Touca hipotérmica: a salvação dos cabelos vem do frio extremo

Corpo e Mente

Touca hipotérmica: a salvação dos cabelos vem do frio extremo

Disponível no Ceron desde 2022, equipamento tem sido importante para elevar a autoestima das pacientes com câncer

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Touca hipotérmica: a salvação dos cabelos vem do frio extremo
A temperatura ideal da touca de gel é de 6°C. (Foto: Jô Folha)

Depois do diagnóstico de câncer de mama, em maio de 2022, veio o tratamento quimioterápico e, com ele, a perda do cabelo. Não teve escapatória. “Fiquei bem abalada, mas te digo que não valia tanto abalo, porque entre cair e nascer de novo é rápido, mas a gente fica fragilizada e tudo que é pequeno vira grande”, revela a professora Lucimar Barbosa Cardoso, 53. Pouco mais de um ano depois, um novo diagnóstico e novas sessões de quimioterapia. Mas desta vez, a tecnologia ajudou a diminuir a angústia da paciente com relação a aparência.

Lucimar teve seus cabelos poupados graças ao uso da touca hipotérmica. (Foto: Jô Folha)

Lucimar teve seus cabelos poupados graças ao uso da touca hipotérmica, um equipamento oferecido, via Sistema Único de Saúde (SUS), pelo Centro de Radioterapia e Oncologia (Ceron) da Santa Casa de Misericórdia de Pelotas. “É uma máquina que possui um sistema de refrigeração, que resfria o couro cabeludo da paciente”, explica o assistente social, Lucas Vieira.

O resfriamento dessa área da cabeça diminuiu o fluxo sanguíneo no couro cabeludo e, consequentemente, a quantidade de medicamentos da quimioterapia que chega a esta região. O resultado é a diminuição desse efeito colateral, que é a perda de cabelos.

A eficácia não é de 100%, mas a redução da queda do cabelo é garantida. “Pode ter alguma queda, mas reduz bastante”, comenta Vieira. A maioria dos pacientes que fazem uso desse procedimento são as que tratam câncer de mama, mas quem faz outro tipo de tratamento oncológico também pode se beneficiar do dispositivo, desde que tenha a liberação médica. “Pacientes com câncer de ovário e de útero também fazem”, fala o assistente social.

Na primeira vez, a professora não pôde usar a touca hipotérmica, porque a máquina só chegou ao Ceron em outubro de 2022, meses depois de ter começado o tratamento. O equipamento foi doado pelo 2º Registro de Imóveis.

Lucas conta que o Ceron também tem parceria com o Instituto Buquê do Amor (IBA), que doa perucas. Porém, nesses dois anos e meio, desde a chegada da máquina, houve uma redução no número de pacientes que solicitam a doação. “Muita gente parou de me procurar em função de que faz o uso da touca e não tem mais a queda de cabelo. É incrível”, fala Lucas Vieira.

Além da estética

A maior percentagem dos pacientes do Ceron é de mulheres com câncer de mama. Algumas delas têm que passar pela mastectomia. A retirada da mama imprime uma carga mais dramática ao tratamento e deixa a paciente fragilizada emocionalmente. “A touca auxilia muito na elevação da autoestima da paciente”, comenta o assistente social.

Evitar a queda do cabelo ou diminuir consideravelmente esse efeito colateral é o benefício estético do protocolo, mas ele vai além. Para Lucas, a máquina vem como um reforço à saúde mental das pacientes.

A doença por si só traz muitas perdas físicas e emocionais e muitas dúvidas sobre o que vai acontecer. “Tudo fica muito incerto, surge uma fragilidade enorme”, confirma a psicóloga do Ceron Flávia de Magalhães Soares.

Flávia comenta que a utilização da touca é sugerida a partir da avaliação e indicação de tratamento do médico. Das pacientes que a psicóloga atende, algumas utilizaram a touca, mas desistiram, por causa das restrições e de todo o protocolo necessário para que o efeito desejado aconteça.

Como é um momento delicado, uma frustração ao utilizar o procedimento pode abalar a confiança, por isso o cuidado ao oferecer o procedimento. Flávia nota que o cabelo é mais uma perda, apesar de não ser o maior problema. “Mas o que eu tenho visto é que ao longo do tratamento isso (a perda de cabelo) não é o mais importante, é um detalhe”, fala a psicóloga.

Para a profissional, o impacto do tratamento na vida dos pacientes depende também da forma como eles enfrentam a doença. “Tudo depende do olhar do paciente para com o tratamento, com o momento que ele está passando, com o cuidado que tu tens que ter com o teu corpo, para auxiliar ao teu organismo a superar a doença”, comenta Flávia.

Evolução da tecnologia encanta

“Compensou muito. A gente fica meio encantada como tudo evoluiu e a passos largos”, conta a professora, que agora está agora fazendo imunoterapia e não precisa mais da touca hipotérmica. O cabelo de Lucimar chegou a cair um pouco, mas ela conseguiu manter a maioria dos fios.

