Se você é daqueles que mantém uma alimentação equilibrada, pratica exercícios físicos e busca conciliar trabalho, lazer e família, mas deixa a saúde mental em segundo plano, é preciso acender um alerta. O cuidado com o equilíbrio emocional é peça-chave para uma vida saudável e tem impacto direto na prevenção de doenças graves, entre elas o suicídio.
Setembro é o mês dedicado ao tema, com a campanha Setembro Amarelo, que em 2025 ganhou status de política pública nacional. A Lei 15.199/2025 determinou a realização anual da mobilização em todo o país, além de instituir oficialmente o Dia Nacional de Prevenção do Suicídio (10 de setembro) e o Dia Nacional de Prevenção da Automutilação (17 de setembro). A medida fortalece o debate e amplia o alcance das ações de informação, prevenção e acolhimento.
Dados preocupantes
Segundo o Ministério da Saúde, em 2023 foram registrados 16,8 mil óbitos por suicídio no Brasil, uma média de 46 mortes por dia. Em Pelotas, o cenário também preocupa: foram 39 casos em 2024, sendo 32 homens e sete mulheres, o que representa uma média mensal de 3,25 mortes. Este ano, até agosto, o número caiu para 21 casos, média de 1,75 ao mês, mas a faixa etária predominante segue entre idosos e pessoas de 40 a 60 anos. Entre as vítimas, sete eram jovens, reforçando o alerta para essa população vulnerável.
No Centro de Atenção Psicossocial Infantil (CapsI), a demanda é crescente. Somente em agosto foram realizados 2.573 atendimentos, incluindo consultas de crianças e adolescentes autistas que necessitam de prescrição médica. Além do apoio de universidades Federal e Católica de Pelotas, o município trabalha para atender a todos que precisam de acompanhamento especializado.
A rede de apoio
O trabalho preventivo se fortalece na ponta, em serviços como o Centro de Referência de Assistência Social (Cras) Centro, que atua diretamente com famílias em situação de vulnerabilidade. A psicóloga Miriam Quintina Wolter, técnica da unidade, destaca que muitas vezes os sinais de sofrimento psíquico chegam por meio dos familiares.
“O atendimento no Cras não é clínico, é psicossocial. Escutamos as famílias, identificamos sinais de problemas de saúde mental e orientamos a busca pelo serviço especializado. É fundamental que a população saiba que existe essa rede de apoio. Ninguém precisa enfrentar esse sofrimento sozinho”, explica a profissional.
Jovens em risco
O professor de Psicologia da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), Mateus Luz Levandowski, reforça que os dados sobre suicídio entre jovens são alarmantes. “No mundo, o suicídio já é a quarta principal causa de morte entre pessoas de 15 a 30 anos. No Brasil, a última década mostrou aumento de quase 30% nos registros de autolesão nessa faixa etária. É um público vulnerável, que precisa de atenção especial”, alerta.
Levandowski lembra que sentir-se sobrecarregado é comum nessa fase da vida, mas que reconhecer as próprias limitações e buscar apoio são passos fundamentais. “Não dar conta sozinho não é sinal de fraqueza. É um sinal de que precisamos de apoio, assim como buscamos um médico quando temos dor física. Conversar com alguém de confiança, procurar ajuda profissional ou acionar canais como o CVV (188) pode salvar vidas”, reforça.
Quebrando o silêncio
O medo do julgamento ainda é uma das principais barreiras para quem sofre. Estigmas como “fraqueza” ou “vitimização” afastam jovens e adultos do apoio necessário. “Guardar sentimentos difíceis é como tentar segurar uma bola de praia debaixo d’água: uma hora ela escapa com força. Falar sobre dor, angústia e tristeza ajuda a aliviar o peso emocional, organizar pensamentos e encontrar caminhos de cuidado. O silêncio só intensifica o sofrimento”, completa Levandowski.
O professor lembra que as relações humanas ainda é a melhor e a principal ferramenta de apoio. “Embora ferramentas digitais, como o chat GPT e entre vários outros, possam ajudar a gente a buscar informações, eventualmente, ajudar a refletir, esclarecer alguma dúvida, eles não substituem o contato com pessoas de confiança”, alerta.
O tabu da saúde mental

O medo é a principal barreira na busca pela ajuda (Foto: Jô Folha)
Para Miriam, a mudança de percepção sobre o tema é essencial. “Ainda existe o preconceito de associar saúde mental a desequilíbrio. Mas estamos falando de uma dimensão que abrange desde uma depressão até transtornos mais graves. Reconhecer sinais, falar sobre eles e buscar apoio é um exercício de cuidado coletivo”, diz. A psicóloga lembra que fatores sociais também atravessam os processos de adoecimento: discursos machistas, pressões econômicas, isolamento pós-pandemia e a cobrança de desempenho constante.
