“Eu já fui criada assim, no trabalho”
Edição 19 de julho de 2024 Edição impressa

Quinta-Feira28 de Novembro de 2024

Abre aspas

“Eu já fui criada assim, no trabalho”

Rosana Cristina Cardoso é uma comerciante de rua de 56 anos, conhecida na região central de Pelotas por vender bebidas quentes e quitutes produzidos por ela mesma

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“Eu já fui criada assim, no trabalho”
Rosana falou sobre sua trajetória de trabalho. (Foto: João Pedro Goulart)

Rosana Cristina Cardoso é uma comerciante de rua de 56 anos, conhecida na região central de Pelotas por vender bebidas quentes e quitutes produzidos por ela mesma. No vento frio da manhã de segunda-feira (12), ela contou um pouco mais sobre a sua trajetória de trabalho árduo em busca de sustento.

Como é a sua relação com a comercialização desses itens no centro de Pelotas?

Faz uns dois anos que vendo em Pelotas, antes era em Jaguarão. Lá fazia comida: bolinhos de batata, panqueca, nega maluca, fainá, que é uma massa de pizza com um monte de coisa. Desenvolvi esse gosto por fazer comida em casa, em casa eu vendia, em Jaguarão. Eu nasci lá. Vim pra cá porque tinha uma filha aqui em Pelotas, e o meu esposo, que já é falecido, precisava de uma CTI (Centro de Terapia Intensivo) e a gente veio pra cá. Ele faleceu aqui, teve um derrame na cabeça, e a gente já estava aqui.

Como foi essa chegada em Pelotas?

Cheguei aqui e a minha filha fez redução do estômago. Eu ficava com ela, ia visitar. Para não ficar parada comecei a fazer aqui também, e saí a vender, já peguei uns fregueses de lojas e na rua também. Faço cafezinho com leite, café preto, com açúcar e sem açúcar. E faço chá também. Faço enroladinho, “roda de carreta”, pastel e empada. Vendo de manhã cedo, levanto às 3h30min para fazer as comidas. Todos os dias. Venho para cá, umas 7h15min, fico até umas 11 horas.

O que lhe motiva a vir todos os dias?

É bom para não ficar em casa. O que vou fazer em casa? Nada. Venho todos os dias da semana. Tiveram uns dias que não vim, porque fui assaltada aqui na esquina do Café Aquários. Uma mulher me bateu com uma barra de ferro nas costas, e me afetou o rim. Ela me pegou de costas, à tarde, há uns dois meses, em um sábado. Ela pensou que ia me derrubar, mas saí atrás dela. Não me roubou nada. Só me afetou o rim. Estive de cama durante uma semana. Agora, voltei a vir todos os dias. Quando me dói muito, não venho. E outra coisa, gosto sempre de trazer coisas novas. Não trago coisas velhas. Quando sobra, como em casa. O pessoal gosta. Tenho clientela já. Nas lojas e na rua também.

O que significa para você estar aqui trabalhando?

Hoje só me sustento. Minha filha está morando em Caxias. Meu marido faleceu em outubro do ano passado. Aquilo me afetou por uns dias no meu trabalho também. Fiquei uns dois meses em casa. Nesse período, vendia na volta de casa mesmo, no Fragata.

Como é para a senhora enfrentar todos seus problemas pessoais e seguir trabalhando aqui no Calçadão, com humildade e simplicidade?

Eu já fui criada assim, no trabalho. Fui criada com pessoas ricas em Jaguarão. Eu aprendi a limpar a casa, a ser babá. Cuidei das três filhas deles, que são a Daisy, a Cleonice e a Maria Elisa. Aprendi na casa dela. Com 11 anos fui babá. Me ensinaram a fazer faxina, que tem que ser bem feita, tirar a cama, levantar o colchão. E limpar banheiro, gosto de deixar um brinco. Não é só por cima. Aprendi, também, a não mexer nas coisas de ninguém. O que é deles é deles, o que é meu é meu. Não sou de roubar, não. Hoje, se a pessoa me dá troco a mais, quando cobro o preço do lanche, digo: “eu sei que isso aqui é de você”. É que eu fui criada assim.

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