Pelotas registrou aumento de 30% nos casos de violência sexual contra vulneráveis. Os dados são do último Boletim Técnico do Grupo Interdisciplinar de Trabalho e Estudos Criminais-Penitenciários (Gitep) da Universidade Católica de Pelotas (UCPel). A base são as ocorrências entre 2022 e 2023 na Polícia Civil – portanto oficializadas – e serve de evidência para um cenário de alerta. Para o grupo, o resultado ultrapassa os limites do aceitável em termos de segurança pública e justiça social. Os registros até outubro deste ano podem amenizar a situação por corresponder a 64% do total do ano passado, restando dois meses para o final do ano.
Das ocorrências registradas na Delegacia de Polícia de Pronto Atendimento (DPPA) e que vão para a Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente (DPCA) são investigados casos de menores de 18 anos, segundo adiantou a delegada substituta Walquira Meder. O professor da UCPel e orientador Aknaton Toczek Souza lembra, entretanto, que o estupro de vulnerável não se refere apenas a menores, embora sejam as principais vítimas pelos dados registrados.
Na defesa desses menores, o Conselho Tutelar atua junto à Rede de Proteção, desde atendimento individual com as famílias de vítimas de violência até a articulação das políticas públicas. “Como forma de prevenção, fazemos muita roda de conversa e palestra nas escolas. Essa ação é parte do treinamento para que tanto os professores quanto os próprios adolescentes e crianças possam saber identificar situações de violência sexual. Consigo e com outros”, relata o conselheiro Ronaldo Quadrado. O Conselho ainda faz requisição de serviços da rede para atendimento de vítimas.
Diagnóstico
O boletim apontou que dos 147 casos registrados no ano passado, somados aos 94 entre janeiro e outubro, as áreas centrais da cidade concentram mais ocorrências, com 19% (veja quadro). O lar representa 57,67% no recorte de local mais violento para as vítimas. Já os crimes têm maior frequência à tarde, seguido pela manhã (período em que o principal responsável está fora de casa).
O Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2024 revela que violência sexual ainda é responsável por metade das agressões contra meninas de dez a 14 anos. No mesmo período comparativo em Pelotas (2023 e 2024), 24% das vítimas têm entre 12 e 14 anos. Os agressores, na maioria dos casos, são homens próximos à vítima, como avôs, padrastos, tios e outros familiares. “Esse cenário denuncia um ciclo de violência intrafamiliar, frequentemente invisível tanto para a sociedade quanto para as autoridades”, aponta o documento.
Invisibilidade e subnotificação
A preocupação do Gitep em relação aos crimes sexuais, especialmente contra crianças e adolescentes, é porque eles seguem sendo uma das formas de violência mais subnotificadas, executadas dentro de casa e por pessoas que, em tese, deveriam proteger. “Apesar do aumento no número de denúncias nos últimos anos, uma quantidade significativa de abusos continua invisível às autoridades, evidenciando a necessidade urgente de estratégias mais efetivas e abrangentes de enfrentamento”, expõe o documento.
O juiz da 4ª Vara Criminal, especializada em crimes sexuais contra criança e adolescente, Ricardo Arteche Hamilton, diz que há dois pontos que são notados no tema, mas que não foram abordados no relatório. “A vulnerabilidade das vítimas, esta, embora lançada pelo legislador, é verificada pelo agressor em várias outras circunstâncias, as quais devem ser consideradas por quem tem a responsabilidade de proteção”, observa. Para o magistrado, crianças sem pouca atenção, por várias razões, são o alvo específico dos predadores sexuais, pois estes se dão conta dessa vulnerabilidade que, em tese, não vem prevista em lei.
Outro ponto observado é a necessidade de o Poder Público instruir os responsáveis pelo cuidado em detectar eventuais abusadores, através do comportamento. “Não como pessoas violentas, ou agressivas, mas ao contrário. Esses predadores passam segurança, confiança e proximidade com os responsáveis pelas crianças, assim, tem a aprovação”, exemplifica. Para o magistrado, esse cenário exclui qualquer forma de defesa da criança que fica temerosa em denunciar o fato sobre pessoa da qual recebe total confiança de seu responsável.
Como prevenir
Os responsáveis pelo levantamento foram Felipe Schmals Silveira, Laura Alves Menon e Samira Ribes Kohn com a supervisão de Souza. Para eles, quando se trata de violência sexual, especialmente o estupro de vulneráveis, fala-se de um crime grave, uma vez que crianças e adolescentes, muitas vezes, não compreendem plenamente o ato violento a que são submetidos. “Essa vulnerabilidade cria barreiras tanto para a proteção das vítimas quanto para a responsabilização dos agressores, que se aproveitam do silêncio ou da falta de entendimento das crianças para permanecer impunes. A conscientização sobre esse tema deve ir além dos casos já ocorridos, integrando-se ao cotidiano da sociedade, das escolas e lares”, consideram, em nota.
A violência em números
Casos de estupros de vulneráveis por ano
2022 – 113
2023 – 147
2024 (até outubro) – 94
Frequência por bairro (2023 e 2024)
Centro – 46
Fragata – 29
Vila Princesa – 25
Areal – 23
Três Vendas – 14
Locais
Residência – 139
Outros – 78
Escolas – 12
Via pública – 4
Hospitais/clínicas – 2
Estabelecimentos comerciais – 2
Rodoviária – 1
Idade das vítimas
0 a 2 – 12
3 a 5 – 42
6 a 8 – 30
9 a 11 – 41
12 a 14 – 58
15 a 17 – 16
18 a 20 – 3
21 a 30 – 9
31 a 40 – 5
41 a 50 – 3
51 a 60 – 1
Horário
Manhã – 79
Tarde – 99
Noite – 54
Madrugada – 9