Ações em Pelotas
Além das rodas de conversa no Cras, a Prefeitura promoveu, no fim de agosto, uma atividade com servidores de todas as secretarias, abordando fatores de risco e estratégias de acolhimento. A ideia é que os funcionários repliquem as orientações em seus setores, ampliando a rede de proteção no serviço público. Na próxima terça-feira, a do Cras Centro realiza um encontro com famílias atendidas pelo Programa de Atendimento Integral à Família (Paif). Neste Setembro Amarelo, a pauta é justamente a saúde mental e a prevenção ao suicídio, em parceria com o CapsAD.
Na Santa Casa de Misericórdia de Pelotas, uma ação simbólica foi adotada neste 10 de setembro: caixas com mensagens de conforto foram disponibilizadas para pacientes, acompanhantes e colaboradores.
Onde buscar ajuda
O Sistema Único de Saúde (SUS) oferece atendimento gratuito em Unidades Básicas de Saúde e nos Centros de Atenção Psicossocial (Caps), onde equipes multiprofissionais acolhem casos de sofrimento emocional.
Além disso, o Centro de Valorização da Vida (CVV) funciona 24 horas por dia, com atendimento gratuito, sigiloso e voluntário pelo telefone 188 ou pelo site cvv.org.br.
Um compromisso coletivo
Para especialistas falar sobre suicídio não significa estimular o ato, mas sim abrir espaço para quebrar o silêncio, reduzir preconceitos e fortalecer a rede de apoio. O Setembro Amarelo não se limita a um mês: é um convite para que cada pessoa olhe para si e para o outro com empatia.
Pequenas atitudes podem salvar vidas. Reconhecer o sofrimento, oferecer escuta sem julgamento e orientar sobre onde buscar ajuda são passos que transformam a realidade e reafirmam a importância de cuidar da mente tanto quanto do corpo.
Entrevista com especialista

Professor de Psicologia da UCPel, Luciano Dias
de Mattos Souza (Foto: Divulgação)
Quais são hoje os principais fatores de risco para problemas de saúde mental entre os jovens?
Traumas precoces, como abusos e negligências, são fatores muito relevantes. Na adolescência, a falta de apoio social, tanto da família quanto de pares, aumenta a vulnerabilidade. Situações de bullying e cyberbullying também têm peso importante. Além disso, comportamentos ligados à saúde física, como uso de substâncias, tabagismo, abuso de álcool, sedentarismo e alimentação desregulada, contribuem para o surgimento de transtornos.
Os índices de depressão e ansiedade têm crescido nessa faixa etária?
Sim. Globalmente, houve um aumento de cerca de 50% nas últimas duas décadas, com aceleração a partir de 2014. O excesso de telas, o sedentarismo e a falta de mediação parental no ambiente virtual estão entre os fatores que favorecem esse crescimento.
Como as redes sociais influenciam a saúde mental dos adolescentes?
A exposição precoce a conteúdos de violência e sexualidade pode gerar impactos significativos, já que o jovem ainda não tem maturidade cognitiva para elaborar esses significados. Além disso, as redes sociais apresentam modelos idealizados que podem criar exigências irreais e frustrações.
Quais sinais familiares e professores devem observar?
Mudanças bruscas de comportamento, irritabilidade, explosões de raiva, isolamento, perda de interesse por atividades antes prazerosas, além de alterações de sono e apetite. Esses sinais são indicativos de que algo não vai bem.
Como conversar com um adolescente sobre suicídio sem aumentar o risco?
Falar sobre suicídio não aumenta o risco. Pelo contrário, é fundamental abrir espaço para diálogo, oferecer acolhimento e apoio. O jovem precisa sentir-se compreendido e amparado. Sempre que necessário, deve-se encaminhar para ajuda profissional.
Que atitudes de amigos podem ajudar alguém em crise?
A inclusão em grupos saudáveis e a persistência no contato são fundamentais. Mostrar que o jovem pertence àquele círculo e que é importante para os outros pode fazer diferença.
O que falta em termos de políticas públicas?
Maior integração entre escolas e unidades básicas de saúde, para identificar precocemente os casos e fortalecer a prevenção. Também há uma lacuna entre a atenção básica e os CAPS: jovens com quadros leves muitas vezes não encontram atendimento adequado, o que aumenta o risco de agravamento no futuro.