Há cerca de um ano, um dos primeiros locais em Pelotas a ser impactado pelas águas que desciam das bacias sobrecarregadas do Estado foi uma rua situada abaixo da antiga ponte Alberto Pasqualini. Na chamada Ilha dos Pescadores, a maioria dos moradores são pessoas de baixa renda. O grupo social representa quase 45% dos atingidos pela enchente na cidade. Para essas mais de 22 mil pessoas, a recuperação foi um desafio ainda maior devido à restrição de recursos.
Conforme dados do governo do Estado, em Pelotas 28.118 endereços foram atingidos pelos alagamentos, 15% do total de moradias do município. Além disso, foram 49,7 mil pessoas afetadas. Dessa população, 22,3 mil são inscritos no CadÚnico, o sistema do governo federal usado para registrar famílias de baixa renda.
A maioria das vítimas da enchente em vulnerabilidade social são moradores de zonas ribeirinhas expostos a riscos periódicos de cheias. Ainda assim, muitos não conseguem sair do local por falta de recursos para mudar ou porque dependem da pesca como principal fonte de sustento para a família. Na Ilha dos Pescadores, após a água atingir mais de um metro de altura dentro das casas, quem pôde colocou as residências a venda. Porém, enfrentar a falta de compradores interessados é mais um desafio.
Sem perspectiva de mudança
Camila Stein, mãe de uma menina de três anos, precisou viver por dois meses em um barco depois que a água invadiu sua residência. A uma semana de completar um ano da inundação completa da rua, ela ainda não conseguiu recuperar todos os móveis e eletrodomésticos perdidos. “A água acabou com tudo, ainda estamos lutando para conquistar tudo de novo”.
A dona de casa está entre as 22 mil pessoas atingidas pela enchente e registradas no CadÚnico. Beneficiária do Bolsa Família, utiliza o recurso para suprir as necessidades da filha. Além do benefício, a maior parte do sustento é obtido da pesca do marido. Por isso, não há perspectiva de mudança para uma moradia menos vulnerável às oscilações do nível do canal São Gonçalo. “A gente depende de morar na beira da água porque se não vamos colocar o barco onde?”, diz.
Depois da enchente de maio, os moradores da Ilha dos Pescadores ainda enfrentaram outro alagamento em novembro de 2024. Para Camila, o temor é perder novamente os móveis recém adquiridos. A compra dos itens foi possível graças ao Auxílio Reconstrução. “Foi muito difícil, demorou, mas conseguimos receber os R$ 5 mil”, diz. A moradora solicitou também o benefício de R$ 2,5 mil do governo do Estado para pessoas desabrigadas ou desalojadas, mas não foi contemplada. Sem o recurso, a compra de um guarda-roupa e outros móveis vai demorar um pouco mais.
Pelotas faz parte de 19% dos municípios atingidos pela enchente que precisaram decretar estado de calamidade pública. No entanto, somente pouco mais de 6,4 mil pessoas, cerca de 12%, das vítimas foram contempladas com o Auxílio Reconstrução. Em relação ao benefício estadual Volta Por Cima, apenas seis mil foram beneficiados.