Dependência digital: o que é e quais os principais sintomas

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Dependência digital: o que é e quais os principais sintomas

Comportamentos típicos incluem o uso compulsivo de dispositivos eletrônicos, que frequentemente levam à perda de controle sobre o tempo gasto online

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Dependência digital: o que é e quais os principais sintomas
Irritabilidade e necessidade crescente de jogar mais tempo estão entre os sintomas. (Foto: Jô Folha)

Quantas vezes você costuma olhar o seu smartphone em uma hora? Frequentemente, mesmo estando vendo um filme interessante, ou conversando com amigos, você costuma checar o celular em busca de atualização? Esses são apenas alguns exemplos que podem demonstrar que, talvez, você não tenha uma relação tão saudável assim com o aparelho.

Atualmente, o uso da tecnologia é indispensável e vem sendo cada vez mais difícil optar por não usá-la. Algumas pessoas conseguem estabelecer uma relação harmoniosa com as atividades realizadas através da tecnologia. Entretanto, para outras, a relação pode gerar muitos prejuízos por causar perda de controle, resultando em sofrimento.

Conforme os dados do Digital Report 2024, são mais de cinco bilhões de usuários digitais no mundo, com um aumento de 266 milhões de pessoas entre 2023 e 2024, representando um crescimento anual de 5%. No Brasil, 86,6% da população usa a internet, somando 144 milhões de usuários, com uma média de 9 horas e 13 minutos diários de conexão.

Uso inadequado

O uso inadequado da tecnologia pode levar a problemas de saúde física e mental. Estudos recentes indicam que cerca de 26% da população mundial experimenta sintomas de ansiedade ou depressão associados ao uso excessivo de dispositivos digitais, segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS).

Além disso, um levantamento realizado pela Associação Americana de Psicologia revela que 45% dos jovens entre 18 e 24 anos relatam dificuldades para dormir atribuídas ao uso de smartphones e outros dispositivos logo antes de dormir, o que pode acarretar fadiga crônica e queda de produtividade.

Conforme explica o psiquiatra e especialista em dependência química, doutor em psicologia, Alfredo Lhullier, a dependência digital ainda carece de definição consensual, mas está associada ao uso excessivo de dispositivos eletrônicos e seus efeitos prejudiciais.

Existem dois tipos de dependência: as químicas – de álcool ou outras drogas – e as consideradas comportamentais – dependência ao jogo, compra compulsiva, por exemplo. “A dependência digital está entre as características comportamentais. Mas no nosso cérebro, ela tem um efeito similar à dependência química. É uma droga que provoca liberação de dopamina e acaba resultando em prazer e recompensa”, explica.

Paralelo à dependência digital existem outras possibilidades de comorbidades, por isso a importância de consultar um profissional. “Às vezes a dependência digital é mais um efeito do que a causa. É comum, por exemplo, associada a dependência de cocaína, a dependência de jogo”, explica.

Feito para viciar

Feitos para capturar a atenção do usuário, utilizando recursos como notificações, algoritmos personalizados e feeds infinitos, aplicativos de redes sociais vêm se tornando um dos principais fatores da dependência digital. Esses mecanismos criam uma experiência imersiva, estimulando a liberação de dopamina no cérebro e gerando uma sensação de prazer e recompensa, criando um ciclo vicioso, em que o indivíduo busca constantemente essa gratificação instantânea, muitas vezes sem perceber o impacto negativo que isso tem em outras áreas da sua vida.

Quando é necessário procurar ajuda?

Um dos primeiros passos necessários é tomar consciência sobre o uso excessivo.  Estudos recentes indicam que 39% dos adultos relatam dificuldade para interromper o uso de seus dispositivos, mesmo durante refeições ou encontros sociais, e 21% admitem verificar o celular mais de 100 vezes ao dia, segundo uma pesquisa conduzida pelo Pew Research Center. “Esses dados ilustram a amplitude e a relevância do problema”, alerta o psiquiatra.

Principais transtornos:

  • Jogo Eletrônico

Mais especificamente voltado para o ambiente virtual lúdico, a Gaming Disorder caracteriza-se pela persistência no ato de jogar apesar de consequências negativas, perda de controle sobre essa atividade e comprometimento funcional. O Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-5-TR) reconhece o transtorno como uma forma de adição não relacionada a substâncias, com critérios diagnósticos, como: preocupação excessiva com jogos; sintomas de abstinência, como irritabilidade; necessidade crescente de jogar por mais tempo; tentativas frustradas de reduzir o tempo de jogo; perda de interesse em outras atividades.

“O indivíduo rapidamente se torna absorvido pelas atividades de jogo em tela, passando a realizar o resto de suas atividades com desinteresse e na medida de necessidade ou pressão de outrem”, explica Lhullier.

Outros sintomas incluem negligência com autocuidados, isolamento social e prejuízo em responsabilidades importantes. Os adolescentes são especialmente vulneráveis, desenvolvendo uma dependência mais severa e assim como acontece com as dependências de substâncias, pontua o psiquiatra, por estarem ainda em amadurecimento cerebral.

