A indústria cultural tem se mostrado um mercado receptivo ao trabalho feminino. Agora não só como figuras criadoras de arte, mas também como líderes e catalisadores de diferentes iniciativas, as mulheres abriram espaço num campo que também era masculino. Por trás da cena, elas também buscam os recursos e dão condições para outras, outros e “outres” brilharem.
A professora Roberta Selva começou a liderar propostas criativas motivada pela intenção de colaborar com o desenvolvimento cultural de Pelotas. Seus projetos mais recentes foram para o Coletivo BatuCantada, no qual ela atua também como percussionista.

Foi a partir de um 8 de março que Roberta Selva se envolveu na criação do BatuCantada (Divulgação)
Os projetos os quais Roberta idealizou e produziu até hoje sempre tiveram parceiras mulheres e foram pensados junto com outras mulheres.”Ainda que algum outro tenha também tido parceiros homens, ainda assim foram projetos em que as mulheres sempre tiveram na idealização, na criação e na produção”, comenta.
Foi num 8 de março que Roberta conheceu o BatuCantada, quando ela articula pela Frente Feminista 8M, que estava organizando uma ativida cultural para o evento do Dia da Mulher na cidade. “Pensamos na oficina de percussão, eu comecei a procurar uma percussionista. Tive a indicação da Vanessa Ramos, que na época era aluna do curso de Música da UFPel. Convidei a Vanessa para realizar a oficina”, relembra.
Elas começaram a conversar sobre a ideia de criar um grupo de percussão de mulheres em Pelotas. Foi o que aconteceu, depois da pandemia, quando aconteceram os primeiros encontros do BatuCantada como grupo de percussão, que logo em seguida também virou bloco de Carnaval.
Independentemente das origens e necessidades específicas, Roberta identifica que uma das demandas em comum entre as mulheres é a falta de políticas publicas específicas. “É preciso que existam políticas públicas específicas na área da cultura para o público feminino, tanto para as espectadoras quanto para as mulheres responsáveis pelo fazer artístico e cultural”, comenta.
Para Roberta quanto mais inspirações e exemplos as mulheres tiverem, outras vão se motivar a se unirem para realizar. Uma referência para a produtora cultural é o grupo de dança Odara, protagonizado por mulheres.
Descoberta delas
Para a secretária Municipal das Mulheres, professora doutora Marielda Barcellos Medeiros, 59, existem políticas públicas e as mulheres começaram a perceber que elas também podem acessá-las. “Em todas as áreas, principalmente quanto produtores, a gente sempre viu homens produzindo. A área da produção é uma área que a gente pode atuar e fazer bem. Elas descobriram essa potencialidade. Todas as produtoras culturais que temos em Pelotas hoje fazem um sucesso enorme”, comenta a secretária.
E esses trabalhos bem-sucedidos são realizados por mulheres que vivem em diferentes pontos da cidade, seja no centro ou nas periferias, destaca. “Temos um grupo de produtoras culturais no Centro de Desenvolvimento Dunas, mulheres periféricas, que fazem trabalhos e chamam outras pessoas. Chamam mulheres e também homens. Podemos ver que é possível, a gente na linha de frente, poder liderar homens e não só ser lideradas.”.

A professora Marielda Medeiros, secretária municipal das Mulheres, diz que as mulheres descobriram mais uma potencialidade (Foto: Ana Cláudia Dias)
Doutora em Antropologia Social e Cultural, Marielda vê nessa função mais um desafio para as mulheres, isto porque a sociedade não as coloca neste lugar. “Nós é quem fomos buscar esse lugar, nos desafiamos a isso. A sociedade está pronta para eles, porque todos os espaços são ocupados por homens, agora a gente está fazendo a mesma trajetória e isso é superbacana”, diz.
Marielda ainda argumenta que uma serve de estímulo para outra, independentemente da geração. Para a secretária, somente a questão da violência não evoluiu. “A sociedade como um todo, os homens, têm que se mobilizar contra essa violência. São os nossos corpos que sofrem, porque afinal de contas somos nós que podemos dar continuidade ao ser humano. Quando uma morre, mata um pouquinho da gente, porque ficamos com medo dessa violência e mata a sociedade também”, argumenta.
Protagonismo no rap
“Acho que a gente está vivendo uma onda grande de movimento feminista e empoderamento negro no Brasil”, diz a rapper e produtora cultural Bartira Marques, a Bar.t, uma das criadoras do Coletivo Dasmina. A iniciativa foi criada para dar protagonismo às mulheres do rap pelotense.
Bar.t lembra que há algum tempo, ela e as amigas perceberam que nos eventos de rap quase não se tocavam músicas de mulheres. Na verdade, elas achavam que os homens é quem mais se divertiam nos eventos. “A gente não se sentia acolhida, fora a questão do assédio”, relembra.
Foram esses incômodos que motivaram a criação do baile Dasmina, uma festa somente de mulheres no line up ou seja só elas tocando e com um set list totalmente feminino. Esse evento foi realizado na Cascata, em 2016, em parceria com as amigas e artistas Beatriz Costa e Lara Costa e a DJ e beatmaker Dola.
O evento deu certo e elas resolveram trazer para o centro de Pelotas. Na época a cidade tinha os eventos fixos de rap e poucos acreditaram que esse, tão específico pudesse emplacar. “Colocamos o DJ Micha e DJ Bárbara Brum, de Garopaba, no line e a festa foi um estouro”, conta Bar.t.
Dasmina começou a trazer outras DJs mulheres para Pelotas, no Galpão Satolep, e em eventos de rua. A partir daí surgiu o Coletivo. “Depois que o coletivo começou a existir surgiram mais mulheres DJs aqui, a gente começou a ver mulheres DJs serem chamadas para outros eventos”, comenta.
Sociedade conservadora
Apesar de terem ajudado a abrir esse espaço, Bar.t ainda percebe Pelotas como um local extremamente conservador. “A cultura é muito conservadora, para ter espaço para as mulheres, para preto, para LGBT somente no circuito alternativo. Aquele circuito comercial não abraça essas narrativas. Eu acho que se deu um passo muito importante, mas dentro da cultura Hip Hop, não acredito que se tenha dados muitos outros passos depois de nós. O que é uma frustração que a gente tem”, avalia a rapper.
Essa escassez é burlada através de editais, que ajudam a viabilizar iniciativas, mas mesmo assim, Bar.t diz que a narrativa feminina em uma cidade conservadora tem dificuldade de emplacar. “Aqui em Pelotas a gente nunca conseguiu passar em nenhum edital. Passamos no Natura Musical em 2021/22, com o festival de rua, mas aqui na cidade nunca conseguimos fazer algo com verba local. Tem alguns mecanismos que ainda atrasam a produção cultural feita por mulheres”, comenta.