Guilherme Nunes da Rosa, de 34 anos, é artista visual e designer gráfico com atuação marcada por murais e intervenções urbanas no Brasil e no exterior. Seu trabalho mistura cultura brasileira, seres imaginários e temas como identidade, espiritualidade e justiça social, criando um universo que chama de “Surreal mais real possível”. Participou de festivais e exposições em países como Alemanha, França, Itália e Angola, e vê na arte de rua uma forma direta de transformar a paisagem e se conectar com as pessoas.
O que significa, para você, criar dentro do “Surreal mais real possível”?
É a forma como tenho me colocado no mundo da arte nesse momento. É a minha linguagem, a minha travessia. Para mim, significa ir além, além do que se vê, do que conseguimos imaginar. É acessar outras camadas da realidade, atravessar portais, abrir caminhos que nem sempre são lógicos, mas que fazem sentido dentro do imaginário. Esse conceito me convida a sair da zona de conforto todos os dias. É um território fértil onde o impossível também é possível, onde os símbolos, os sonhos e as intuições ganham forma. “Surreal mais real possível” é minha maneira de expressar o que pulsa dentro de mim, aquilo que não cabe nas palavras, mas que encontra espaço na arte.
Como a rua influencia diretamente na sua arte e na sua mensagem?
A rua é a minha grande aliada. É nela que a arte se torna pública, viva e acessível a todos. Ela não escolhe plateia. Qualquer pessoa que passa por um mural pode ser atravessada por ela, seja intencionalmente ou por acaso. Gosto disso. A rua carrega um dinamismo que me inspira: ela está sempre mudando. A luz, o clima, as pessoas, o trânsito, tudo isso transforma o espaço constantemente e a arte feita ali também muda junto. A rua me influencia como espaço de liberdade. Nela, posso experimentar, ocupar, dialogar com o urbano e o natural. Pinto com a intenção de abrir portais e criar mundos onde cada pessoa possa acessar o próprio imaginário, a própria leitura.
Que papel a espiritualidade tem no seu processo criativo?
A espiritualidade é a base silenciosa do meu processo. Ela me alinha com a minha missão aqui na Terra, me ajuda a entender que criar não é apenas produzir, mas transcrever o invisível. É ela que me convida a desacelerar, escutar meu mundo interior, mergulhar no que não se diz. Nesse silêncio fértil, é que encontro as minhas ideias mais verdadeiras, livres da autocobrança, das comparações e das tendências que muitas vezes nos afastam da essência. Acredito profundamente no propósito e no significado de cada detalhe. Mesmo que minhas obras não sejam religiosas, existe nelas um sentido de sagrado.
Entre tantos lugares que já pintou, qual te transformou mais como artista?
Essa pergunta é especial, porque acredito que cada lugar em que pinto me transforma de alguma forma. Cada mural é um portal que abro não só para o mundo, mas também dentro de mim. Ao concluir uma obra, nunca saio o mesmo, algo sempre se move, se revela ou se aprofunda. Mas se eu tiver que escolher um momento marcante, foi a minha primeira pintura na rua. Ali senti que havia algo maior acontecendo. Um frio na barriga misturado com medo — afinal, eu ainda não dominava o spray, era tudo novo —, mas ao mesmo tempo uma liberdade imensa. Inclusive, vou aproveitar o espaço pra dizer uma parede/lugar que poderia me transformar nesse momento como artista: gostaria muito de pintar uma empena de um prédio na minha cidade natal, Pelotas. Eu pinto há 20 anos, e todos os murais em grande escala no quesito altura que já realizei foram fora do Brasil ou fora da cidade onde nasci. Temos muitos artistas muralistas em Pelotas que também gostariam de fazer trabalhos em grande escala. Bora abrir esse portal, Pelotas?