Povo Kaingang completa nove anos em Pelotas em meio a desafios sociais

Desigualdades

Povo Kaingang completa nove anos em Pelotas em meio a desafios sociais

Indígenas de Santa Catarina se estabeleceram na cidade motivados pela hospitalidade. Morando na colônia Santa Eulália, eles pedem por melhor acesso a educação e saúde

Por

Povo Kaingang completa nove anos em Pelotas em meio a desafios sociais
Venda de cestas de Páscoa é um dos principais ganhos financeiros da aldeia. (Foto: Jô Folha)

Apesar do Dia dos Povos Indígenas ser celebrado em 19 de abril, o povo Kaingang comemora em maio. Mês em que a prefeitura de Pelotas cedeu uma área de sete hectares na colônia Santa Eulália para o estabelecimento da aldeia Gyró.

Nove anos após terem se instalado no município, os Kaingang relatam ter pouco a celebrar além da conquista da terra, pois ainda enfrentam desafios diários para sobreviver com dignidade na cidade.

As semanas que antecedem a Páscoa são momento de garantir a renda para o sustento das famílias no resto do ano. Com a procura por cestas artesanais em alta, os Kaingang acampam por vários dias em frente à rodoviária de Pelotas para a comercialização do artesanato.

Cada cesta trançada com fibra de bambu custa entre R$ 15 e R$ 30, a depender do tamanho, e o dinheiro da venda de algumas dezenas delas é o que vai garantir o recurso para alimentação e outras necessidades de adultos e crianças até a próxima Páscoa.

“É só essa época que conseguimos algum dinheirinho para sustentar as nossas famílias. Este ano até que está bom para nós. Estamos batalhando com nossos artesanatos para termos o que comer”, diz Marciana Salvador, 29 anos.

Quase todos os integrantes da aldeia estão acampados em frente a Rodoviária para a venda de cestas . (Foto: Jô Folha)

Na aldeia Gyró boa parte do solo está infértil, sendo necessário um amplo investimento em fertilizantes para o plantio dos alimentos básicos da culinária Kaingang, como milho, mandioca e batata-doce. Da mesma forma, os peixes têm se tornado cada vez mais escassos, obrigando os indígenas a recorrer à compra de alimentos. “É sempre uma batalha, é muito difícil”, ressalta.

Conforme Marciana, a venda de artesanato é a única forma de sustento dos Kaingang, pois a maioria deles não teve acesso à educação e tem pouca vivência fora das aldeias. “São poucos que têm estudo, o trabalho é mais para quem tem estudo, que tem mais conhecimento de lá fora”, afirma.

Acolhimento em Pelotas

Mesmo assim, Marciana diz que os desafios em Pelotas são menores do que os enfrentados em Chapecó (SC), terra natal da família Salvador. O município foi escolhido para moradia devido à hospitalidade e à maior facilidade para a venda dos artesanatos.

“Valorizam nosso artesanato, o povo nos abraça mais, lá em Chapecó tínhamos que ficar longe [das pessoas]”, conta.

Ancião Pedro Salvador mostra a aldeia Gyró, localizada na Colônia Santa Eulália. (Foto: Jô Folha)

Ampliação de terra e infraestrutura básica

Entre as principais reivindicações do Kaingang está a ampliação da terra cedida pela prefeitura ao povo em 2016. O espaço é considerado apertado para as 18 famílias, cerca de 85 pessoas, e elas desejam poder utilizar áreas verdes ao redor do local. Com isso, o espaço de sete hectares seria ampliado para 13 hectares.

“Precisamos de um espaço adequado para podermos como indígena manter a nossa cultura. Temos muita preocupação com a perda da nossa cultura. Manter a nossa língua materna para as nossas crianças”, diz o cacique da aldeia Gyró, Marcos Salvador.

Cacique pede por ampliação de terra e melhores condições de acesso a saúde e educação. (Foto: Jô Folha)

O pedido também é por melhores condições de acesso a saúde e educação. Atualmente há atendimento básico de saúde somente uma vez por semana e a escola local conta com apenas um professor.

O educandário só foi constituído porque uma das famílias cedeu a casa para sediar a escola. “O lugar é muito pequeno para nós. Os recursos são muito complicados dentro da aldeia, saúde, escola”, diz Marciana.

Indigenista e antropóloga especializada no povo Kaingang, Luiza Marques aponta que ainda falta, por parte do Estado, o reconhecimento de que os indígenas necessitam de uma infraestrutura adequada e de profissionais capacitados, que compreendam as especificidades de cada cultura e etnia.

“Tem falta de acesso à saúde e transporte. Tivemos uma situação que demorou tanto o Samu que uma mulher pariu atrás de uma casa”, diz sobre a aldeia localizada a cerca de 35 quilômetros do Centro de Pelotas.

Segundo relatos, a insegurança alimentar também tem sido acentuada devido à paralisação do envio de cestas básicas às famílias pelo município há cerca de quatro meses.

Semana cultural

Para celebrar a cultura Kaingang e a conquista da terra na colônia Santa Eulália, a aldeia Gyró realiza a semana cultura. Na 4ª edição, neste ano o evento aberto ao público ocorre de 6 a 9 de maio com a exposição de artesanatos, da culinária típica do povo, apresentações de danças e da língua Kaingang.

Na semana cultura é possível conhecer um pouco da cultura Kaingang. (Foto: Jô Folha)

“Para que os pelotenses compreendam a cultura deles”, diz a indigenista.
As visitas podem ocorrer no turno da manhã, das 9h às 12h, e à tarde, das 13h30min às 17h. Para a entrada, a aldeia solicita a doação de um quilo de alimento não perecível.

Acompanhe
nossas
redes sociais