O tema enredo da Escola de Samba Portela, do Rio de Janeiro, do próximo ano vai exaltar a ancestralidade negra do Rio Grande do Sul. Para compor o desfile sob o título O Mistério do Príncipe do Bará – A Oração do Negrinho e a Ressurreição de sua Coroa sob o Céu Aberto do Rio Grande, membros da agremiação têm visitado cidades gaúchas em busca informações sobre a religiosidade afro no extremo Sul do Brasil. Com esse propósito, uma comissão de 13 pessoas veio a Pelotas conversar com representantes da cultura afro-pelotense.
A proposta do tema é narrar a história da comunidade negra no Estado, tendo como referência a figura do Príncipe Custódio, personagem essencial para construção de da negritude e da afro-religiosidade gaúcha. Com o tema a Portela abre espaço para reconhecimento, valorização e visibilidade de uma história pouco contada.
Na sexta-feira, o grupo foi recebido na histórica Charqueada São João, onde acompanhou uma apresentação exclusiva e condensada do espetáculo Dança dos Orixás, da Companhia de Dança Afro Daniel Amaro. “Nos procuraram para uma visita de pesquisa. Demos uma pincelada para eles entenderem a proposta da montagem e o formato de trabalhar com o tema em cima de uma visão artística, que é o que eles vão fazer na passarela”, comenta o coreógrafo Daniel Amaro.
Os visitantes também foram recebidos pela diretoria do Clube Fica Ahí Pra Ir Dizendo, pela manhã do mesmo dia. “Foi muito bacana, após eles assistirem ao espetáculo, trocamos uma ideia da sobre a importância dessa pesquisa para a visibilidade do negro no Rio Grande do Sul, que é algo que as pessoas desconhecem fora do Estado”.
Amaro está entusiasmado com a visibilidade que a iniciativa vai dar para a cultura afro no Rio Grande do Sul e por ter apresentado o lado artístico desse legado negro. “O Carnaval do Rio de Janeiro é um palco de um teatro a céu aberto, que vai para o mundo, porque muitas pessoas repercutem o que se passa lá pelas TVs, jornais e redes sociais. Eles ficaram encantados e disseram que se surpreenderam com a riqueza cultural que existe no Rio Grande do Sul”, comenta.
Sobre um possível convite para que a Companhia se junte ao desfile em 2026, Amaro disse que pode acontecer, mas ainda não tem nada confirmado. “O confirmado é que nós mostramos para eles a capacidade e a qualidade artística da cultura negra no Rio Grande do Sul através das artes cênicas e da percussão”, fala.
Fernanda Oliveira foi cicerone dos cariocas
A professora e pesquisadora Fernanda Oliveira, da Universidade Federal de Pelotas, patrona da Feira do Livro de Pelotas em 2019, é uma das enredistas da Portela. É a docente quem tem ciceroneado os cariocas nas andanças pelo Estado.
O tema surgiu de uma conversa que Fernanda teve com a equipe do carnavalesco André Rodrigues. A professora levou ao grupo informações para fomentar um enredo que trouxesse à tona história negra.
Quem foi Custódio
Provavelmente, Custódio Joaquim de Almeida chegou em terras brasileiras em torno de 1864, oriundo de alguma região da África Ocidental. Morou primeiro na cidade de Rio Grande, mudando posteriormente para a cidade de Bagé. Na localidade fundou centros de religião de matriz africana, tornando-se famoso pelo tratamento dos mais diversos problemas de saúde a partir de ervas.
Ao mudar para Porto Alegre, Custódio adquiriu uma casa próxima à região da Ilhota, atual Cidade Baixa. A sua morada passou a ser um reduto de resistência e coletividade da população africana e afro-brasileira na capital. Ali formou-se o Quilombo da Mocambo, um dos onze quilombos urbanos de Porto Alegre. O africano é visto como um sujeito que trouxe uma organização para as expressões religiosas de matriz africana no Estado, especialmente do batuque.