O Rio Grande do Sul registra o maior número de suicídios entre policiais da região Sul do Brasil. Um estudo do Grupo Interdisciplinar de Trabalho e Estudos Criminais-Penitenciários (GITEP) da Universidade Católica de Pelotas (UCPel), aponta que, entre 2019 e 2024, o Estado registrou 51 casos entre policiais, um número superior às mortes violentas na categoria (31). Para o grupo de estudo, este é um alerta para o implemento de medidas voltadas à saúde mental e melhores condições de trabalho para estes profissionais.
Nos últimos seis anos, houve um crescimento de 1.500% nos casos de suicídio no RS. O estudo ressalta a gravidade do problema entre as forças de segurança do Estado, que atingiu números superiores aos de Santa Catarina e Paraná. Segundo o documento orientado pelo professor Aknaton Souza, os casos são atribuídos ao estresse elevado, à falta de ajuda psicológica e aos altos níveis de exigência no trabalho. Além disso, o preconceito dentro das corporações dificulta a busca por ajuda.
Quanto às mortes violentas, as instituições gaúchas ocupam uma posição intermediária na comparação com os estados vizinhos, com mais casos que Santa Catarina (10), mas menos que o Paraná (36). O Rio Grande do Sul somou 31 casos entre 2019 e 2024, com uma queda de 18,75% em relação a 2019. “A concentração de mortes em meses como
setembro e outubro sugere a necessidade de investigar padrões operacionais”, indica o documento.
Perfil de Vítimas e Instituições
Os homens configuram a maioria das vítimas de suicídios e mortes violentas na segurança pública, com 94% dos suicídios e 92% das mortes violentas envolvendo o sexo masculino, conforme mostra o estudo. Além disso, a Polícia Militar concentra a maioria dos casos na região, com 98 suicídios e 55 mortes violentas nos últimos cinco anos (Gráfico 5). Estudos também apontam a maior vulnerabilidade entre policiais em início de carreira.
Falta de Valorização
A desvalorização do trabalho e a estagnação salarial são alguns fatores citados pelo presidente da Associação de Praças Policiais e Bombeiros Militares (ASPRA), Marcelo Sandim, que explicam a situação. De acordo com Sandim, enquanto estados vizinhos aumentam a remuneração de policiais militares, o governo do RS corrige valores já existentes em vez de conceder um aumento real.
A perda de direitos como a aposentadoria na reserva e a cobrança sobre os aposentados no imposto de renda, somam-se às jornadas extenuantes, segundo o gestor da associação. Ele também acrescenta o não cumprimento por parte do Estado da Lei Orgânica Nacional das Polícias (Lei 14.751), e o anúncio de concursos em desacordo com a legislação. “Um Estado com redução de índices criminais, atuação heróica das forças de segurança durante a pandemia e as enchentes, que devia ser reconhecida com salário e carreiras dignas”, ele protesta.
Do sonho à superação
Em uma postagem em rede social, um policial transformou um relato pessoal em um alerta sobre a importância de um olhar atento para a saúde mental. No texto, ele narra que sempre foi uma pessoa feliz, e há cinco anos realizou um dos grandes sonhos: se tornar policial militar. Ele deixou a educação física para se dedicar exclusivamente à Brigada, mas com o passar do tempo notou mudanças na sua personalidade.
Em 2022, por meio do apoio psicológico, descobriu o diagnóstico de depressão. “Isso não é ser fraco. Pelo contrário, só mostra a força que temos para enfrentar o problema que imperceptivelmente vai acabando com nossa vida. […] Muitas pessoas, por não buscarem ajuda a tempo, chegam no fim das suas vidas em um piscar de olhos”, destaca.
Reflexões e recomendações
A conclusão da pesquisa da UCPel traz a avaliação de que se trata de um problema silencioso impulsionado por múltiplos fatores: condições de trabalho precárias, longas jornadas e exposição constante ao risco criam um ambiente de grande vulnerabilidade. De acordo com o relatório, é essencial fortalecer programas de saúde mental específicos, com acompanhamento contínuo e preventivo.
Além disso, campanhas de conscientização podem incentivar os policiais a buscar ajuda sem receios. A nota também julga necessário reduzir jornadas excessivas e ampliar o suporte disponível, de modo a identificar com antecedência o sofrimento psicológico. “Enfrentar esse problema exige um esforço conjunto do Estado, das corporações e da sociedade”, fecha o boletim.