Há três décadas, Marcos Planela transforma o futebol feminino em Pelotas

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Há três décadas, Marcos Planela transforma o futebol feminino em Pelotas

Ao abrir caminho para mais de 800 meninas na modalidade e revelar atletas para a seleção brasileira, o projeto Lobas se tornou referência no país

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Há três décadas, Marcos Planela transforma o futebol feminino em Pelotas
Planela em treino da equipe sub-11 das Lobas. (Foto: Jô Folha)

Marcos Planela não imaginava que o dia 7 de setembro de 1995 se tornaria um marco em sua vida. O que começou com a formação de um time de meninas para um único jogo comemorativo do Sociedade Recreativa Guabiroba Futebol Clube se transformou em três décadas de dedicação ao futebol feminino. À frente do projeto Lobas, do Esporte Clube Pelotas há 29 anos, Planela já abriu as portas do futebol para mais de 800 meninas, muitas das quais evoluíram para a carreira profissional, e projetou 28 jogadoras para a seleção brasileira.

“A minha entrada no futebol feminino foi totalmente despretensiosa. Eu fazia parte da direção de um clube amador e incluíram o feminino na programação da festa do time. Eram basicamente filhas de atletas e de dirigentes, e eu fui convidado a treinar as meninas”, conta. As participantes gostaram tanto de jogar que pediram para continuar sendo treinadas por Planela. A partir disso, ele viabilizou um ginásio no Fragata para os treinos e começou a busca por apoiadores para a compra de itens básicos: uniformes e bolas.

“E, em menos de um ano, eu tive contato com Marli Decker Moura, que era gerente de uma loja de produtos esportivos e jogava no time Farmácia Caixeiral Douglas. Nós começamos a conversar e resolvemos tentar criar um espaço maior para o futebol feminino em Pelotas”. Planela e Marli decidiram contatar os três clubes da cidade (Brasil, Farroupilha e Pelotas) para criar um departamento de futebol feminino. “O que topasse, a gente ia tentar desenvolver o trabalho”.

E, no dia 25 de julho de 1996, foi estabelecido, no salão de honras do Pelotas, o que viria a ser as Lobas. “Confesso que jamais imaginaria que, 30 anos depois, eu ainda estaria envolvido [no futebol feminino] e de forma profissional”, relata. Parte do primeiro time foi formada por jogadoras do Sociedade Recreativa Guabiroba e Farmácia Caixeiral Douglas, bem como por meninas que passaram por uma seletiva.

Os desafios

Se atualmente o futebol feminino ainda passa por desafios relacionados à falta de investimentos e visibilidade, na metade dos anos 1990, quando fazia apenas 13 anos que a modalidade havia sido regulamentada e 17 anos desde que tinha deixado de ser proibida no país, as barreiras culturais e financeiras eram enormes. “Nós iniciamos com dez ou 15 bolas compradas nos camelôs, que em três treinos pareciam bolas de futebol americano”.

Os treinos eram realizados em uma quadra de terra na Boca do Lobo, na arquibancada da rua Doutor Amarante. “Foi para diminuição de custos, porque não tínhamos condições de bancar transporte até o Parque Lobão, e nós nos viramos”. Além disso, as jogadoras enfrentavam preconceito inclusive da própria família. “Parecia que não queriam que elas jogassem”.

Futebol feminino de Pelotas como referência

Mesmo diante de um cenário hostil, com a persistência de Planela e o apoio de muitas mãos, as Lobas se estabeleceram como um programa sólido de base, elevando o futebol feminino em Pelotas ao patamar profissional. Na sala onde o departamento foi criado, estão 90 troféus conquistados em torneios nacionais e estaduais, entre eles o de campeão gaúcho de futebol feminino (2008), na categoria adulta/principal. “É uma série de conquistas que tornam o Pelotas uma referência no Estado e reconhecida nacionalmente”, destaca Planela.

O técnico ressalta que há registros do futebol feminino na cidade desde a década de 1950 e que outros projetos já foram criados ao longo do tempo, porém o das Lobas é o que se mantém há mais tempo em atividade contínua.

As revelações

Entre as mais de 830 jogadoras que passaram pelo futebol do Pelotas, várias se consolidaram na categoria profissional. Algumas atuam nas séries A-1 e A-2 do Campeonato Brasileiro, e outras estão em clubes da Europa e dos Estados Unidos. Da base das Lobas, 28 atletas foram convocadas para a seleção brasileira. Um dos nomes mais conhecidos que saiu do projeto foi Andressinha. Natural de Roque Gonzales, Andressa Cavalari Machry foi selecionada em uma peneira realizada por Planela.

Das Lobas, a meio-campista atuou como titular em todos os jogos da seleção brasileira na Copa do Mundo de 2015, além de integrar os elencos do Pan-Americano e das Olimpíadas de 2016. Andressa também conquistou a Libertadores de 2021 com o Corinthians e atualmente joga pelo Palmeiras.

O esporte e a promoção de oportunidades

Planela diz, com orgulho, que tem quase todas as fotos 3×4 das fichas técnicas das atletas que passaram pelas Lobas. Mas, para além da formação de futebolistas profissionais, o técnico ressalta que a verdadeira realização está no desenvolvimento social e na construção de cidadania proporcionados pelo projeto às jogadoras.

A atleta Débora Maciel é um dos exemplos dessa ação, citada com satisfação por Planela. Estudante de uma escola pública do Capão do Leão, Débora agarrou todas as oportunidades geradas pelas Lobas, entre elas uma bolsa integral em uma escola particular e em um curso de inglês. “O esporte é uma forma geradora de oportunidades, e ela é uma pessoa cuja vida o esporte transformou”.

Débora foi convocada para a seleção brasileira com 16 anos, posteriormente foi para o time universitário Tyler Junior College, no Texas, Estados Unidos, e atualmente joga pelo Vitória Sport Clube, de Portugal, na primeira divisão da liga portuguesa de futebol feminino. “O projeto Lobas teve uma importância muito grande na minha vida, assim como em tantas atletas que passaram por lá. Foi a partir dali, alinhado com meus esforços e trabalho, que muitas portas se abriram para meu crescimento profissional e pessoal”, diz Débora.

Foco no crescimento

A poucos meses do projeto Lobas completar 30 anos, segundo Planela, está em curso o planejamento de uma série de ações para qualificar ainda mais a formação de atletas. Uma delas foi o fechamento de uma parceria com o Grêmio, que garantirá apoio com equipamentos e outros recursos necessários para as atividades das atletas. Em contrapartida, o Tricolor terá prioridade na transferência de jovens promessas do Pelotas. Algumas já são monitoradas no sub-11. Para 2026, o técnico afirma que outras novidades serão anunciadas.

Atualmente, integram as Lobas 47 atletas entre sub-11, 13 e 15, e cerca de 30% das meninas são de fora de Pelotas. “Mas deixamos claro para elas que a vida é um funil e que elas têm que estudar e construir caminhos paralelos ao esporte”.

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