A professora comenta que antes optar pelo tratamento paralelo com a touca hipotérmica ouviu relatos positivos e negativos de quem a utilizou. Considerou também a opinião da família, que ficou desconfiada da novidade.

“Tinha a opção de fazer ou não. Cada um que tu ouves te dá uma opinião. Alguns te dizem que dá muito trabalho. Eu ouvi o meu coração, fui ver se valia a pena fazer. Não vi nada de mais, achei muito interessante”, relembra Lucimar.

Mas Lucimar confessa que foi em busca da touca para evitar as sensações do tratamento de 2022. Quando ficou careca evitava sair de casa, pois queria evitar o olhar das pessoas sobre o seu estado de saúde.

Quando a paciente utilizou o equipamento era inverno, o que poderia ser um problema, mas que a professora tirou de letra. “Não me senti mal, não fiquei gripada, o que poderia acontecer em função da imunidade que fica baixa. Se fosse assim os médicos não recomendariam”, relata.

Vaidade e cabelo

Foi a médica que acompanhou a dona de casa Maria Valesca Soares Martta, 56, diagnosticada com câncer na mama esquerda, que falou sobre a touca. Até então ela não conhecia o equipamento. Pesquisando a paciente viu reportagens relatando o uso, o que a motivou a passar pelo protocolo. “É gelado, mas a pessoa não chega a perder 100% dos cabelos. Só tem os cuidados ao longo do tempo que estás fazendo medicação. É como tomar uma medicação”, fala a paciente que não se arrependeu de passar pelo protocolo mesmo durante o inverno.

“Meu marido me perguntava se valia a pena. Vale sim, a vaidade da mulher também está nos cabelos”, avalia. Maria começou o tratamento com os cabelos na cintura e terminou com eles pelos ombros. “Fiquei com algumas falhas e a doutora explicou que era o lado que dormia mais, porque aí esquenta e a gente não pode esquentar a cabeça. Mas pra mim foi tranquilo, recomendo”, diz a paciente.

Maria Valesca, 56, descobriu a doença em 27 de janeiro de 2024 e em 20 de maio fez a primeira sessão de químio. “Eu sempre tive positiva durante o tratamento. A última sessão foi em 13 de novembro. Agora, depois da cirurgia da mama, vou começar as sessões de radioterapia”, conta.

Inverno e a baixa temperatura

A questão do inverno é porque o equipamento gela a touca de gel que vai diretamente na cabeça da paciente. A temperatura tem de estar preferencialmente a 6°C, chegando a cristalizar, acima de 7°C a máquina dispara uma luz de alerta. Porque se aquecer, não vai funcionar.

Além de passar por esse momento de extremo frio na cabeça, a paciente tem que obedecer a cuidados antes de depois do uso. São esses detalhes que, algumas vezes, desestimulam o uso.

A máquina do Ceron atende duas pacientes por vez e tem toucas nos tamanhos P, M e G. Com a grande procura surge a pergunta: o ideal não seria ter outro equipamento? Porém essa possibilidade traz um outro problema. Isto porque, com o uso da máquina, o tempo de permanência do paciente no Centro aumenta.

A enfermeira Caroline Coelho explica que o paciente que usa a touca precisa começar seu dia de tratamento, primeiro na touca hipotérmica. Meia hora depois de iniciado esse protocolo é que se pode administrar a quimioterapia. “Quando bate meia hora a gente pode instalar a medicação e quando acaba a medicação o paciente tem que ficar mais uma hora e meia com a touca”, fala Caroline.

Depois dessa uma hora e meia, se desliga o aparelho e o paciente ainda tem que permanecer mais 15 minutos até a touca ficar em temperatura ambiente. “Diminuiu a rotatividade no salão e a gente tem uma capacidade instalada, que muitas vezes ficam pacientes aguardando por não ter espaço”, explica Lucas Vieira.

No salão da quimioterapia são nove poltronas, além de três leitos. O espaço também é reduzido e seria difícil acomodar outro equipamento. “No inverno e na primavera tivemos uma demanda muito alta da touca. Quando a touca estragou a primeira vez foi bem difícil, alguns pacientes tiveram um baque emocional. A touca é bem eficiente, por isso a demanda”, comenta a enfermeira.

A expectativa é, com a reforma e a ampliação da Unidade de Oncologia, com recursos do programa Avançar Mais do governo do Estado. No final do ano passado, o governador, Eduardo Leite (PSDB) anunciou repasses de R$ 16,1 milhões para a Santa Casa de Misericórdia de Pelotas aplicar neste setor.

Atualmente o equipamento está fora de uso, para frustração das pacientes. “Ele esteve em manutenção e retornou em janeiro, funcionou dois, três dias e apresentou o mesmo defeito novamente”, conta Vieira. No meio do mês foi reavaliado, mas voltou a não gelar. Agora está em avaliação novamente e ainda não se sabe quando voltará a ser utilizado.

O que é e como age a touca hipotérmica

A touca de resfriamento, também conhecida como touca hipotérmica, é uma aliada fundamental para pacientes que fazem quimioterapia. Ao resfriar o couro cabeludo, o equipamento reduz a queda de cabelo.

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