Chimarrão: uma companhia para todas as horas
Edição 19 de julho de 2024 Edição impressa

Quarta-Feira4 de Dezembro de 2024

Corpo e mente

Chimarrão: uma companhia para todas as horas

Símbolo de hospitalidade e ancestralidade, o mate é uma tradição que faz bem à saúde física e mental

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Chimarrão: uma companhia para todas as horas
Companheiro em rodas de amizade e encontros de família, chimarrão é capaz de gerar benefícios à saúde física e mental. (Foto: Jô Folha)

Símbolo da hospitalidade e da ancestralidade, o chimarrão ou mate está presente no dia a dia dos gaúchos. Companheiro nas rodas de amizade, nos encontros de famílias, durante as viagens e até mesmo no trabalho é capaz de fazer bem à saúde física e mental das pessoas, desde que seja ingerido na dose e temperatura correta. Para especialistas, a bebida símbolo do Rio Grande do Sul – determinada por Lei Estadual – tem muitos benefícios, não oferece risco à saúde, é um ótimo estimulante, mas também requer cuidados. Não por acaso, sua potencialidade foi descoberta pelos povos indígenas da América do Sul e a planta nativa IIex paraguariensis já era consumida há milênios.

Para o especialista em medicina integrativa, Álvaro Louzada, o mate já era consumido antes da colonização europeia. Com o decorrer dos anos, os estudos apontam que o chimarrão melhora o status físico e mental por tem cafeína na sua composição. “A bebida nos dá energia e, em doses corretas, melhora nossa cognição, nossa capacidade de raciocínio, e a nossa memória”, conta. Por conter polifenóis, ajuda a combater os radicais livres, retardando o envelhecimento. Além disso, tem efeito diurético que ajuda os hipertensos.

O cardiologista Luiz Roberto Ruschel explica que a erva-mate tem benefícios para o sistema cardiovascular, visto ser antioxidante e também ajudar a diminuir o colesterol LDL, que é o colesterol ruim. Mas ele alerta que tudo em excesso pode ser prejudicial. Por isso a ingestão em doses certas.

A nutricionista e doutora em Ciência e Tecnologia de Alimentos, Marjana Radünz, também traz informações sobre os benefícios do chimarrão para a saúde. Feito a partir das folhas secas da planta Ilex paraguariensis, a bebida oferece muito mais do que um sabor característico e uma experiência cultural, segundo a profissional. “A erva-mate apresenta em sua composição diversos compostos bioativos, como os polifenóis, é rica em vitaminas A, C, D, E e do complexo B e em minerais como potássio, magnésio, cálcio, manganês, ferro, selênio, fósforo e zinco. Ainda possui considerável teor de saponinas, cafeína e teobromina”.

Entre os benefícios apontados, a nutricionista deixa claro que o chimarrão não substitui o consumo de água indicado para as pessoas. “A água pura é isenta de substâncias que estimulam o sistema digestivo e nervoso, permitindo uma hidratação mais eficiente e neutra para o organismo. Já o chimarrão, por apresentar cafeína e teobromina em sua composição, apresenta efeitos diuréticos, ou seja, pode aumentar a produção de urina, levando a uma desidratação”, explica.

Na hora certa

Marjana destaca que o consumo da erva-mate é seguro. No entanto, por conter cafeína pode causar insônia. Ainda é contraindicado para crianças, mulheres grávidas, indivíduos com ansiedade, gastrite e pressão alta, já que possui grandes quantidades de cafeína. “Para uma hidratação eficaz e para garantir o bom funcionamento do organismo, é essencial que a ingestão de água pura seja priorizada ao longo do dia. O ideal é consumir o chimarrão como parte de uma rotina balanceada, complementando a hidratação com o consumo adequado de água”, conclui.

