Em feito inédito, o filme Ainda estou aqui, dirigido por Walter Salles, concorre em três categorias na mais famosa premiação do cinema internacional, o Oscar. Indicado como Filme do Ano, Melhor Filme Internacional e Melhor Atriz, o drama histórico tem promovido uma onda de otimismo e de nacionalismo entre os brasileiros, que torcem por possíveis conquistas na 97ª edição do prêmio. O evento ocorrerá domingo (2) no tradicional Teatro Dolby, em Los Angeles, Califórnia, a partir das 21h, no horário de Brasília. A cerimônia será exibida pelo canal fechado TNT, pelo streaming Max e pela TV Globo, às 21h55min.
Lançado em 7 de novembro do ano passado, o longa da Globoplay conta a história da dona de casa Eunice Paiva, que teve a vida dela e dos filhos transformada a partir do desaparecimento do marido dela, o ex-deputado Rubens Paiva. Nos chamados “Anos de Chumbo” do regime militar, o político desapareceu após ser levado pela polícia do Rio de Janeiro, em 1971, para prestar um depoimento.
O corpo de Paiva nunca foi encontrado. Depois de muita luta, a família conseguiu que ele fosse dado como morto em 1996, quando Eunice Paiva recebeu o atestado de óbito e o reconhecimento da morte do político pela ditadura.
A atriz carioca Fernanda Torres, 59, é quem revive o drama de Eunice Paiva. Com uma atuação concisa – inspirada na forma como Eunice enfrentou a reviravolta da sua vida – e ao mesmo tempo cheia de nuances, a brasileira cativou a crítica e público.
No dia 5 de janeiro a brasileira conquistou o troféu de Melhor Atriz, na premiação do Globo de Ouro (Golden Globe Awards), realizado pela Associação de Imprensa Estrangeira de Hollywood. Ao bater nomes consagrados do show business como Tilda Swinton, Nicole Kidman e Kate Winslet, ela se credenciou a uma indicação ao Oscar.
Brasilidade e português
Independentemente das estatuetas virem para o Brasil ou não, para o crítico Renato Cabral, o filme é um marco no cinema nacional por diversos aspectos. “É o retorno do Walter Salles para a não-ficção, fazia muito tempo que ele não filmava algo com essa importância, baseada em uma história verdadeira”, comenta.
Segundo o crítico, o longa aglutina muitos sentimentos e histórias importantes para o Brasil. “É bom que as pessoas vejam, emocionem-se e reflitam”, argumenta.
Cabral comenta que esse é realmente esse é um filme com peso da brasilidade, falado em português, por este motivo ter chegado ao Oscar com chances reais é de se celebrar muito. “Como a Fernanda e Walter Salles dizem: onde a gente chegar, chegou muito longe”, fala.
Fernanda Torres é a segunda brasileira a concorrer a este prêmio. A primeira foi a mãe dela, atriz Fernanda Montenegro pelo filme Central do Brasil, do mesmo diretor. Em 1999, “Fernandona”, como é carinhosamente chamada no país, perdeu a disputa para a norte-americana Gwyneth Paltrow. “Reviver esse momento com a Fernanda Torres, com o histórico que a gente tem com a Fernanda Montenegro, o brasileiro quer justiça”, brinca.
Longe de bairrismos, Cabral comenta que a categoria de atriz é considerada uma incógnita, diante das interpretações espetaculares das concorrentes. “Não tem como prever, então a Fernanda tem chances, o que deixa todo mundo na expectativa”, fala.
Cabral aposta mesmo na categoria de Filme Estrangeiro. “Eu diria 80% de chances, depois de toda a polêmica de Emilia Perez. De certa forma era uma campanha muito injusta que esse filme vinha fazendo, com todo o aparato da Netflix, eles investem muito pesado para campanhas de premiações”, avalia.
Memória brasileira
Além de cativar e sensibilizar plateias, Ainda estou aqui revirou um baú de guardados da memória histórica brasileira. O longa trouxe à tona a discussão em torno de crimes que ficaram impunes, além de toda a problemática de um regime ditatorial.
A professora doutora Giulianna Ronna, do Design do IFSul, comenta que o Brasil tem uma filmografia extensa sobre esse tema, mas que ainda é desconhecida pelo grande público. “Acho que o Ainda estou aqui traz uma visibilidade e abre para o público a possibilidade de começar a ver esses filmes que existem, que vão trazer essas questões dessas famílias”, comenta Giulianna, que pesquisa sobre o cinema e os crimes políticos.
A pesquisadora compara Ainda estou aqui com a ponta de um iceberg sobre a ditadura militar. “Ainda que seja difícil traduzir o horror que foi o período ditatorial, o Walter Salles faz isso com uma sensibilidade incrível ao contar a história de uma mulher que é fundamental para a gente entender esses efeitos no nosso cotidiano, sobretudo a gente vivendo um contexto atual político, que a todo momento temos ataques frequentes à democracia”, diz.
Para a professora a valorização do filme, fora do país dá visibilidade tanto para a temática quanto para o cinema nacional. “Contribui para elaborar um trauma histórico que ainda assombra o país, relacionado aos efeitos do período autoritário que a gente vivenciou há pouco tempo.”
O professor Michael Kerr, do curso de Cinema da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), concorda com essa visão. “É muito bom esse filme estar fazendo esse sucesso, porque está dentro de uma tradição de obras cinematográficas que reafirmam a importância da memória como uma ferramenta que resiste ao esquecimento de algumas coisas que aconteceram. O cinema é memória”, diz.
Mesmo com concorrentes fortíssimas, os fãs de Fernanda Torres vibram pela premiação da atriz, que tem chances reais de conquistar o primeiro Oscar para o Brasil, nesta categoria.
Fatores a favor de Fernanda
- Prêmio de Melhor Atriz em Drama no Globo de Ouro
- Prêmio de Melhor Atriz no Satellite Award, da Academia Internacional de Imprensa
- Ainda estou aqui ter sido indicado em outras duas categorias
Fatores contra
- Somente duas atrizes, oriundas de países de língua não-inglesa conquistaram o Oscar, foram elas: Sophia Loren, em 1962, por Duas mulheres; e Marion Cotillard, somente em 2008, por Piaf: Um hino ao amor.
- A Academia de Cinema norte-americana costuma premiar atrizes que têm longa carreira, como é o caso de Demi Moore, que concorre por Substância.
- Os prêmios Bafta e Screen Actors Guild (SAG Awards), considerados termômetros do Oscar, foram vencidos, respectivamente, pelas atrizes Mikey Madison, por Anora, e Demi Moore
Quem concorre nas principais categorias
Melhor Filme
Conclave
Emilia Pérez
Ainda estou aqui
Anora
O brutalista
Um completo desconhecido
Duna: parte dois
Nickel Boys
A sustância
Wicked
Melhor diretor
Sean Baker, de Anora
Brady Corbet, de O brutalista
James Mangold, de Um completo desconhecido
Jacques Audiard, de Emilia Pérez
Coralie Fargeat, de A substância
Melhor filme internacional
Ainda estou aqui (Brasil)
A menina com a agulha (Dinamarca)
Emilia Pérez (França)
A semente do fruto sagrado (Alemanha)
Flow (Letônia)
Melhor ator
Adrien Brody
Thimothée Chalamet
Colman Domingo
Ralph Fiennes
Sebastian Stan
Melhor atriz
Cynthia Erivo
Karla Sofia Gascón
Mikey Madison
Demi Moore
Fernanda Torres