Sandro Martinez, 46 anos, enfermeiro aposentado devido à deficiência visual, é o primeiro morador da metade sul do Estado a receber um cão guia em programa do governo federal.
Ao lado dos instrutores do Instituto Federal Catarinense (IF-C), do campus de Camboriú, ele ministrou ontem em Pelotas uma palestra sobre os cães guias aos alunos da Escola Louis Braille, referência no atendimento aos deficientes visuais para 27 municípios.
O enfermeiro perdeu a visão após contrair Covid-19, ser internado e passar dias em coma. Quando acordou, estava cego.
Morador de Bagé, Sandro inscreveu-se em 2021 no programa do IF-C para ter o cão guia e o ganhou neste ano. Então, foi a Camboriú, onde passou por um treinamento de três semanas, e completa nesta semana a etapa “caseira” de adaptação, ao lado dos instrutores.
Sandro frequenta a Louis Braille duas vezes por semana, faz academia e treina artes marciais em Pelotas. Ao lado do cão guia, ele afirma já ter maior agilidade na mobilidade, e projeta melhorar a qualidade de vida.
“Quando a gente anda com a bengala, a gente procura os obstáculos e desvia. O cão não, ele te desvia dos obstáculos. Com o cão eu caminho muito mais rápido.”
Nesta etapa do treinamento em Pelotas e Bagé, os instrutores avaliam possíveis rotas problemáticas com o cão, como cruzamentos perigosos ou onde há animais agressivos.
O cão de Sandro é um labrador chamado Kaiser. “Se eu disser mercado, academia, casa, farmácia ou banheiro, por exemplo, o Kaiser me leva até lá. Ele tem ótima memória e memorizou essas rotas de primeira”, diz o tutor.
Além de ajudar na mobilidade, o cão também é um companheiro. Ele tem “duas personalidades”: quando está com o arreio, torna-se sério e determinado no trabalho; quando está sem o arreio, volta a ser um labrador brincalhão, explica Sandro.
Possibilidade aos deficientes visuais
Dilmar Cunha Rodrigues, 76 anos, é o presidente da Escola Louis Braille. A ideia de fazer a palestra sobre cão guia surgiu quando o Sandro foi contemplado pela doação do IF-C. Mais de 20 pessoas participaram e fizeram muitas perguntas, em mais de duas horas de duração.
“Com essa palestra, a gente vai ver como se consegue a inscrição para receber o cão guia. É bem provável que alguns alunos daqui mostrem interesse e tenham a possibilidade de recebê-los. Eu estou inscrito desde 2018 e até agora não me chamaram. O cão guia é tudo de bom para a gente”, avalia.
Programa federal
O IF-C lança editais sequenciais para as doações dos cães guias. Neste ano, ao todo, serão distribuídos 13 nos três estados da Região Sul, que é a área de abrangência deste programa vinculado ao governo federal.
O projeto nasceu em 2009 em Camboriú e, em 2012, tornou-se política pública do Ministério dos Direitos Humanos – à época, a ideia era criar um centro em cada uma das cinco regiões brasileiras, mas arrefeceu devido à crise econômica e institucional, causada pelo impeachment da presidenta Dilma Rousseff (PT).
Processo de seleção
“A gente avalia o perfil de cada candidato. Quem determina qual cego vai receber o cão, é o próprio cão”, explica o professor do IF-C, Leonardo Goulart Nunes.
Leva-se em conta, principalmente, a capacidade de mobilidade do tutor. “A velocidade de caminhada conta muito. Uma pessoa com a vida dinâmica, que viaja, é paratleta [caso de Marcos], precisa de um cão que goste de ter grau de atividade alta.”
Cachorros já haviam sido doados para o Rio Grande do Sul, nas regiões de Porto Alegre e Caxias do Sul. Após Sandro ser o primeiro a receber um animal na metade sul, há a possibilidade de uma entrega no Chuí, onde uma pessoa será entrevista pelos instrutores nesta semana.
Requisitos avaliados para seleção dos tutores dos cães guias
– Se a pessoa tem condições físicas de mobilidade, de sair de casa sozinha.
– A necessidade de a pessoa ter o cão, se tem rotina externa de trabalho e vida social.
– Garantia financeira de arcar com os custos do cão, de ração e protocolo sanitário.