Por que Sartre e Simone de Beauvoir  não vieram a Pelotas em 1960?

Opinião

Luís Rubira

Luís Rubira

Professor de Filosofia

Por que Sartre e Simone de Beauvoir não vieram a Pelotas em 1960?

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A convite do escritor Jorge Amado, Jean-Paul Sartre e Simone de Beauvoir desembarcaram no Brasil em agosto de 1960. Sartre estava com cinquenta e cinco anos, Simone com cinquenta e dois, sendo ambos conhecidos no mundo inteiro pelo conteúdo de suas obras, mas também pelo engajamento e ações na política nacional e internacional. Sua agenda em nosso país previa a visita a vários estados e o lançamento do livro Furacão sobre Cuba, que reunia uma série de artigos que Sartre escrevera para um jornal francês. Mas por que ambos não vieram ao Rio Grande do Sul?

A imprensa brasileira fez uma ampla cobertura e surgiram centenas de matérias, assim como de artigos por parte de intelectuais e escritores de prestigio, como Ferreira Gullar, Fernando Sabino e Carlos Heitor Cony. No Rio Grande do Sul, o jornal Diário de Notícias foi um dos primeiros a veicular que eles vinham “ao Brasil, para participarem do Congresso de críticos a realizar-se em Recife” (7/8/1960, Suplemento, p. 5), dando informes de sua presença entre nós: “Sartre, o ponto de atenção no Recife” (16/8/1960, p. 6), “Sartre está no Rio” (17/8/1960, p. 8), “J. P. Sartre em São Paulo” (4/9/1960, p. 2). Durante o período no Rio de Janeiro, Beauvoir fez questão de conhecer as favelas, registrou em seu diário o problema da desigualdade social brasileira, e muito ouviu falar de Carolina de Jesus, autora de Quarto de despejo: diário de uma favelada.

A visita ao Rio Grande do Sul estava programada para setembro, mas ainda na primeira quinzena do mês o jornal Diário de Notícias estampou em sua capa a informação: “Ao contrário do que fora noticiado, o escritor Jean-Paul Sartre, atualmente em visita ao nosso País, não virá a esta capital, para atender convite da Federação dos Estudantes Universitários do Rio Grande do Sul” (9/9/1960, capa). O Jornal do Dia, por sua vez, ao colher outras informações registrou sob o título “Sartre não virá aos Pampas” que ele e Simone de Beauvoir “deveriam vir a Porto Alegre a convite da UFRGS e posteriormente do Teatro de Equipe. Devido a uma série de imprevistos, o teórico do existencialismo não poderá vir a Porto Alegre, segundo informes colhidos pela reportagem na Faculdade de Filosofia” (10/9/1960, p. 9).

Ambos os jornais da capital de nosso Estado não chegaram a explorar o fato, mas dias depois em seus editoriais mostraram sua tendência reacionária, a começar pelo Diário de Notícias: “o agitador comunista Jean-Paul Sartre, que se vale das artes e do prestígio de beletrista para fazer a mais descarada e deslavada propaganda subversiva, atuar negativamente nos meios sindicais e propagar com a maior sem-cerimônia as palavras de ordem e os temas de Moscou” (17/9/1960, p. 4). Já o Jornal do Dia considerou que “Simone de Beauvoir é da mesma família de pensadores que não beneficiam a humanidade” (25/8/1690, p. 4). Este mesmo jornal reeditou, em seguida, textos que foram publicados no Rio de Janeiro sob o título “Sartre e Simone”, nos quais Tristão de Athayde tinha por alvo o pensamento sartriano (20 e 22/9/1960, p. 4).

A partir daqui a história é conhecida, tal como lembra o jornalista Lauro Schirmer, em seu livro A Hora – Uma revolução na Imprensa (L&PM, 2000): o Conselho Universitário da UFRGS foi reunido, e um dos “membros mais temidos do Conselho, o líder católico, professor e ex-senador Armando Câmara, decretou com sua voz tonitruante”, em relação a Simone de Beauvoir: “Se esta rameira entrar nesta Universidade, eu sairei pela mesma porta para nunca mais aqui voltar”. Moralista e anticomunista, seu voto foi decisivo, algo que também impossibilitou a visita de Beauvoir e Sartre a outras cidades do interior sulino, a exemplo da expectativa de “Sartre em Caxias” (Caxias Magazine, 10/9/1960, p. 8).

No final de outubro, após conheceram diversas cidades, entre as quais Brasília e Belém, e enquanto aguardavam no aeroporto o embarque para deixar o país, Sartre declarou ao Jornal do Brasil que tivera tempo para perceber em nosso país “duas evidências: uma, a de que o proletariado do Sul do Brasil é reformista (…); outra, a de que o camponês nordestino é revolucionário, no sentido de que sua situação é revolucionária” (22/10/1960, p. 5).

No Rio Grande do Sul, afeito a revoluções, pessoas progressistas e abertas às novas ideias deram uma resposta aos acontecimentos em novembro de 1960. Durante a 6º Feira do Livro de Porto Alegre, os livros mais vendidos foram Furacão sobre Cuba, de Sartre, e Quarto de Despejo, de Carolina de Jesus. No mesmo mês, a autora dos “diários de uma favelada” foi convidada para a inauguração da 1ª Feira do Livro de Pelotas. De fato, Simone de Beauvoir estava à frente de seu tempo quando interessou-se por conhecê-la, assim como nossos conterrâneos ao recebê-la, com todas as honrarias, numa cidade, cujo passado havia sido profundamente escravista.

Nota: Desvinculada da UFRGS, a UFPel ganhou sua autonomia em 1969. Nela temos hoje uma reitora formada em Filosofia, Ursula Rosa, e uma jovem estudante de doutorado, Josiana Barbosa, autora de Simone de Beauvoir e Carolina de Jesus (Ebook, 2020) e de Um retorno a Simone de Beauvoir (Sagarana, 2024).

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