Atualmente, é difícil encontrar alguém que não se sinta ansioso de forma frequente. O sofisticado sistema de defesa humano, responsável por identificar perigos e preparar o corpo para ação, sempre será indispensável para a sobrevivência. Entretanto, ele não precisa se transformar em um transtorno. Até porque desafios sempre irão surgir tanto na vida pessoal quanto profissional.
A urgência diária imposta pelo cotidiano vem sendo um dos principais vilões da crise de saúde mental enfrentada pela população de vários países. De acordo com uma pesquisa realizada pela Organização Mundial da Saúde (OMS), mais de 18 milhões de brasileiros sofrem com transtornos de ansiedade, representando cerca de 9,3% da população. O número torna o Brasil líder de casos em todo o mundo.
Especialmente no Rio Grande do Sul, o período do pós-pandemia de Covid-19, de excessos de chuvas e enchentes enfrentadas nos últimos anos, contribuíram para aumentar o índice de pessoas ansiosas, avalia a chefe do Departamento de Gestão de Assistência Estudantil da Pró-reitoria de Ensino do IFSul e professora do curso de Psicologia da Faculdade Anhanguera, Liliane Ores.
“A ansiedade ainda pode ser associada a fatores como incerteza e cenário de instabilidade, mudança no estilo de vida social, exposição a notícias, aumento do uso da tecnologia e do trabalho remoto e pressões econômicas”, pontua.
O que é a ansiedade?
De acordo com o professor do curso de Psicologia da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), Tiago Munhoz, pela psicopatologia, a ansiedade pode ser considerada uma resposta de medo e preocupação exagerados frente a uma situação, um objeto, uma pessoa. “Pode ser qualquer coisa entendida como uma ameaça, seja ela real, concreta ou também imaginária”, explica.
Existem diferentes tipos de transtornos de ansiedade, sendo alguns dos mais comuns de Ansiedade Generalizada (TAG); de Pânico (TP) de Ansiedade Fóbico (ou “fobia social”), de Estresse Pós-Traumático (TEPT), Obsessivo Compulsivo (TOC).
Como identificá-la e principais sintomas?
Para a maioria das pessoas, se torna difícil identificar sozinho a ansiedade a partir do ponto de vista patológico, por isso a importância de procurar um profissional da área da saúde mental, recomenda Munhoz. A busca deve ser feita a partir da observação de sintomas, como:
Emocionais: Preocupação excessiva; medo ou sensação de pânico; irritabilidade, dificuldade de concentração.
Físicos: Aumento da frequência cardíaca; sudorese; tremores ou agitação; tensão muscular; fadiga; dificuldade para respirar; apetite desregulado; náusea ou desconforto abdominal; alterações de sono.
Comportamentais: Evitar situações que causam ansiedade; dificuldade em relaxar; insônia ou problemas de sono, pensamentos obsessivos, perfeccionismo.
A frequência dos sintomas é algo que também precisa ser observado. “Os sintomas de transtorno de ansiedade geralmente precisam permanecer por pelo menos seis meses. A partir disso, a preocupação e tensão constantes costumam ser um indicativo de que a pessoa precisa de ajuda especializada”, informa Munhoz.
Cabe destacar que é normal sentir alguns dos sintomas listados em situações pontuais do cotidiano, sem necessariamente desenvolver um problema relacionado à ansiedade.
Acesso ao mundo na palma da mão
Pensada para derrubar barreiras, aproximar pessoas, culturas e facilitar o acesso à informação, a internet e, mais tarde, as redes sociais, são apontadas como um importante gatilho para sintomas ansiosos.
Antes com acesso ao máximo de duas, três opções de escolhas, a sociedade passou a ser bombardeada com infinitas possibilidades. A partir das redes sociais, também nasceram novos parâmetros de sucesso. É possível sempre ser mais rico, mais jovem, mais magro, mais bem sucedido, mais bem resolvido. Todas as possibilidades sempre associadas a mensagem de que basta ser determinado e fazer um esforço para alcançar a meta desejada, gerando ainda mais angústia e ansiedade.
“A comunicação instantânea faz com que a pessoa fique o tempo todo antenada ao receber notificações. Isso pode gerar um estado de tensão constante, um estímulo que desperta a atenção e dificulta o relaxamento”, avalia o docente da UFPel. Ficar muito tempo conectado também pode gerar excesso de cansaço, fadiga, irritabilidade, sintomas presentes na ansiedade.
Pandemia e enchentes
Recentemente, em todo o mundo após a pandemia, e especialmente no Rio Grande do Sul, no pós-enchentes, aumentou a ansiedade na população, destaca Liliane. Uma pesquisa feita pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e no Hospital de Clínicas de Porto Alegre, ainda em andamento, aponta que nove em cada dez moradores do estado estão afetados, psicologicamente, pelas chuvas que atingiram o solo gaúcho ao longo do mês de maio.
