Elementos hostis seguem ocupando a paisagem urbana de Pelotas

Arquitetura

Elementos hostis seguem ocupando a paisagem urbana de Pelotas

Mesmo após a promulgação da Lei Padre Júlio Lancelotti, estratégias que dificultam a permanência em áreas comuns continuam espalhadas pela cidade

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Atualizado terça-feira,
22 de Abril de 2025 às 13:40

Elementos hostis seguem ocupando a paisagem urbana de Pelotas
Arquitetura hostis busca afastar moradores de rua de locais. (Foto: Jô Folha)

Promulgada em dezembro de 2022, a Lei Federal nº 14.378 estabelece diretrizes para a promoção da mobilidade urbana inclusiva e segura, o que inclui a proibição de elementos que dificultem ou impeçam a permanência e circulação de pessoas em espaços públicos.

A lei, no entanto, ainda enfrenta a falta de fiscalização como um obstáculo. E, em cidades como Pelotas, a presença desses elementos segue visível.

Gradeamentos pontiagudos, pedras dispostas de forma estratégica, canteiros espinhosos e estruturas metálicas sobre bancos são alguns exemplos do que especialistas preferem chamar de elementos hostis, em vez de “arquitetura hostil”.

Para a arquiteta e professora na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da UFPel, Adriana Portella, que coordenou em 2023 uma caminhada investigativa no Centro Histórico de Pelotas com estudantes e pessoas com mobilidade reduzida, esses elementos criam uma espécie de higienização urbana.

Ela explica que isso não afasta apenas pessoas em situação de rua, mas também idosos, grávidas, pessoas com deficiência e qualquer cidadão que precise parar, descansar ou se abrigar. O percurso analisado pelo grupo expôs uma cidade que convida à passagem, mas não à permanência.

“Muitas vezes, é um guarda-corpo ou uma vegetação espinhosa que já diz: aqui não é para ficar”, comenta a estudante de arquitetura Luciele Oliveira.

Seu colega Wellington Kruchadt completa que é possível encontrar esses elementos nos lugares mais diversos. “Isso atinge todo mundo, não só moradores de rua”.

Na outra ponta da conversa, há quem defenda o direito de decidir sobre o próprio espaço. Para o vendedor ambulante Celso Correa, “se tu alugou o espaço, cada um faz o que quer”.

Ele reconhece a importância do espaço público para trabalhadores da rua, como ele e pessoas vulneráveis, mas acredita que o proprietário deve ter liberdade de definir quem pode ou não usar o entorno da sua fachada.

O poder público, por sua vez, admite que a fiscalização ainda depende de denúncias. O secretário de Urbanismo de Pelotas, Otávio Peres, afirma que desde a promulgação da lei a secretaria volta o olhar para essa questão principalmente na aprovação de novos projetos e os casos denunciados são apurados pela secretaria.

O contraste entre as intenções da lei federal e a realidade urbana mostra que, mais do que uma questão estética, os elementos hostis revelam disputas por pertencimento e uso do espaço público. “O que vemos nas ruas é o reflexo do comportamento da sociedade”, diz Adriana.

“E enquanto esse comportamento não mudar, o banco desconfortável, o espeto na janela e a sombra negada continuarão contando, silenciosamente, quem pode ou não ocupar a cidade”, complementa.

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