Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), 13 em cada cem casos de câncer no Brasil são atribuídos ao sobrepeso e à obesidade.
O dado é alarmante, pois a partir de um estudo da Universidade Federal de Pelotas (UFPel) em parceria com a organização global de saúde pública Vital Strategies apontou, em 2023, que 56,8% dos brasileiros estavam com excesso de peso e com obesidade.
A tendência, conforme a pesquisa, é um aumento desse percentual.
Na busca por dietas milagrosas e imediatistas, como jejuns prolongados e até mesmo o uso indiscriminado da caneta de semaglutida, o resultado pode ser mais saudável e duradouro quando orientado por profissionais.
Para o autor do estudo, professor de Epidemiologia Pedro Curi Hallal, o levantamento de dados é essencial na população brasileira que reverteu o cenário no país que tinha há algumas décadas maior preocupação com a desnutrição e hoje a obesidade atinge um percentual muito maior da população brasileira.
O levantamento apontou que a taxa de pessoas com índice de massa corporal (IMC) igual ou acima de 25 chega a 68,5% na faixa etária com idade entre 45 e 54 anos e a 40,3% entre os mais jovens, com 18 a 24 anos.
“Infelizmente, a obesidade está relacionada com aumento do risco de várias doenças crônicas, como infarto, diabetes, hipertensão. Portanto, monitorar as tendências de obesidade no país é cada vez mais prioritário”.
A presidente da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia Regional RS, a médica Letícia Schwerz Weinert, que é professora do Curso de Medicina da Universidade Católica de Pelotas (UCPel), cita algumas alterações como aumento do triglicerídeo e do colesterol, que leva às doenças cardiovasculares, mas alerta que a obesidade é uma doença crônica.
“Em uma consulta, avaliamos todos os fatores de risco que podem estar causando a obesidade ou agravando e também as consequências que a doença traz. A importância da avaliação médica é para o uso ou não de medicação, pois remédios podem auxiliar na perda de peso e no tratamento da obesidade, sendo que deve ser avaliado quais são mais apropriados para cada paciente. A automedicação é muito perigosa”, enfatiza.
Causas
“Hoje nós sabemos que existem fatores genéticos, fatores ambientais, comportamentais, até mesmo intrauterinos que influenciam nos nossos hábitos alimentares e no nosso ganho de peso”, aponta a médica.
Para Letícia, a obesidade tem uma causa multifatorial e incomoda aos pacientes e aos médicos especialistas.
“A pessoa obesa é taxada de preguiçosa, ou escuta algo como: é só fechar a boca que emagrece. Não é bem assim. Ela é uma doença e sabemos a causa. A etiologia dela não é uma escolha do paciente, então existem muitos fatores envolvidos com isso”.
Entre os citados pela médica estão fatores de risco comportamentais, genéticos, sedentarismo e um ambiente obesogênico.
Acompanhamento
Letícia explica que quando se trata da obesidade, não necessariamente se busca o peso ideal do paciente e sim metas realistas, conforme consta da última diretriz brasileira.
“O paciente que consegue perder 10%, 15% do seu peso, ele já está num sucesso terapêutico muito bom, porque nós já sabemos que perder 10% a 15% do peso reduz as complicações da obesidade, e as complicações crônicas.”
Caneta do emagrecimento
Conhecida por revolucionar os tratamentos para emagrecer, o uso de medicamentos para diabetes é preciso ser visto com atenção.
Letícia conta que recentemente um dado aponta que uma caneta – que não é a da semaglutida e sim da tirzepatida -, reduziu mais de 90% dos casos de diabetes tipo 2 em pacientes que já estavam pré-diabéticos e com obesidade.
“Uma medicação altamente eficaz, prevenindo então o diabetes em pacientes que já estavam com obesidade e com pré-diabetes”, revela.
Sobre a semaglutida, a professora conta que se tornou um remédio prescrito pela classe médica porque tem no Brasil e tem comprovação científica robusta para perda de peso, melhora do açúcar, inclusive em pacientes já com diabetes.
“Reduz até outros problemas em pacientes com diabetes, como a nefropatia e as doenças cardiovasculares, além disso mostrou melhora na gordura, na apneia do sono e na pressão arterial”.
Recentemente houve comprovação de redução da dor no joelho em pacientes com lesão, como artrose.
