A cantora, compositora e estudante de Música Popular (UFPel), Leu Kalunga, vem há sete anos atuando com a musicalidade afro-indígena nordestina por Pelotas. Ela transita por vários gêneros musicais, além de contribuir como intérprete e percussionista em trabalhos de outros artistas da cidade. Um de seus trabalhos é na banda ForróGodó, com a proposta de um intercâmbio cultural entre clássicos nordestinos e composições próprias.
Como tem sido trazer a musicalidade nordestina para o Sul do país?
Cada passo é uma conquista. Tecer esse movimento musical no extremo Sul é desafiador, mas sigo firme nessa proposta de musicalidade. Tenho trabalhado intensamente com a musicalidade nordestina, e Pelotas tem demonstrado abertura para esse intercâmbio cultural. Levo com orgulho e seriedade essa tradição musical, que me acolhe e me fortalece. O desafio que mencionei vou superando à medida que mantenho esse movimento musical nordestino ativo durante todo o ano, não apenas no período junino. Compreendo a potência das trocas culturais e, como diria Gilberto Gil, ‘cultura é igual feijão com arroz’. Por isso, sigo resiliente e determinada a realizar shows de forró o ano todo, unindo o cancioneiro clássico ao autoral.
De que forma as “escrevivências” afro-indígenas influenciam na sua música?
Componho desde a adolescência e sempre busquei contar minhas experiências pessoais por meio da música. Com o tempo, percebi que as histórias reveladas nas minhas letras também expressavam a dor coletiva do racismo, uma experiência que me atravessa desde a infância. Após conhecer o conceito de escrevivência de Conceição Evaristo, passei a ter ainda mais orgulho de contar essas histórias afro-indígenas que carrego. Através da composição de escrevivências, busco me conectar com minha ancestralidade e me engajar no artivismo contra o apagamento da memória das culturas afro-indígenas. Minha poesia musical não carrega uma história única de dor. Ela me colocou em um lugar de perceber as pluralidades de nossa comunidade, me permitindo enxergar as nossas potências.
Qual a importância da cena independente para o seu trabalho autoral?
Para me projetar na caminhada artística com consistência, busquei referências em outros artistas independentes que, com muita luta, realizam seus lançamentos musicais. Contar com a cena independente tem sido fundamental para minha trajetória. Desde 2023, integro o time de artistas do Dona Dete Records, um selo de música independente que oferece suporte aos artistas, distanciando-se de práticas mercadológicas predatórias, com um modelo justo de criação e distribuição. Através dessa união, minha música “Griô” tem circulado em rádios do Brasil e até de outros países, como Portugal, Peru e Japão. O selo foi essencial para difundir o lançamento, que estreou em 17 de janeiro e já ultrapassa 2 mil reproduções no Spotify.
O que o forró autoral representa dentro da sua trajetória musical?
Cresci ouvindo forró e tenho uma forte ligação com a cultura nordestina. Para nós, é tradicional anunciar o período junino com Luís Gonzaga ecoando nas varandas das casas, como uma forma de expressar o amor pela sonoridade que retrata o cotidiano do nosso povo. Para mim, o forró autoral é uma continuidade do anúncio da presença nordestina, e também uma forma de dar seguimento, por meio da escrita coletiva, à contação de histórias. Foi através do forró autoral, no ritmo do baião, que escrevi “Griô”, com a qual passei no meu primeiro edital cultural, o Prêmio Cultural Agimos. Esse gênero abriu caminhos para que eu e tantos outros frutos do solo nordestino possamos dar continuidade a essa musicalidade.