O decreto 12.341/2024, assinado pelo presidente Lula Inácio Lula da Silva (PT) e publicado no dia 24 de dezembro delimitando o emprego de armas em ações policiais, ainda tem 90 dias para ser regulamentado, mas já causa polêmica. Três governadores e uma ala de parlamentares são contra a medida que estabelece que a arma seja o último recurso, diretriz que já está embasada na Portaria Interministerial 4.226, de 2010 e na Lei 13.060/ 2014. No Rio Grande do Sul, a Secretaria de Segurança Pública adianta que a normativa não implica em alterações nos procedimentos das corporações, pois elas já são empregadas.
Pela polêmica gerada, o ministro da Justiça e Segurança, Ricardo Lewandowski, anunciou em entrevista que deve antecipar para janeiro a regulamentação do decreto. Já o secretário nacional de Segurança Pública, Mário Sarrubbo, afirma que a medida não busca dificultar o enfrentamento à criminalidade no Brasil e sim que armas só poderão ser usadas quando outros recursos de “menor intensidade não forem suficientes para atingir os objetivos legais pretendidos”.
O texto também prevê que as ações policiais não deverão discriminar pessoas em razão da cor, raça, etnia, orientação sexual, idioma, religião e opinião política. A pasta ainda prevê treinamento para os profissionais de segurança pública. O monitoramento do cumprimento das medidas será feito pelo Comitê Nacional de Monitoramento do Uso da Força, colegiado que será criado para fiscalizar a implementação do decreto.
Nada muda no RS
Em nota, a SSP diz que as medidas que são colocadas no decreto já são aplicadas nos procedimentos operacionais das forças de segurança do Rio Grande do Sul, o que não irá gerar nenhum impacto na formação de policiais, além da manutenção das orientações para ações estratégicas nas ruas.
Análise
O professor do Programa de Pós-Graduação em Política Social e Direitos Humanos da Universidade Católica de Pelotas (UCPel), Aknaton Souza, considera essa alteração mais como um efeito político, pelo fim, do que prático, porque a realidade das ações policiais transcende a questão legal. “Quando nós vemos abusos, eventuais violências, violações de direitos humanos, práticas de tortura e outras formas de crueldade, isso não ocorre porque a lei permite ou proíbe”, observa.
O que é questionável, segundo o especialista, é publicar um decreto no final de 2024, regulando uma legislação já existente e que em tese deveria estar sendo cumprida. “A Lei de 2014 já estabelecia uma recepção de diretrizes normativas internacionais sobre o controle da violência estatal e da violência policial, sobretudo nessa tensão que há entre o uso da polícia pelos governadores”, analisa.
Para o professor, essa prática deveria ter sido regulada há muito tempo. “Trata-se de convenções internacionais que o Brasil é signatário e, portanto, vem desrespeitando historicamente. O país já é condenado, internacionalmente, por violações de direitos humanos, sobretudo em relação à questão policial”, cita o especialista.
Tema complexo
Na prática, Souza reforça que o decreto não terá efeito sobre as ações policiais, porque o tema é bem mais complexo, se aprofundado. “Envolve a legitimidade da prática policial e a tolerância que há pelas instituições de segurança e instituições judiciárias, como o Ministro Público, o Poder Judiciário, que muitas vezes é condescendente com a prática da violência, como revelam diversas pesquisas”. O movimento político, na opinião do especialista, é importante, mas não ao ponto de mudar a cultura da violência.
Indicadores
O decreto foi publicado no dia em que uma jovem de 26 anos foi alvejada por policiais rodoviários federais, no Rio de Janeiro, após confundirem o veículo com o de bandidos. Um estudo publicado pela Rede de Observatórios da Segurança mostra que 4.025 pessoas foram mortas por policiais no Brasil em 2023. Em 3.169 desses casos foram disponibilizados os dados de raça e cor: 2.782 das vítimas eram pessoas negras, o que representa 87,8%.