“Mostrou até mesmo redução de 11 tipos de câncer em comparação com pacientes que usavam insulina”, revela a médica ao referir-se à popularização do fármaco.
“Mas infelizmente, alguns pacientes têm feito a automedicação, o que não é recomendado”.
Rotina
Alinhar a rotina à atividade física com uma alimentação regrada é o primeiro passo.
Ter uma higiene do sono também resulta em melhorias diante da questão do peso.
“A privação do sono é associada com uma ingestão de maior caloria no dia seguinte”, conta.
Por isso, é preciso organizar o dia, não necessariamente ter uma rotina tão rigorosa, com a mesma comida, na mesma hora, o mesmo exercício, mas ter metas, horas de sono apropriadas. Encaixar tudo isso em um dia corrido é um desafio, admite a professora.
“Mas é preciso ter coisas estabelecidas que já estão bem estudadas e que vão nos ajudar a ter o emagrecimento”.
Atividade física
Pelo estudo da UFPel de 2023, dos jovens de 18 a 24 anos entrevistados, 17,1% estão com IMC acima de 30.
Eles fazem parte do grupo que menos consome frutas, verduras e legumes de maneira regular.
Já o consumo de refrigerantes e sucos artificiais, considerado um marcador de alimentação não saudável, também se destaca nessa faixa etária – 24,3% dos jovens acusaram consumo frequente (cinco vezes ou mais na semana).
Além disso, apenas 36,9% deles praticam os 150 minutos semanais de atividade física recomendados pela Organização Mundial da Saúde (OMS).
A atividade física é um pilar essencial durante a perda de peso, principalmente porque não se deseja a perda de massa magra durante esse emagrecimento.
“Se o paciente conseguir fazer 150 minutos de exercício por semana, e ressalto aqui, que o ideal é que tenha exercício de força”, completa a endocrinologista.
Dietas
Algumas das desculpas para mudar hábitos alimentares é de que uma dieta saudável é cara.
Mas a endocrinologista diz que é possível fazer uma dieta balanceada e saudável que contenha proteínas, carboidratos, frutas e legumes.
A dica é aproveitar as frutas e legumes da estação.
Na opinião da médica, o custo fica elevado porque tem pessoas que costumam comprar um whey protein, ou de importar oleaginosa, castanha mais cara ou até mesmo um pão.
Tendência
Infelizmente, para o pesquisador Pedro Hallal a maioria das pesquisas mostra uma tendência de aumento da obesidade na população brasileira.
Portanto, ainda há muito a ser feito.
“Iniciativas de promoção da alimentação saudável e atividade física são essenciais para reverter esse cenário. Em Pelotas, por exemplo, o Projeto Ruas de Lazer é uma excelente iniciativa que visa promover saúde na população.”
Exemplo de superação
Alice Carminatti Scussiatto, 18, vem de uma família com tendência à obesidade. A mãe fez bariátrica e cuida mais da alimentação.
A jovem sempre teve gosto pelo esporte, e manteve-se ativa, fatores que não foram suficientes para chegar no final da infância e início da adolescência com alguns quilos a mais, o que lhe causou problemas com a imagem.
“O sobrepeso tem um significado social também, então a gente se vê como uma pessoa que não se cuida, que é flechada e isso acaba acentuando em outros movimentos que a gente escolhe na vida”. conta.
Foram alguns processos de emagrecimento, com efeito sanfona, com idas e vinda à nutricionista até uma intervenção com medicamentos: a caneta do emagrecimento, mas que não surtiu efeito a longo prazo.
O processo de emagrecimento sustentável foi no início de 2023, quando a jovem se desvinculou do esporte competitivo, e buscou na academia fins estéticos.
“Aos 16 anos, passei a ter alguns outros hábitos, até tentar tomar bastante água, além de consumir conteúdos nas redes sociais que me mostrassem o que fazer para chegar ao ponto de me enxergar e gostar do que eu estava vendo no espelho”.
Para isso, a jovem modificou os ambientes virtual, passou a ouvir profissionais que realmente tivessem embasamento.
“Mas a atividade física foi o pontapé inicial, foi o primeiro hábito bom que levou a outros, e a buscar coisas boas dentro da rotina. Hoje eu pratico musculação e fortalecimento muscular, faço natação e pratico corrida.”
A inclinação levou Alice, que é natural de Florianópolis, a cursar Educação Física na UFPel e em meio aos estudos, ela não descuida da rotina.