Em Pelotas para encenar a peça Veneno do Teatro, o ator Osmar Prado, 77, recebeu a reportagem do A Hora do Sul e Rádio Pelotense para um bate-papo de quase uma hora. Prado, que atua ao lado de Maurício Machado, falou sobre a peça de Eduardo Figueiredo, o início da carreira, os personagens que entregou ao público ao longo de 65 anos de atuação e a paixão que tem pela arte de encenar.
Como foi o início da sua carreira?
Começou cedo. Eu era de família muito pobre, mas com dignidade. Um dia, perguntei para minha mãe como se fazia para ser artista. Ela não entendeu muito bem, talvez porque, para ela, o padrão de artista era o Rodolfo Valentino, que não tinha nada a ver comigo. Mas minha tia, que morava conosco, me levou a uma cinematográfica. Lá, aprendi califasia (ato de pronunciar as palavras de modo expressivo), calirritmia (preparação do ator para o ajuste das palavras), declamação… E um dia, entrou o Anselmo Duarte, que precisava de um menino para um filme. Como só tinha eu, fui escolhido. E nunca mais parei.
Foram muitos anos seguidos de trabalho?
Sim, fui direto da cinematográfica para a televisão. Trabalhei nas três grandes emissoras da época: TV Tupi, TV Paulista e TV Record. Ao todo, já são mais de 65 anos de carreira. Tenho 77 anos e vou fazer 78 agora, em agosto.
O senhor se lembra da sua estreia no teatro?
Sim, foi em 1959, com a peça Nu com Violino, dirigida por Sérgio Cardoso. Eu tinha 12 anos e quase perdi a voz de tanta emoção. Mas o crítico Sábato Magaldi escreveu sobre mim: “O menino Osmar Prado é uma agradável revelação”. Isso me salvou. Eu soube, ali, que tinha futuro.
A televisão ainda é seu principal meio?
Eu fui formado pela televisão ao vivo, onde não se podia errar. Isso me deu disciplina, consciência da palavra, treino. Mas também fiz muito teatro e cinema. Ganhei prêmios nas três áreas.
Falando em prêmios, como foi a repercussão do Velho do Rio, em Pantanal?
Foi um presente. Ganhei dois prêmios, inclusive o da Associação Paulista de Críticos de Arte (o APCA) que é um prêmio de peso, porque é julgado por uma comissão especializada, sem injunções políticas. Fiz o velho do Rio, um coadjuvante, mas com alma de protagonista. E já interpretou personagens muito diferentes, como Hitler e Getúlio Vargas… Sim. Fiz Hitler no teatro e ganhei o prêmio de melhor ator. Recebi mensagens de ódio, tentaram me cancelar, mas segui firme. Depois, fiz Getúlio Vargas em três momentos diferentes: no cinema, no teatro e em um documentário.
Entre os mocinhos e os vilões, o que prefere interpretar?
Prefiro os grandes personagens. Aqueles que me dão margem de criação. Já fiz o velho do Rio e Hitler, Getúlio, Tião Galinha. Não importa se é vilão ou herói, o que me move é a profundidade.
Como o senhor descreve o Marquês?
Estou fazendo hoje um marquês psicólogo. Até porque o marquês é excêntrico, excepcionalmente, com uma margem de loucura. Temos muitos marqueses hoje em dia, não com elegância. Tem muitos deselegantes. Evidentemente, o marquês, ele é elegante. Mas é muito mau. É muito frio. A peça é atual na sua essência, na sua filosofia. Ela é fruto de um intelectual sensível, inteligente, culto, que viveu o período ditatorial de Franco na Espanha. Ele vomitou a ditadura que matou Garcia Lorca. Ele vomitou esse texto.
O senhor fala muito sobre a importância da palavra. Ela ainda salva o ator?
Sem dúvida. A palavra é essencial. Ela traz intenção, emoção, ritmo. Comecei com textos clássicos. Na minha primeira novela, David Copperfield, eu tinha que decorar e interpretar com precisão. Fiz tudo isso com muito estudo. A palavra me guia até hoje.
Como se mantém fisicamente ativo aos 77 anos?
Tenho um preparo físico privilegiado. Corro, faço exercícios, alongamentos. Minha esposa, Vânia, é acrobata aérea e nossa filha também trabalha com circo e arte corporal. A gente se cuida.
Um conselho a quem está começando?
Primeiro, entenda o contexto político e social em que você está inserido. Depois, estude. Leia. Tenha consciência crítica. O talento é importante, mas a consciência é o que transforma.