os subtipos.

Embora todos os avanços na área de saúde mental, a grande preocupação dos especialistas não está no preconceito de quem tem o diagnóstico, mas no acesso ao atendimento, diagnóstico e tratamento pela rede pública de saúde. A doutora em Saúde e Comportamento, diretora da Associação Brasileira de Transtorno Bipolar, psicóloga e professora da UCPel, Karen Jansen, é uma apaixonada pelo tema e está sempre em busca pelo bem-estar de quem é diagnosticado.

Ela conta que o Ministério da Saúde realiza várias campanhas contra o descrédito aos transtornos mentais. Mas para a psicóloga, pelo menos em Pelotas, há mais dificuldade de acesso ao tratamento do que as questões de preconceito. “Eu até brinco com os alunos em aula que estigma é coisa de quem pode pagar pelo tratamento, porque quem depende do SUS, da rede pública de saúde, embora os muitos esforços, não há estrutura e profissionais para atender toda a demanda de saúde mental”, pontua.

Um exemplo que ela cita são as divulgações de estudo pela UCPel – quando possibilita o tratamento gratuito – que se consegue atingir o tamanho amostral por conta do grande número de pessoas que não têm acesso ao tratamento. O governo tem uma proposta de projeto de Rede de Atenção Psicossocial para o país, bem pensada, mas ainda não está em funcionamento. “Além da falta de acesso ao tratamento, existe ainda a questão do diagnóstico correto que leve à intervenção certa”, relata.

Diagnóstico complexo

A especialista revela que há casos em que o diagnóstico inicial não foi errado, mas a apresentação inicial do TB foi um episódio depressivo. Com isso, o profissional classifica como transtorno depressivo maior, quando na verdade aquela é a apresentação inicial da bipolaridade. Na Sociedade Internacional de Transtorno Bipolar há grupos de força-tarefa entre pesquisadores para elaborar guidelines (diretrizes) para tratamento. Nele, a primeira escolha é completamente farmacológica, depois tem linhas de intervenção baseada em evidências científicas e em ensaios clínicos conduzidos com as diferentes propostas de aplicações.

Um primeiro passo para chegar a um parecer do paciente com suspeita de TB, segundo Karen, é chamar um familiar ou alguém da equipe profissional da saúde que venha acompanhando o caso para chegar ao diagnóstico e se iniciar o tratamento com medicamentos. “Eu sou psicóloga, mas quando identifico um diagnóstico de transtorno bipolar, encaminho para um psiquiatra.” Caso o paciente tenha remissão parcial dos sintomas, esse pode voltar para psicoterapia onde são trabalhadas questões como o ritmo social, biológico, prática de atividade física e um padrão de dieta.

É preciso estar atento

O Transtorno bipolar, se não tratado, pode levar à morte, alerta o psicólogo e professor do Programa de Pós-Graduação em Saúde e Comportamento (Mestrado e Doutorado) da UCPel, Luciano Dias de Mattos Souza. “A ideação suicida é um dos critérios dos episódios depressivos que estão presentes no transtorno bipolar. Pode acontecer uma morte, sem a intenção efetiva de acabar com a sua vida, em função do comportamento de risco nos episódios maníacos e hipomaníacos, depressivos ou mistos, que são muito desgastantes.” Souza comenta que em pessoas com TB é muito maior o evento morte do que na população geral e até mesmo que de outros transtornos mentais.

O professor, que integra o grupo de pesquisa Inovações na Compreensão dos Transtornos de Humor, explica que a disfunção do cérebro, causada pelo TB, pode acarretar prejuízo físico, dificuldades laborais de trabalho e de manutenção de relações familiares. “Geralmente são pessoas que sofrem muito de conflitos sociais, interpessoais, doenças outras, enfim, acabam sendo mais expostas a esse tipo de contexto.”

Ao menor sinal, a dica é buscar apoio profissional. Além disso, a pessoa pode complementar o tratamento medicamentoso através de suportes psicossociais ou psicoeducação para entender alguns processos, como a maneira de ficar depressiva ou mais maníaca, para melhorar a aderência à medicação. “As formas e ações mais diretivas em relação ao manejo das emoções e dos comportamentos podem ajudar bastante o sujeito nos tratamentos”, garante Souza.

Onde buscar ajuda?

