Agosto é o mês dedicado à conscientização sobre a importância do aleitamento materno. Conhecido como Agosto Dourado, uma referência ao “ouro” que é o leite humano, o período reforça o compromisso de profissionais da saúde, famílias e sociedade com a promoção, proteção e apoio à amamentação. Segundo o último levantamento nacional de nutrição e alimentação, o Brasil registra taxas de amamentação exclusiva até os seis meses de vida em torno de 45% a 50%. A meta ideal, definida pela Organização Mundial da Saúde (OMS) e adotada nas metas dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), é de pelo menos 75% até 2030.
Desde 2004, o Hospital Universitário São Francisco de Paula (HUSFP) mantém o título de Hospital Amigo da Criança, através do cuidado com as mães e bebês, a partir de um trabalho diário de incentivo, orientação e acolhimento que começa ainda nos primeiros momentos de vida do recém-nascido. “Todos os dias visito as mães, escuto suas dúvidas, observo dificuldades, avalio as mamadas. O objetivo é garantir que saiam daqui confiantes para continuar a amamentação em casa”, explica a enfermeira Silvana Tuchtenhagen.
O suporte a essas mães, segundo Silvana que está há sete anos na linha de frente do apoio à amamentação, não se encerra com a alta, pois grupos de apoio nas Unidades Básicas de Saúde (UBSs), ambulatórios e até atendimento por WhatsApp fazem parte da rede de acompanhamento das puérperas. A enfermeira conta que entre os desafios mais comuns estão os mitos em torno da produção de leite, e a preocupação se ele é forte o suficiente e até mesmo as lesões nas mamas. “Muitas acham que, se machucou, é preciso parar. Mas o que causa dor geralmente é a pega incorreta do bebê”, explica.
“Durante a avaliação das primeiras seis horas, já orientamos a correção da posição e evitamos fissuras”, conta Silvana. Mesmo em casos de lesão, a recomendação é seguir amamentando com a pega adequada e usar o próprio leite para auxiliar na cicatrização.
Banco de Leite
Segundo a nutricionista Kauana Ferreira Ulguim, responsável pelo posto de coleta de leite humano do HU, o leite materno é um alimento completo e insubstituível nos primeiros seis meses de vida. “Ele tem todos os nutrientes essenciais, fortalece o sistema imunológico e reduz riscos de doenças respiratórias, gastrointestinais e alergias. O colostro, que é o primeiro leite, é fundamental para a proteção do recém-nascido.”
Além do incentivo à amamentação direta, o HU conta com uma rede de doadoras de leite humano. “Mesmo mães que não estão mais internadas aqui, nós mantemos o contato conosco e elas contribuem com a doação. Essa rede solidária é essencial para alimentar bebês internados em UTIs neonatais que não podem ser amamentados pelas próprias mães.” Todo leite coletado vai para o Banco de Leite do HU-Furg, o único do sul do Rio Grande do Sul.
Conexão
Na maternidade do HUSFP, o silêncio nos corredores só é quebrado pelo choro do recém nascido na forma mais humana e simples para dizer que está com fome. Nesse momento, o aconchego do peito da mãe é o porto seguro de quem está dando boas-vindas ao mundo. São por esses corredores que se descobrem ainda histórias de superação, afeto e cuidado.
A jovem Vanessa Cavalheiro dos Santos, 22 anos, mãe de Maitê, nascida em 3 de agosto, descreve a primeira mamada como um momento “de alma”. “Achei que não ia conseguir, mas deu tudo certo. É uma conexão que só quem é mãe entende.”
Kathleen Vitória, 19, mãe do pequeno João Miguel, que nasceu no dia 4 de agosto, confessa que chegou ao hospital sem saber quase nada sobre amamentação. “Me ajudaram bastante. Agora quero seguir até ele querer parar.” Ao lado do João, a avó Tatiane Rosa da Silva, 42, revive a emoção e destaca a diferença entre os filhos que foram amamentados e os que não foram: “Quem não mamou teve mais problemas de saúde. Isso aqui é muito importante.”
Em entrevista ao Programa Corpo e Mente da Rádio Pelotense, a pediatra Ana Carolina Jordão Cuimbra e a odontopediatra Luísa Jardim, ambas professoras da Universidade Católica de Pelotas (UCPel) lembram que o aleitamento deveria ser um processo mais instintivo e natural, mas muitas vezes exige esforço, técnica e apoio.
“A amamentação é empírica, mas não é fácil. Muitas mães precisam de ajuda desde o primeiro momento. Já vi casos em que, com uma simples orientação e ordenha manual, conseguimos elevar a glicemia de um recém-nascido e evitar o uso de fórmula. É um trabalho de formiguinha, mas fundamental”, destaca Ana. Do ponto de vista coletivo, os benefícios da amamentação vão muito além da saúde materno-infantil.
A amamentação reduz custos com tratamentos, previne doenças, melhora a qualidade de vida das futuras gerações. Além de todos os ganhos individuais, ela é um investimento na sociedade, ressalta Luísa Jardim. “A amamentação é uma política pública estratégica”.
Como o Agosto Dourado reacende o debate e o compromisso coletivo da amamentação, para elas, cada história de mãe, cada gota de leite doada, cada mamada bem-sucedida é parte de uma corrente de cuidado que precisa do apoio de todos. Como diz a pediatra Ana Carolina, “garantir a amamentação é um pacto civilizatório”.
Amamentação compartilhada
Na porta do quarto da maternidade do HU a indicação é que Anna e Otto vieram ao mundo rodeados de amor, carinho, planejamento e superação, pois fazem parte de uma família extraordinária. Mariana Hammes Laroque e Helena Hammes Laroque estão juntas há mais de dez anos e vivem agora o momento pleno desde a trajetória que começaram a construir com a chegada dos gêmeos. Mariana, que já tem uma filha de 11 anos, é defensora da amamentação exclusiva. Sua filha nasceu prematura e amamentou por dois anos. O desejo de reviver esse momento mágico e conexão a levou a compartilhar com Helena, a oferta do precioso líquido.
Com um trabalho de preparação e incentivo, ela conseguiu produzir leite. Durante a gestação, o casal conversou com o obstetra e iniciou o preparo para a amamentação compartilhada, com uso de medicação e estímulo com bomba elétrica. O esforço deu resultado: logo após o nascimento, quando os bebês chegaram ao quarto, cada mãe pegou um nos braços e os dois começaram a mamar.
“Foi um momento indescritível. Olhar para Helena, com nosso filho Otto no colo, e eu com nossa filha Anna… parecia um sonho. Ainda parece”, contou Mariana, emocionada. “É um vínculo que vai além da nutrição. É afeto, presença, conexão.”
Apesar de reconhecerem que ainda existe preconceito, elas relatam acolhimento em todos os espaços por onde passaram. “Nossa filha sempre teve muito orgulho da família. Desde pequena dizia: ‘eu tenho duas mães’.”
Agora, com sobrenomes unificados, Mariana e Helena celebram a realização de um sonho e seguem com fé e união, vivendo a maternidade de forma intensa. “São nossos filhos. Cada um com um pedacinho de nós. E muito amor para dar”, garante Helena que ainda se recupera do parto.