Você já fez a sua listinha de 2025? Nela está o que deve ou não fazer, incluindo cuidar mais da saúde mental no ano que se aproxima? É do tipo que estipula metas ou se deixa levar pela rotina? Tantos questionamentos podem ser uma cilada para quem tem tendência à nostalgia com as datas de final do ano, período que finda um ciclo e se inicia outro, o que para muitas pessoas pode representar um peso muito grande. Entender por que o Natal e Ano Novo podem desencadear depressão é o tema deste caderno que deseja uma saúde mental ótima para a chegada no novo ano.
A psicóloga Luana Porto Barbosa, especialista em orientação analítica e psicanálise e doutora em saúde e comportamento, acredita que criar metas, traçar novos projetos e ter novos sonhos e objetivos, ajudam a seguir a vida de uma forma mais tranquila, saudável e feliz. “É importante sempre pensarmos qual é a nossa régua, ou seja, quais são as pessoas que admiramos, nos espelhamos e o que realmente fará sentido correr atrás, no próximo ano”, aponta. Luana explica que em alguns momentos, as pessoas se colocam em comparações ou situações, justamente para boicotar a capacidade de sentir o prazer das conquistas. “Importante entender o que realmente fará sentido para ti, dentro da tua individualidade, para não cair em frustrações desnecessárias”.
Lista de afazeres
Traçar metas junto aos familiares ou pessoas amada é algo extremamente importante para nutrir afetos e ter uma equipe junto no ponto de chegada. “Isso estreita laços, desenvolve a empatia, e, a conquista de um, vira a alegria de todos”. Para a psicoterapeuta de Orientação Psicanalítica, doutora em Educação Amante da Arte e de Filosofia, Lisandra Berni Osorio, a cada fim de ano é comum refletir sobre as coisas realizadas e as que deixaram de lado. No entanto, as pessoas esquecem que cada dia é uma oportunidade para caminhar em direção à vida que se deseja. “Não caminhamos tudo de uma só vez. Cada novo despertar renasce nossa promessa de fazer diferente algumas coisas as quais julgamos necessárias. Mas nem todos nós enfrentamos os desafios com apoio de alguém ou com condições subjetivas de fazê-lo em determinados momentos. Saber pedir ajuda é um ato de coragem”, destaca.
Frustrações
As especialistas explicam que o surgimento de alguns sintomas depressivos é algo normal da personalidade. “Sempre aconselho que não fuja do que tu possas sentir: se sentir tristeza, acolha ela e aproveite para crescer com a dor das metas que não foram alcançadas e, mais importante ainda, avalie se não é algo de sua personalidade que te sabota e faz com que tu te coloques em situações para que sempre sinta isso: minhas metas são inalcançáveis”, esclarece Luana.
Qualquer sintoma depressivo que predomine, por mais de duas semanas, com sensações ruins quase todos os dias, é um alerta para buscar ajuda profissional e avaliar tais sintomas, informa.
Rede de apoio
Em Pelotas, pessoas com mais de 18 anos que apresentam sofrimento mental moderado (depressão, ansiedade) podem encontrar uma rede de apoio pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Os pacientes são avaliados e encaminhados pelas equipes da Atenção Primária em Saúde. A coordenadora do Ambulatório Especializado de Saúde Mental em Pelotas, Mariglei Argiles, que é assistente social, especialista em Atenção Psicossocial no âmbito do SUS e mestre em Política Social, explica que o ambulatório tem como meta central, através da discussão de casos, promover agilidade no cuidado, qualificar encaminhamentos, otimizar, promover e ampliar acesso à intervenções compartilhadas de cuidado em saúde mental à população.
Os encaminhamentos são feitos através do preenchimento de um guia e o acolhimento ocorre no momento que o usuário chega ao ambulatório, dispensando o agendamento. Os casos são avaliados e discutidos pela equipe técnica para análise do quadro geral e psicossocial, classificando a gravidade, assim como o Plano Terapêutico Singular. Atualmente a equipe é formada por três médicos, seis psicólogos, duas assistentes sociais e dois administrativos. O ambulatório ficava na rua General Osório, 458, mas devido aos seguidos arrombamentos, irá atender em forma de plantão no Centro de Especialidades da Voluntários da Pátria, 402.
Alguns passos para refletir neste final do ano, segundo a psicóloga Lisandra Berni Osorio
Passo 1: o real é mais interessante que o ideal
Quantas vezes idealizamos pessoas, situações, metas? Eu diria que é da natureza humana projetar no outro formas de ser, nas situações condições para acontecer, em si mesmo um ideal a ser seguido, seja pelo medo do julgamento, seja porque necessitamos agradar um outro que muitas vezes está dentro de nós. Por isso, ouvir a voz do próprio desejo é aproximar-se de aspectos de nosso si mesmo que potencializam determinados objetivos e se proliferam na relação com o outro.
Passo 2: a saúde é um vaso japonês
Conquistar a saúde, sem separar corpo e mente, pois somos seres integrais, é algo muito singular, o que pode causar um desconforto ou adoecimento para nós, pode não se dar da mesma forma para outras pessoas. De um modo geral, sabermos o que causa alegria e tristeza em nosso corpo já é um grande passo para o autoconhecimento. A metáfora da técnica Kintsugi do vaso japonês, nos mostra que, tanto as rachaduras provocadas pelo tempo, quanto o percurso dos traumas, podem ser reparados com um fio de ouro. De um modo geral, sabermos o que causa alegria e tristeza em nosso corpo já é um grande passo para o autoconhecimento que o cuidado de nosso si mesmo precisa. Isso nos ensina que nossas imperfeições ganham um valor novo fazendo com que o desgaste e os desafios provocados pela vida são religados pela força que pode ter nossa aceitação dos acontecimentos. Amar ao destino para com ele transvalorar as coisas da vida.
