Núcleo de Documentação Histórica guarda memória do trabalho em Pelotas

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Núcleo de Documentação Histórica guarda memória do trabalho em Pelotas

Fundado em 1990, o NDH da UFPel, que começou resgatando documentos históricos da Universidade, hoje abriga mais de 93 mil processos trabalhistas que datam de 1936 a 1998

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Núcleo de Documentação Histórica guarda memória do trabalho em Pelotas
Equipe, coordenada pela professora Lorena Gill (D) organiza, faz a catalogação e a digitalização dos documentos. (Foto: Gabriel Leão)

O Núcleo de Documentação Histórica (NDH), do Instituto de Ciências Humanas da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), fundado em 1990, tornou-se um guardião de parte da memória da cidade e da história do mundo do trabalho no sul do Rio Grande do Sul. Sob a coordenação da professora e doutora Lorena Gill, o Núcleo é um centro de pesquisa vital que atrai estudantes de mestrado e doutorado, além de ser um recurso inestimável para a comunidade.

A iniciativa de criação do NDH foi capitaneada pela historiadora Beatriz Ana Loner, falecida em 29 de março de 2018, que se tornou a patrona do Núcleo. Na época, ela havia recém-ingressado como professora efetiva da UFPel, quando o reitor Amílcar Gigante, preocupado em dar um local seguro para documentos sobre a história das unidades da universidade, instigou o surgimento desta seção. O objetivo inicial era centralizar essa memória institucional de faculdades, por exemplo, como Odontologia, Agronomia e Direito, criadas no início do século 20.

“O NDH foi fundado numa gestão preocupada com a dispersão de documentos”, explica Lorena Gill. Inicialmente, o foco era reunir acervos institucionais de diversas faculdades que formavam a UFPel.

A própria Beatriz Loner visitava as unidades, buscava documentos e fazia entrevistas com antigos professores. Como a professora tinha na raiz da sua pesquisa o movimento operário, com o tempo, o Núcleo passou a receber coleções de grande valor histórico, como os acervos da Delegacia Regional do Trabalho e da Justiça do Trabalho.

Mais de 600 mil fichas

Um dos acervos é o da Delegacia Regional do Trabalho, de lá vieram mais de 600 mil fichas que eram feitas no momento da confecção da carteira de trabalho. Esse acervo é organizado pelo professor Aristeu Elisandro Lopes, coordenador do Programa de Pós-Graduação em História da UFPel.

O acervo da Justiça do Trabalho é outro dos destaques do Núcleo. São 93.845 processos trabalhistas que datam de 1936 a 1998. Destes, 5,2 mil estão online. “Esses documentos não são nossos, eles estão aqui em regime de comodato. Eles são do Memorial da Justiça do Trabalho de Porto Alegre”, explica a coordenadora. A cada cinco anos essa parceria é oficialmente renovada.

(Foto: Gabriel Leão)

Lorena comenta que documentos como estes, em muitas cidades, foram incinerados, na década de 1990, a partir de uma liberação do governo federal.

Os de Pelotas estão acessíveis e ainda são procurados para além do interesse histórico dos pesquisadores acadêmicos. “As pessoas procuram esses processos por três motivos principais: para provar vínculos de trabalho para aposentadoria, para buscar evidências de insalubridade, ou para buscar dupla cidadania”, conta a professora.

Este é um material extremamente rico porque descortinam uma das faces do cotidiano de Pelotas. “Eles nos permitem contar como eram as vidas das mulheres, quais eram as principais disputas, como as grávidas eram tratadas, tudo isso está nesses processos. As mulheres falam aqui. Nos jornais, nesses processos e na história oral as mulheres aparecem mais”, exemplifica a professora.

Nas enchentes de 2024, em Porto Alegre, documentos como esse ficaram submersos pelas águas do Guaíba. Um acervo que possui o selo da Unesco de patrimônio mundial e que foi fortemente atingido.

Lorena ressalta que o acervo de Pelotas não sofreu perdas. Durante a recente cheia, graças a uma ação rápida de proteção dos documentos, o material foi elevado preventivamente.

De qualquer forma, o acervo recebido é digitalizado, o que oferece mais segurança. Os processos e documentos que chegam são higienizados, depois organizados e catalogados. Após a digitalização, geralmente, o material retorna ao seu local de origem.

Resgate da história institucional

Embora o mundo do trabalho seja o foco principal, o NDH tem ampliado seu escopo. Recentemente o NDH retomou sua função inicial. Um desses projetos foi o resgate da história da Faculdade de Medicina, que resultou no livro Uma Casa Chamada Leiga, lançado no final do ano passado.

O livro surgiu a partir de um trabalho de preservação de documentos históricos da Famed. O trabalho do Núcleo foi resgatar e digitalizar materiais históricos que remontam à fundação da Faculdade. Além do lançamento do livro, os documentos estão disponíveis no site do NDH e podem ser acessados por todos os interessados.

O NDH também recebeu acervos de outros cursos, como o de Direito, Odontologia e o extinto Ciências Domésticas. “O Núcleo começa como uma perspectiva de história institucional e agora volta a ter essa perspectiva. O NDH passou muito pela questão do mundo do trabalho, que é o nosso foco, nosso forte, mas hoje tem essa preocupação de resgate da história da própria instituição”, comenta Lorena.

Porém, diferentes entidades e órgãos ainda procuram o trabalho da equipe para salvaguardar memórias trabalhistas da cidade. Mais recentemente, o Núcleo tornou-se o depositário de todo o acervo da extinta empresa de transportes urbanos, Turf. “A nossa preocupação também é que grande parte desses trabalhadores (da Turf), talvez a maior parte deles, não recebeu ainda. Então, precisamos ficar com esse material”, avalia a professora.

Para organizar todo esse material, a professora conta com cinco bolsistas fixos e cinco alunos voluntários. “O nosso trabalho é sem verbas. A gente compra alguma coisa, compra pincéis, por exemplo, às vezes utiliza o nosso próprio recurso, outras vezes a Universidade nos dá e a gente vai trabalhando”, comenta.

No caso do livro da Famed, obra editada com capa dura, com papel em alta qualidade e com muitas imagens, o trabalho foi custeado pela Faculdade de Medicina. “Eles conseguiram com os egressos verbas para que a gente entrevistasse.”

Um dos projetos mais ambiciosos em andamento é o Histórias pouco contadas, uma parceria com a UFRGS e a Unipampa. A iniciativa está criando verbetes sobre homens e mulheres negros da cidade que tiveram protagonismo em suas áreas, mas que não são amplamente conhecidos. A página digital do projeto, que será lançada em breve, irá democratizar o acesso a essas histórias.

Dicionário de História de Pelotas

Projeto de grande repercussão, o Dicionário de História de Pelotas (2010), produzido pelo Núcleo, a partir de uma colaboração entre os professores Mario Osorio Magalhães, Beatriz Loner, ambos falecidos, e a própria Lorena Gil, tem agora o Segundo Volume. O primeiro livro é o produto mais procurado do NDH, com quase 150 mil visualizações em sua versão digital.

O novo Dicionário tem a contribuição de 133 autores especialistas de diversas áreas do saber. O trabalho de cerca de um ano envolveu pesquisadores de diferentes áreas. Agora o Núcleo busca uma editora parceira para lançar a obra na versão digital e física. A obra marca os 35 anos do NDH.

Para a professora o mais importante é ter o livro digital. “Nosso interesse não é vender.” Assim como os acervos digitalizados, que permitem que pesquisadores de qualquer lugar acessem os documentos online. O novo Dicionário também vai ficar disponível na internet.

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