Há alguns anos, um projeto idealizado pelas professoras Geneci Ávila, Josiane Dias e Regina Santos promove atividades mensais nas escolas de Pelotas para abordar questões raciais e valorizar a cultura afro-brasileira. Isso cumpre a Lei 10.639, que torna obrigatório o ensino de história e cultura de matriz africana, desde figuras históricas e direitos constitucionais, até símbolos culturais. Com apoio de pais, escolas e professores, a iniciativa tem tornado os alunos mais conscientes e críticos sobre racismo e diversidade cultural.
A perspectiva antirracista sob a qual trabalha Geneci, professora na escola Ondina Cunha, no centro da cidade, usa a temática afro-brasileira na didática de aprendizagem de diversos conteúdos, assim como o ano todo. Os alunos de primeiro e segundo anos do colégio já têm o hábito de se aprofundar na literatura negra dentro de sala de aula, um costume instituído por ela e reforçado por outras pedagogas. Em todos os meses do ano letivo, o dia 20 significa a culminância do projeto que foi explorado no período de 30 dias.
“Nós temos a lei, então procuro trabalhar durante o ano inteiro com o tema”, aponta Geneci. “Neste 20 de novembro, estou trabalhando com Moçambique e as capulanas. Trouxemos tecidos, fotos e possibilidades do que se pode fazer com esse tecido. Eles olharam o globo terrestre, procuraram Moçambique. Mostrei que este país não é só pobreza. Temos as praias, o povo alegre e a dança”, completa.
Feriado nacional pela primeira vez
Um dos assuntos comentados em sala de aula nesta semana foi a transformação do Dia da Consciência Negra em um feriado nacional, celebrado pela primeira vez neste ano. Segundo a professora, os estudantes estão cada vez mais inteirados sobre a trajetória de luta social pela igualdade racial. “As crianças já conseguem dialogar, explicar o porquê do feriado e a importância de não ser racista”, afirma.
Construção de antirracistas
Em um outro educandário da cidade, Geneci leciona para alunos alguns anos mais velhos. Ela já percebe uma enorme evolução na capacidade de discussão e atuação dos pequenos em debates raciais. Isso inclui análises profundas sobre casos contemporâneos, como, por exemplo, associados ao futebolista brasileiro, Vinícius Júnior, uma vítima recente de ataques racistas na Espanha. “Se vê que há uma construção. Acontece algo com o Vini Jr. e eles debatem sobre o tema em sala de aula. Sabem que existe a lei do racismo”, conta Geneci.
Escola comprometida
A diretora da escola Ondina Peres, Cláudia Ferreira, também carrega uma bagagem de enfrentamento à desigualdade racial. Ela conta que foi a primeira secretária municipal negra em Pelotas e hoje se esforça na luta pela consolidação de uma educação antirracista. “Não queremos que uma única professora faça isso, mas sim que um conjunto de professores trabalhem para que a escola venha a colocar em prática o que está na lei, para usar ela como metodologia de ensino”, explica a gestora.
De acordo com Cláudia, mais de 80% das meninas que frequentam a escola no turno da manhã são negras. “Isso faz com que tenhamos mais que a obrigação. É o comprometimento de mostrar a essas meninas que é possível buscar os mesmos direitos e oportunidades que qualquer outra pessoa não negra”, conclui.
Moçambique e as capulanas
Como cita a professora Geneci, a última atividade antes do feriado do dia 20 foi um estudo sobre Moçambique e as capulanas africanas, panos que tradicionalmente são usados pelas mulheres no país. Depois de aprender sobre as características culturais por trás do vestuário, a turma de cerca de 15 meninas desenhou e coloriu as próprias capulanas em partes de cartolinas, montando roupas para serem expostas em um desfile na escola.
A aluna Alícia Valente, que completou oito anos na última terça-feira, relata ter gostado muito de aprender sobre o país africano e seus costumes, destacando os aspectos culturais como um convite à sua criatividade. “Elas [moçambicanas] dançam muito bem, eu fiquei acompanhando as danças delas. E elas usam roupas bem detalhadas e coloridas também, assim como eu estou fazendo”, diz a menina.
Assim como a coleguinha, Isabela Zimmermann, mostra com orgulho o seu esboço de veste africana. “Eu estou aprendendo mais um pouco sobre o que eu já aprendi sobre a África. Gosto muito de aprender coisas novas. Sei bem que nunca se pode falar mal de alguém, mesmo se ele tiver alguma coisa diferente. Porque a diferença é uma coisa que nos torna único”, define a estudante de oito anos.