Passo 3: a vida é uma dança
A flexibilidade não significa perder a firmeza, ao contrário, ela move sua força ao nosso favor, sem culpa, sem cobranças e sem exigências que venham nos enrijecerem. Se caímos, temos a chance de nos recuperarmos e levantarmos. Se cansamos no meio do caminho, pausamos para seguir noutro momento. Se ficar difícil, compartilhar e pedir ajuda torna a jornada mais fluida.
Passo 4: caminhar é preciso
Se pararmos para pensar que a vida é movimento desde nosso primeiro ato: nascer. Poderemos perceber, então, que as metas de Ano-Novo não atingidas, as frustrações inerentes ao caminhar, são coisas que acontecem porque estamos vivos, e viver, não tem manual, não há precisão em suas métricas. Mas seguir em frente, mesmo que vez ou outra paremos para ganhar fôlego, é da ordem de uma necessidade humana.
Passo 5: tomar doses diárias de sol
Na era em que dicas de autocuidado estão em alta, sobretudo depois do momento pandêmico pelo qual passamos, sabemos que a “vitamina D” sintetizada na exposição ao sol não só fortalece o sistema imune, como pode ser aliada para prevenir e tratar a depressão. Além disso, ter um sono de qualidade, uma alimentação saudável, praticarmos atividade física e lidar com o estresse, são remédios poderosos.
Passo 6: o som do silêncio pode ser música aos nossos ouvidos
Ouvir a própria voz, em solidão ou nas conversas com alguém, ouvir o som das aves ou do silêncio quando estamos acompanhados de nós mesmos, ouvir as músicas favoritas ou descobrir novas melodias; tudo isso, pode ser um ato de atenção com o momento presente. As crescentes ansiedades de nossos cotidianos, o medo do futuro, as prisões do passado, cada vez mais são motivos para que estudos sobre práticas meditativas evidenciem seu poder de cura ou alívio.
“O mais importante é oferecer acolhimento, realizando uma escuta interessada”
Com atuação de 20 anos e experiência no atendimento a vítimas de violência, em casos de ansiedade, depressão e relacionamentos, a psicóloga, Genaíne Ança, que tem especialização em Saúde da Família e Terapia Cognitivo Comportamental, conta como é o trabalho no Ambulatório de Saúde Mental de Pelotas.
Por que o fim de ano é sempre tão penoso para algumas pessoas?
Nesta época do ano, é bem comum encontrarmos pacientes, amigos e até familiares com um certo nível de sofrimento emocional em função do final do ano. Já percebemos maior procura por ajuda no ambulatório e consultório particular. Somos, de alguma forma, estimulados a refletir sobre o ano que passou, realizar uma autoavaliação e definir metas para o próximo ano, o que pode trazer à tona sentimentos de tristeza, frustração ou angústia. Além disso, participar de festas com familiares e amigos pode gerar pressão e ansiedade, especialmente para aqueles que estão passando por dificuldades financeiras, solidão ou luto. A falta de entes queridos, desentendimentos familiares e a sensação de solidão são agravantes que se tornam ainda mais marcantes no contexto do Natal e do Ano Novo. Por fim, as mudanças na rotina e a correria típica dessa época podem causar estresse adicional.
Para as mais inclinadas à depressão, como é possível lidar. O que é possível dizer?
Nesses momentos, o mais importante é oferecer acolhimento a essa pessoa, realizando uma escuta interessada, gentil e sem julgamentos. Incentivar essa pessoa a conversar, sem pressões, sobre o que está difícil, já pode aliviar a carga emocional. Além disso, oferecer auxílio para buscar ajuda profissional pode ser fundamental em alguns casos.
Qual o trabalho do Centro de Atendimento com os grupos atendidos? Se fala em festas de fim de ano, de saudades, lembranças?
Os grupos são divididos por gênero, idade e até demandas específicas. Recentemente, a psicóloga Tais Santos e eu trabalhamos com grupo de luto, o que foi um desafio para ambas, já que se trata de um assunto tão delicado e que poucas pessoas se disponibilizam a falar. Nos grupos trabalhamos, principalmente, com as demandas trazidas pelos participantes; nesse contexto, assuntos diversos são abordados, tais como: ansiedade, depressão, luto, dificuldades nos relacionamentos, memórias dolorosas, baixa autoestima e muitos outros.
O compartilhar os problemas é uma ferramenta de apoio, reforço, ou seja, um paciente se sensibiliza com a situação do outro e juntos se fortalecem?
Sim. O ato de compartilhar pode ajudar a aliviar a carga emocional, promover a empatia e fortalecer os laços sociais. Além disso, ao compartilhar, as pessoas podem obter novas perspectivas sobre os seus problemas, alívio emocional e o crescimento pessoal. Participar de um grupo de psicoterapia pode ser estranho no início, mas a experiência do Ambulatório nos mostra que os resultados, em sua grande parte, são de crescimento emocional e social. Todos saímos com algo a mais na bagagem, que nos ajuda a lidar com os conflitos de diferentes formas e com a sensação de que não se está tão sozinho.