Produzidos artesanalmente, um a um, os ladrilhos hidráulicos resultam de uma técnica milenar que exige, ao mesmo tempo, força e sensibilidade artística. Pelotas já contou com 17 fabricantes desse tipo de revestimento. Porém, hoje a Fábrica de Mosaicos é uma das poucas que mantém viva a tradição e a técnica de produção na cidade. Com 111 anos de história, o ateliê esteve perto de encerrar suas atividades, mas foi reinventado e hoje é referência nacional na fabricação de ladrilhos.
Presentes em edifícios tombados, em casas antigas e calçadas, os ladrilhos hidráulicos são considerados um bem arquitetônico que compõem a história e a cultura de Pelotas. O auge da aplicação do revestimento, influenciado pela cultura ibérica, ocorreu durante o período economicamente próspero das charqueadas. Desde essa época, na metade do século XX, a Fábrica de Mosaicos produz continuamente os pisos e até hoje são utilizadas as mesmas 400 formas metálicas de desenhos que faziam os produtos há mais de cem anos.
O arquiteto Rudelger Leitzke é o responsável pela continuidade da produção da Fábrica. Ele adquiriu o negócio em 1992, quando ao encomendar as peças para um projeto descobriu que a última fábrica tradicional de Pelotas iria fechar as portas. Após 20 anos de intenso empenho na administração em paralelo ao escritório de arquitetura, o empreendimento começou a dar lucro novamente.
Exemplo de produção
Agora a Fábrica de Mosaicos comercializa para grande parte do Brasil e para outros países, principalmente, o Uruguai. Uma das maiores demandas pelo revestimento tem origem em projetos de restauração de edifícios históricos. Diante da qualidade, a Fábrica foi reconhecida pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico do Estado do Rio Grande do Sul (Iphae) como um exemplo de produção de ladrilhos. “Há licitações no país todo que citam ‘ladrilhos tipo Fábrica de Mosaicos de Pelotas’”, diz Leitzke.
Outra diferencial da produção é a gama de variedade de estampas de ladrilhos, com desenhos repletos de detalhes elaborados. “Essa peculiaridade de Pelotas ter uma riqueza arquitetônica reflete no ladrilho. Em fábricas na Espanha e em Portugal são ladrilhos com desenhos mais toscos”, compara.
O arquiteto sabe disso, porque passa boa parte do ano em viagens para a Europa e outras partes do mundo em busca de atualização sobre tendências de design e arquitetura, incluindo o mercado de ladrilhos hidráulicos. “Tu não pode depender só do mercado local”. O investimento na Fábrica começou a gerar resultados há alguns anos, mas tem se mostrado ainda mais promissor recentemente, impulsionado pela retomada da preferência pelo uso das peças. “Tu chega em uma feira de Milão agora e enxerga estampas de ladrilhos”.
Durabilidade e personalização
Seja para espaços internos ou externos, há uma infinidade de possibilidades de composição de ladrilhos. Ao permitir a escolha dos desenhos e a combinação das cores, o cliente recebe peças exclusivas. Por se tratar de um produto personalizado e com longa durabilidade, o revestimento tem sido frequentemente requisitado para projetos arquitetônicos de diferentes ambientes. “Voltou o movimento do personalizado em contraposição ao industrializado. Tanto que as fábricas de porcelanato começaram a fazer estampas imitando ladrilhos hidráulicos”, aponta Leitzke.
Ladrilhos x pisos de cerâmica
Os ladrilhos perderam espaço justamente a partir do surgimento de pisos de cerâmicas e porcelanatos. Opções mais baratas de revestimento, produzido em escala industrial, os produtos se tornaram preferência de compra. Em contraste, os ladrilhos têm um processo de fabricação artesanal, em que os pisos são feitos do zero, um a um pelos prenseiros.
Além do método de produção, os ladrilhos são mais caros devido à matéria-prima, envolvendo cimento, pó de mármore e óxido de ferro para dar cor. São 30 tonalidades disponíveis de tintas importadas da Alemanha. A pintura chega a ter 3 milímetros de espessura, o que com o restante dos materiais garante a durabilidade de mais de um século. “É uma técnica milenar que surgiu no Marrocos”.
O preço do ladrilho depende da quantidade de cores presentes, pois quanto mais colorido, maior é o tempo necessário para a fabricação. “É difícil mensurar a produtividade porque é artesanal, se produz só por encomenda, não tem estoque, e tem um processo criatividade que oscila bastante”, diz o arquiteto sobre o volume de comercialização.
Os prenseiros
Na Fábrica de Mosaicos são oito funcionários, os chamados prenseiros. Leva em média dois anos para formar um desses profissionais apto a coordenador todas as técnicas de produção de um ladrilho. “É uma satisfação de ensinar porque eles fazem um produto único. É um processo milenar e é muito difícil de formar outra fábrica. Por isso, tem esse peso da resistência histórica”, ressalta Leitzke.
César Tatsch é um desses profissionais, com 25 anos de experiência de fabricação de ladrilhos, ele é gerente da operação na Fábrica de Mosaicos. “O conhecimento do ladrilho demora bastante para a gente pegar, mas depois que pega é difícil de sair”, diz. Tatsch conta com um sorriso no rosto o quanto sente orgulho de ser uma das poucas pessoas com essa habilidade e a satisfação de ensinar novos colegas. “Eu sou suspeito para falar, mas o ladrilho nada mais é do que uma obra de arte. Então é gratificante para nós que fazemos”.
O resultado do investimento na preservação da técnica
Em meio a centenas de caixas de ladrilhos hidráulicos prontas para a entrega aos clientes, Rudelger Leitzke, relembra que as pessoas do seu convívio questionavam o porquê dele empregar dinheiro, empenho e tempo em um negócio em pleno processo de desaparecimento. Hoje a resposta está em lares, monumentos históricos e calçadas espalhadas por inúmeras cidades brasileiras e estrangeiras.
“Eu sustentei a fábrica com arquitetura por 20 anos, é uma história de amor, contra tudo e todos. Comprei ela numa época em que não se usava mais ladrilhos hidráulicos e depois começou a surgir o ladrilho com vivacidade no mundo todo”.