Temperatura ideal

O gastroenterologista do Hospital Escola da Universidade Federal de Pelotas (HE/UFPel), Lucas Freire, diz que o chimarrão, em si, não é um alimento que oferece risco, mas o problema está na temperatura da água. “A gente sabe que bebidas quentes, independentemente de qual seja, como os chás e cafés, podem causar uma lesão do esôfago, que é um fator de risco importante para o câncer”, explica.

O Rio Grande do Sul tem uma incidência maior de câncer de esôfago comparado com o restante do país, porém precisa-se de estudos mais detalhados para apontar a água quente do mate como principal causador. “Isso porque há fatores de riscos bem mais frequentes na nossa região, que são o consumo de álcool e o tabagismo. A água muito quente associada à ingestão de álcool e tabagismo pode potencializar o surgimento do câncer”. Para o especialista, a prevenção ainda é a melhor alternativa, pois a evolução da doença aparece com a disfagia, ou seja, a dor ao engolir um alimento. Mas isso ocorre de forma tardia, ou seja, quando a doença está em estado avançado. Outros fatores de risco para o câncer de esôfago, segundo Freire, são a idade, história familiar e a obesidade.

Termômetro

Para não correr risco, o gastroenterologista diz que existe um parâmetro para a temperatura da água a ser consumida, conforme recomenda o Instituto Nacional do Câncer (Inca): abaixo dos 65ºC. “Os chineses estudam bastante esse assunto, pois há uma grande incidência de câncer de esôfago na China por causa do consumo de chá em altas temperaturas. A recomendação é que o consumo seja em torno de 60°C. Então seria na faixa entre 60ºC e 65ºC”. O médico alerta ainda que há outros possíveis fatores em que o consumo do chimarrão pode ser prejudicial: casos de pacientes com refluxo gastroesofágico.

Composição

A extensionista Rural Social da Emater em Pelotas, a nutricionista Leila Ghizzoni, diz que a composição nutricional da erva-mate depende do local onde é produzida, condições de solo, água e ambiente no geral. “É importante observar que seja produzida de forma sustentável e orgânica e observar a individualidade e necessidade de cada indivíduo no seu consumo, ou seja, no formato de chimarrão, chá, e também em diversas preparações culinárias”. Entre as propriedades estão compostos bioativos, que modulam a expressão gênica a resposta inflamatória; cafeína e teobromina – estimulante; contém minerais (potássio, magnésio, manganês, cálcio, ferro, fósforo) e vitaminas complexo B e C – envolvidos em vários processos de equilíbrio no organismo; polifenóis, com ação antioxidante e saponinas – interfere no metabolismo do colesterol e absorção de lipídios.

Relações humanas

A psicóloga do Espaço Terapêutico GerminaSer de Pelotas, Solaine Gotardo, é apaixonada por chimarrão. Para ela, o costume ancestral é sempre um convite à convivência e ao compartilhamento. “Pensar sobre ele é recompor – mesmo sem o uso dessa ou outra definição – o tema dos vínculos e afetos. A ‘roda de mate’ se torna um espaço de atualização de modos coletivos de vida”, considera. A especialista observa que, mesmo praticado solitariamente, é companhia no trabalho e tarefas cotidianas. “Mas também é tempo e espaço para uma prática de atribuição de significações e sentidos aos dias”.

Solaine explica que nas sociedades modernas o costume do chimarrão justifica-se ainda mais, pois diante das relações capturadas pela produção de excessos, as tecnologias, a circulação de informações, os pensamentos e respostas automáticas e demandadas propostas com velocidade, as relações virtualizadas e assim por diante, o mate transfigura uma parada para conectar as pessoas. “Próximas ou distantes, ele ativa emoções que podem não ter sido observadas e nos aporta estágios de consciência com o tempo presente e ou diferentes vivências em distintos contextos ou lugares”, pontua.

No aspecto coletivo, é passagem para o estabelecimento de conexões mais atentas e humanas, tema fortemente afetado e ainda com reflexos tão presentes na era pós-Covid. “A sua manutenção consiste em um ato de abertura para si e para outro, além do fortalecimento de redes afetivas.”

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