Entre os dados já coletados, se destacam a ansiedade, com 91% dos entrevistados respondendo que têm sintomas; burnout, 60%; e depressão, 50%. Foram analisadas 1 mil de 2,5 mil respostas a questionários aplicados ao longo de três semanas no RS.
“Esses fatores, entre outros, podem criar um ambiente propício para o aumento da ansiedade. É importante buscar estratégias de enfrentamento, como apoio social, práticas de relaxamento, exercícios físicos e, quando necessário, ajuda profissional”, aponta Liliane.
No IFSul, assim como na UFPel, materiais didáticos e rodas de conversa com temáticas de saúde mental vêm auxiliando estudantes a entenderem e a lidarem melhor com sintomas como ansiedade em excesso, medo e estresse, por exemplo.
Pensamentos versus ansiedade
Dentro da perspectiva do DSM, ou Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, os pensamentos têm um papel importante. No caso da abordagem em Terapia Cognitiva-Comportamental (TCC) a cognição é entendida como pensamentos, e eles têm a ver como diferentes situações podem ser interpretadas.
“Geralmente, as pessoas ansiosas tendem a interpretar situações de forma em que ela se sinta incapaz de lidar ou terá baixa probabilidade de lidar de uma forma satisfatória. Pode ser medo de fazer uma prova, de falar com alguém do trabalho ou em uma situação social, por exemplo”, enumera Munhoz.
A terapia pode ser um espaço em que se consegue identificar situações e desenvolver habilidades para lidar e enfrentar dificuldades. “O paciente consegue observar que aquela interpretação de ser incapaz ou ameaça tende ser só uma interpretação e ela pode modificar esse pensamento”, diz o psicólogo.
A TCC é uma das abordagens indicadas para o tratamento de diversos tipos de transtornos de ansiedade. Dependendo do nível de gravidade dos sintomas, muitas vezes é preciso aliar as sessões concomitantes com o uso de psicofármacos para ter um efeito inicial imediato.
Como acalmar a mente
Algumas técnicas mais fáceis de serem executadas em casa podem ajudar na busca pelo relaxamento. Entre elas, atividades de lazer, tempo adequado ao descanso, momento para desconectar totalmente de telas, atividades consideradas prazerosas pela pessoa (para muitas passear com algum animal, ler livros, ouvir música, espaços de natureza), atividades físicas, por exemplo.
“Experimentar diferentes abordagens pode ajudá-lo a descobrir o que funciona melhor para você. Se a ansiedade persistir, é bom considerar buscar ajuda de um profissional de saúde mental”, completa Liliane.
Dentre algumas técnicas terapêuticas possíveis de se realizar em casa estão o relaxamento muscular progressivo; estratégias de atenção plena como meditação e mindfulness, respiração diafragmática.
Relaxamento muscular progressivo
- Escolher uma posição confortável, como sentar-se numa cadeira ou deitar-se num sofá ou cama
- Respirar profundamente e lentamente por cerca de um minuto
- Contrair um grupo muscular, como a parte superior da coxa, enquanto inspira, por 5 a 10 segundos
- Expir e soltar a tensão do grupo muscular de forma repentina
- Descansar por 10 a 20 segundos
- Passar para o próximo grupo muscular e repetir o processo
- Ir subindo pelo corpo, contraindo e relaxando os grupos musculares
Respiração diafragmática
- Sentar-se ou deitar-se de forma confortável e ereta
- Colocar a mão no abdômen, próximo ao umbigo
- Fechar os olhos e concentrar-se na respiração
- Inspirar lentamente pelo nariz, contando até quatro
- Segurar a respiração por dois segundos
- Expirar lentamente pela boca, contando até seis
Espaço de conexão
Prática aliada contra sintomas de ansiedade, a yoga vai muito além do que posturas físicas. “É um método acolhedor de olhar para dentro de si com amorosidade, entendendo que o que precisa ser feito é apenas o melhor que se pode fazer naquele momento, sem expectativas e comparações”, define a educadora física, instrutora de yoga e proprietária da Casa Prana, Caíni Moura.
Alunas do espaço, as professoras Margareth Caetano e Gisele Pereira começaram a praticar yoga no auge da pandemia com o objetivo de reduzir sintomas de ansiedade. “Tento fazer a aula de olhos fechados para me desligar ainda mais. Levo também os ensinamentos da prática para situações adversas que enfrento no dia a dia e que me deixam nervosas”, diz Margareth.
Gisele, que começou a prática após recomendação médica, enxerga a yoga como remédio. “Transforma todos os aspectos da vida. Quem chega na aula já está buscando o autoconhecimento, contemplação do momento presente, saber lidar e melhor reagir a qualquer coisa que surja”, analisa.
De acordo com a proprietária da Casa Prana, por mais que se fale dos benefícios físicos, também importantes, o maior ganho se dá no aspecto mental. “No decorrer do tempo, a sensação de bem-estar que temos durante a aula vai sendo levada para outras áreas da vida”.