  • Cibercondria

A cibercondria é um comportamento caracterizado pela busca excessiva e muitas vezes equivocada de informações sobre saúde na internet, levando a conclusões precipitadas ou errôneas. Esse hábito pode aumentar a ansiedade e a preocupação com doenças, muitas vezes sem necessidade.

Os sintomas da cibercondria são a preocupação excessiva com a saúde, mesmo na ausência de sintomas significativos; a busca constante por informações médicas online; a interpretação incorreta de sintomas comuns como sinais de doenças graves; e as visitas frequentes a médicos ou realização de exames desnecessários.

  • FOMO (Fear of Missing Out)

Esse termo busca descrever a ansiedade gerada pela percepção de que outras pessoas estão vivenciando experiências satisfatórias, como ao visualizar fotos de viagens, eventos sociais ou conquistas acadêmicas postadas nas redes sociais.

Entre os jovens, isso pode levar à compulsão de verificar constantemente suas notificações, enquanto em adultos, manifesta-se como uma pressão para estar atualizado em grupos de trabalho ou círculos sociais, causando impactos negativos no humor e na satisfação com a vida.

Conforme o psiquiatra, o FOMO é especialmente prevalente entre os jovens. Esse fenômeno é frequentemente exacerbado pelo uso de mídias sociais, onde as atualizações constantes podem intensificar a sensação de exclusão.

Os sintomas mais comuns de FOMO são a ansiedade ao ver amigos participando de eventos sem o sujeito; a necessidade compulsiva de verificar redes sociais; a comparação constante da própria vida com a dos outros e os sentimentos de inadequação ou insatisfação.

  • Nomofobia

Nomofobia é o medo extremo de ficar sem o celular ou desconectado da tecnologia levando a sintomas como ansiedade, irritabilidade e dificuldades de concentração. Estudos realizados pela Universidade de Granada, na Espanha, revelaram que cerca de 77% dos jovens entre 18 e 24 anos sofrem de algum grau de nomofobia, enquanto, em faixas etárias acima dos 50 anos, esse número cai para 29%. Essa condição pode levar a sintomas como aumento da frequência cardíaca, inquietação e dificuldades de concentração, sendo especialmente prevalente em indivíduos que dependem do smartphone para tarefas diárias e comunicação.

  • Selfitis

O desejo compulsivo de tirar selfies e publicá-las nas redes sociais é conhecido como selfitis. Essa prática pode interferir na vida pessoal e profissional, além de impactar negativamente a saúde psicológica.

A “selfitis” refere-se ao comportamento obsessivo de tirar e compartilhar selfies nas redes sociais. Embora não seja oficialmente reconhecida como um transtorno mental pela Associação Americana de Psiquiatria, estudos indicam que esse comportamento pode estar relacionado a questões como baixa autoestima, busca por atenção e necessidade de pertencimento social.

  • Phubbing

O “phubbing” é um comportamento caracterizado pela negligência de interações sociais presenciais em favor do uso de dispositivos móveis, especialmente smartphones. Esse comportamento afeta a comunicação interpessoal, reduz a satisfação nos relacionamentos e prejudica a qualidade das interações familiares, como no caso do “phubbing parental”.

A prática está associada a níveis elevados de ansiedade, depressão e solidão, uma vez que a falta de interação social afeta o bem-estar emocional e a distração constante que pode comprometer a concentração e a produtividade, resultando em desempenho inferior em atividades acadêmicas e profissionais.

  • Síndrome do texto fantasma

Caracterizada pela sensação de vibrações ou toques inexistentes, essa síndrome tem sido associada à ansiedade, depressão e, possivelmente, ao Burnout. Refere-se à sensação de que o celular está recebendo notificações ou chamadas quando, na realidade, não há nenhuma. Essa percepção pode ocorrer mesmo quando o dispositivo está em repouso, sem notificações ativas. Estima-se que cerca de 60% dos usuários de telefones móveis experienciam essa sensação em algum momento.

Tratamentos

De acordo com Lhullier, tratamentos para dependência digital geralmente envolvem abordagens como a Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC), que ajudam os pacientes a identificar e modificar padrões de pensamento e comportamento relacionados ao uso excessivo da tecnologia.

“Intervenções tecnológicas, como aplicativos que monitoram e limitam o tempo de uso de dispositivos, também têm mostrado eficácia”, diz. Também, atividades offline, que visam substituir o tempo gasto online por atividades presenciais, como exercícios físicos, leitura direta (livros, jornais e revistas), hobbies ou interações sociais, podem ajudar a reduzir a dependência.

Ainda, de acordo com o psiquiatra, o apoio direto familiar e social é fundamental, principalmente com adolescentes. “Estabelecer regras claras sobre o uso de tecnologia em casa e incentivar atividades em grupo sem dispositivos digitais fortalece os laços sociais e reduz o risco de dependência”, avalia.

Educação para o uso

Conforme Lhullier, visto que nos dias atuais é praticamente impossível não utilizar as tecnologias da informação, é necessário cada vez mais trabalhar com aspectos educacionais do bom uso. “Não temos que negar o uso da tecnologia, mas é fundamental aprendermos a usá-la de uma forma saudável” finaliza.

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