A Câmara de Vereadores de Pelotas decidiu, por 9 a 4, apoiar projetos em Brasília que endurecem a legislação do aborto. Uma moção apenas simbólica, mas ovacionada no plenário. Moção não é lei. É uma carta de intenções: o vereador escreve “somos a favor disso”, “somos contra aquilo”, o plenário carimba e pronto. Fica registrado o posicionamento político da Casa. Nada obriga o prefeito, nada altera serviço público, nada passa a valer amanhã de hoje. É uma mensagem ideológica, e só.
O projeto que tramita na Câmara dos Deputados, busca impedir que o aborto seja reconhecido como direito e permitir sua criminalização sem limite de tempo gestacional, endurecendo a legislação atual. O texto é duríssimo e equipara o aborto ao homicídio, permitindo punições equivalentes às de assassinato. Por isso, é amplamente considerado inconstitucional por juristas e entidades médicas, além de ter sido apelidado por movimentos sociais de “PL do aborto de nove meses”.
Mas qual o problema de a Câmara opinar? Opinar não é problema. O problema é substituir a função. A Câmara Municipal existe para fiscalizar o Executivo, votar orçamento, produzir leis de interesse local e resolver vida real: creche, ônibus, tapa-buraco, saúde básica, drenagem, transparência e execução de emendas. Quando o plenário vira púlpito e a pauta municipal dá lugar à guerra cultural importada que debate o útero alheio, a cidade vai para o segundo plano.
O detalhe que diz muito: aplausos ao fim da votação. Enquanto aplauso é emoção, política pede razão. Bate-palma por quê? Por um voto sem efeito prático em Pelotas, enquanto seguimos sem resposta para todos os problemas de saúde. E aborto é uma questão de saúde.
Uma moção só serve para sinalizar à base eleitoral que “estamos do lado certo” da disputa moral. É combustível de rede social, não política pública. Convicções pessoais, inclusive religiosas, são legítimas. O mandato, porém, é público e laico. Quem legisla com o catecismo na mão abandona o orçamento na gaveta.
A moção aprovada não muda o Código Penal, não cria um leito, não amplia acolhimento a vítimas de violência sexual, não forma um profissional a mais e não compra um insumo. Muda apenas o espírito da casa: do ofício ao palanque. Aplausos, portanto, pelo quê? Pelo barulho.
Cooperação com critério
O telefonema de Eduardo Leite (PSD) a Cláudio Castro (PL), oferecendo as forças de segurança do Rio Grande do Sul para apoiar o Rio de Janeiro, tem duas camadas. A primeira é o gesto federativo: governadores dizendo “estamos juntos” diante de um crime que atravessa fronteiras. A segunda é o risco de transformar solidariedade em cheque em branco para uma política de segurança que mede êxito em cadáveres e não em território pacificado.
Cooperação entre estados é necessária. Armas, drogas, lavagem de dinheiro e facções ignoram divisas e jurisprudências. Se a engrenagem criminosa é nacional, a resposta também precisa ser. Mas apoio não é adesão automática a operações sem método claro. Aplaudir a cena não substitui o roteiro. Antes de qualquer deslocamento de efetivo, precisam estar escritos os objetivos e quem responde por cada decisão. Sem isso, o RS expõe a própria tropa a um palco alheio.
Segurança pública não é palanque. Governadores conversam, faz parte, mas política pública se mede no dia seguinte. Se o objetivo é proteger gente e devolver rotina às comunidades, ótimo. Se a régua for de “quantos morreram”, o fracasso já está na métrica.
Cotas trans na FURG
O TRF4 restabeleceu, por unanimidade, a política de vagas específicas para pessoas trans na Furg, derrubando a decisão da 2ª Vara Federal que havia anulado a resolução. Na prática: mantém-se a matrícula e permanência de quem ingressou pelos processos de 2023, 2024 e 2025 enquanto o mérito é julgado. O tribunal se ancorou na autonomia universitária e na jurisprudência sobre ações afirmativas. Um freio ao retrocesso e um recado: não se desorganiza a vida de estudantes no meio do caminho.