Vicente Gil, 79 anos, é um barbeiro conhecido pela comunidade pelotense. Há 55 anos, o homem se dedica ao ofício com paixão e maestria, conquistando um público fiel e diversificado. Seu salão, localizado em uma das salas anexas à parte externa do Mercado Central, já se tornou um ponto de encontro e conversa, carregando consigo a memória viva de Pelotas. Ao longo de décadas, Vicente testemunhou as transformações do Mercado, e seu salão acompanhou estas mudanças, transportando-se de lugar para os quatro cantos do prédio, sem deixar de lado seu charme acolhedor. Com a tesoura em mãos e muitas histórias para contar, o barbeiro segue atendendo no mesmo ritmo e não pretende parar tão cedo.
O que motivou você a seguir a carreira de barbeiro?
Barbeiro é uma profissão boa e eu gosto dela. Aprendi quando tinha 16 anos, em 1962. Trabalhei durante três anos, de 1962 a 1965. Em 65, fui ao quartel e larguei a função, fui “quebrar a cabeça” um pouco. Retornei em 1968 para 1969, quando o Mercado Central pegou fogo. Nunca irei esquecer, foi no dia 4 de setembro de 69. Eu já estava aqui, mas no lado da Andrade Neves.
Como você descreve as mudanças no Mercado ao longo do tempo?
Aqui nós tínhamos a Ceasa, era aqui. Por isso, os caminhões encostavam com todos os produtos e as carretas de boi também paravam aqui. Caminhões de banana descarregavam aqui na frente. Peixe se vendia na rua. O Carnaval acontecia aqui. Tinha banca de melancia em toda a volta, principalmente ali na rua 15 de Novembro. Tudo isso era o Mercado e tudo também trazia o movimento. Tínhamos o abrigo de ônibus aqui do lado. E aqui dentro tinha tudo que se precisava: galinha viva ou galinha morta. Eu vi 23 açougues dentro do mercado. Com o decorrer do tempo, não tem mais nada. Tudo que se queria tinha, e hoje é mais difícil ter as coisas aqui. O Mercado Central era uma espécie de supermercado, mas mais forte do que os que existem hoje. O mais marcante que aconteceu foi o incêndio, que deixou todo mundo sem nada. Não perdi o salão, mas por dentro se perdeu tudo. Era gente chorando porque perderam tudo.
Como você define a relação com a clientela durante tanto tempo?
Não tenho clientes, tenho só amigos. Atendo quatro gerações de clientes, e todos são meus amigos e frequentam o salão. Esses são os amigos que eu tenho. E foi isso que fortaleceu o meu trabalho por tanto tempo. E pretendo ficar até quando Deus me dizer: “não vem mais”. E eu gosto da minha profissão. Gosto de criar, de fazer, de conversar com o freguês e deixar todos eles satisfeitos. Sem contar as amizades. Eu digo para todo mundo que o velho tem que trabalhar para não pensar em nada, que assim ele vive. E eu me adapto com o tempo. O barbeiro é um aprendiz, sempre descobrindo cortes novos. Dessa forma, me mantenho.