A prefeitura de Pelotas presta atendimento para quem sofre de Transtorno Bipolar nos Centros de Atendimentos Psicossocial (Caps), conforme o endereço da pessoa, uma vez que eles são regionais. Nesses locais são oferecidos atendimento médico, psicológico e psicossocial para qualquer cidadão. O paciente pode vir com encaminhamento da Unidade Básica de Saúde (UBS) ou outro serviço. Mesmo sem encaminhamento, a pessoa vai ser acolhida. Nos Caps, o acolhimento é diário e sem filas. Funciona das 8h às 18h, com exceção de quarta-feira, turno da manhã.

A UCPel tem um grupo de pesquisa na linha Transtornos de Humor, que é vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Saúde e Comportamento, e tem vários professores do curso de psicologia envolvidos nessa linha. “Trabalhamos na identificação de características clínicas, ambientais e biológicas para a predição do transtorno bipolar e intervenções precoces para o transtorno”, diz Karen. O coordenador Luciano Souza conta que é prestado serviço de psicologia em algumas UBS, no CAPS escola e na clínica psicológica.

Saiba mais sobre Transtorno bipolar

O que é?

É um transtorno crônico que causa episódios (períodos) de alteração significativa no humor, variando entre estados de depressão (humor para baixo), mania/hipomania, euforia (humor para cima) e até mesmo estados mistos. Isso resulta de uma mudança no funcionamento do cérebro

Como e quando é diagnosticada a bipolaridade?

O TB costuma ter início por volta dos 20 anos, os estudos variam entre 16 e 24 anos principalmente. Mas pode ter início em outras fases do desenvolvimento, até mesmo na infância. O diagnóstico segue sendo realizado por entrevista clínica com a pessoa e seus familiares.

De acordo com a psiquiatra Karen, inúmeros estudos foram realizados na busca de marcadores biológicos de TB, no intuito de auxiliar no diagnóstico clínico, no entanto, até o momento nenhuma medida objetiva isolada (por exemplo: dosagem bioquímica) é capaz de predizer ou identificar o TB. Assim, o diagnóstico segue sendo realizado através de entrevista clínica de diagnóstico. “Antes se pensava que o diagnóstico correto poderia levar até dez anos para ser realizado, atualmente, um psiquiatria ou psicólogo consegue chegar ao diagnóstico bem mais rápido, principalmente se houver diálogo entre os profissionais que acompanham o paciente e auxílio de familiares no processo de avaliação.

Quais os sintomas?

Mania/hipomania: humor bastante elevado, irritabilidade, autoestima elevada, aumento de atividades e aumento do interesse sexual

Depressão: humor deprimido (sentir-se triste, vazio, sem esperança); forte redução do interesse ou prazer em todas ou quase todas as atividades; redução ou aumento significativo do apetite ou de peso sem estar de dieta; insônia; agitação/inquietação ou retardo psicomotor; fadiga ou perda de energia; sentimentos de inutilidade ou culpa excessiva ou inapropriada; capacidade diminuída para pensar ou se concentrar, ou indecisão e pensamentos recorrentes de morte, ideação suicida, tentativa de suicídio ou plano para cometer suicídio.

O transtorno bipolar é dividido por tipos?

De acordo com o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM.IV) e o CID-10, que são manuais internacionais de classificação diagnóstica, o transtorno bipolar pode ser classificado da seguinte forma:

  • Transtorno bipolar: Tipo I
    O indivíduo apresenta períodos de mania, que duram, pelo menos, sete dias, acompanhado de sintomas depressivos, que se estendem por duas semanas ou mais. Tanto na mania quanto na depressão, os sintomas são intensos e provocam grandes mudanças comportamentais e de conduta, podendo interferir em diversas áreas da vida.
  • Transtorno bipolar: Tipo II
    Há alternância entre os episódios de depressão e de hipomania.
  • Transtorno ciclotímico
    É o quadro mais leve do transtorno bipolar, marcado por oscilações crônicas do humor, que podem ocorrer até no mesmo dia. O paciente alterna sintomas de hipomania e de depressão leve o que, muitas vezes, pode ser interpretado como o próprio temperamento do indivíduo.
  • Transtorno bipolar não especificado
    Pode surgir como consequência de doenças ou induzido pelo uso de substâncias.

Quais os tratamentos?

A primeira escolha terapêutica para o TB é o tratamento farmacológico, é a medicação que leva a estabilização do humor. O tratamento psicoterapêutico é importante para a manutenção da estabilidade do humor. Em estágio mais avançado da condição, a terapia ocupacional pode ser indicada também. “Podem ser vários remédios, um só muitas vezes ao dia, poucas vezes ao dia, dependente do contexto clínico que a pessoa apresenta, como comorbidades”, explica o professor Mattos Souza.

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