O mestrando do Programa de Pós-Graduação em Memória Social e Patrimônio Cultural (PPGMP) da UFPel, Gilvan Quevedo, busca na única referência de exibição de filmes da primeira capital Farroupilha o tema de seu estudo, o Cine Piratini. A proposta é mapear memórias e relações de afeto estabelecidas pelos moradores com o único cinema da cidade e que funcionou por 40 anos. Essas memórias estão no próprio autor da pesquisa, que frequentou o local que está atualmente em ruínas.
“O trabalho se insere na perspectiva de lançar um olhar sobre outros potenciais bens culturais, que encontram eco junto às comunidades em que estão inseridos, independentemente de processos de tombamento ou de reconhecimento oficial por agências estatais”, justifica. Fundado em 1951, foi um dos pontos de convívio social da comunidade piratiniense, sempre aos cuidados de Venâncio Alves de Oliveira. Após sua morte, em 2000, o espaço teve outras ocupações, mas nenhuma com a mesma essência de reunir famílias para assistir a clássicos de época. Este ano, durante a Semana de Cultura, o proprietário foi homenageado em uma sessão realizada com a exibição do filme Coração de Luto, de Teixeirinha.
O mestrando conta que o antigo cinema é anterior ao próprio prédio. “Seu Venâncio era uma pessoa simples, mas que foi capaz de deixar um legado importante para o município através de serviços prestados à comunidade”, pontua. O fundador trabalhava na antiga usina de geração de energia elétrica, movida a diesel, e exerceu por muito tempo o papel comunicador social com anúncios em carros de som. A primeira rádio surgiu em 1990, mas Quevedo lembra que até hoje esse modo de comunicação é utilizado, principalmente em convites para enterro. “Seu Venâncio foi um dos pioneiros nesse trabalho, era um homem inteligente, autodidata e que realizou coisas ousadas como colocar um cinema em funcionamento na década de 50 em uma comunidade pequena e distante de grandes centros urbanos”, lembra.
Para o piratiniense, a pesquisa que tem a orientação dos professores Diego Lemos Ribeiro e Olívia Silva Nery é um desafio e ao mesmo tempo uma oportunidade de mostrar que Piratini possui outros potenciais bens culturais para além dos que foram patrimonializados. “Não é algo muito convencional propor essa discussão em uma cidade histórica, que se orgulha tanto de seu rico conjunto arquitetônico tombado, ligado à Guerra dos Farrapos e ao período da colonização açoriana. Contudo, o moderno conceito de patrimônio cultural nos permite esse olhar também para outros bens e objetos, de um passado mais recente, que são importantes para a comunidade por serem ancoradouro de tantas lembranças e afetos, ainda que se esteja a falar de uma ruína, sem qualquer apelo arquitetônico, como é o caso do Cine Piratini”, opina.
Diversas ocupações
O prédio fica no coração do centro histórico da cidade. Atualmente a propriedade pertence aos sucessores de Oliveira e à Mitra Arquidiocesana de Pelotas, que comprou parte dos direitos hereditários da área, localizada a poucos metros da Matriz Católica Nossa Senhora da Conceição. “Após o fechamento, várias outras atividades foram realizadas no prédio, que abrigou inclusive uma igreja neopentecostal”, relata o pesquisador.
Quevedo revela que o objetivo da pesquisa é registrar a memória dos moradores sobre a antiga casa de exibição de filmes. “Ao mesmo tempo, colaborar para a construção de alternativas de preservação, tanto dessas lembranças como do prédio, principal testemunho físico da existência do Cine Piratini. Também é importante nos questionarmos até que ponto a mera proteção formal legal é suficiente para que se preserve o patrimônio cultural”, questiona.
Falta dinheiro para obras
A falta de recursos dos herdeiros para obras de recuperação da estrutura da edificação tem preocupado até mesmo o poder público, pois pode agravar a situação de ruína. A burocracia também tem sua parcela, uma vez que o processo de inventário não foi concluído passados mais de 20 anos da morte do fundador. “O poder público municipal, através da Secretaria de Cultura, tem se mostrado bastante sensível à pesquisa e à ressonância social que existe em torno do lugar”, aponta.
O sonho do pesquisador, no entanto, vai um pouco além. “Nossa expectativa é de que se possa ajudar a construir alguma alternativa para que o prédio seja restaurado, com a manutenção da fachada. Quem sabe possa abrigar atividades culturais ou algum serviço público?”, sugere. A pesquisa, com duração de dois anos, deve ser finalizada até maio de 2025.
O prefeito Márcio Porto (MDB) está em Brasília, na Marcha para os Prefeitos, e não conseguiu falar com a reportagem sobre o tema. A Secretaria de Cultura também não deu retorno.