Deputada propõe tombamento do Passo dos Negros como patrimônio do RS

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Deputada propõe tombamento do Passo dos Negros como patrimônio do RS

Projeto visa preservar local histórico de Pelotas, rota de escravizados e palco da Revolução Farroupilha; tramitação começa no Iphae

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Atualizado sexta-feira,
28 de Março de 2025 às 15:04

Deputada propõe tombamento do Passo dos Negros como patrimônio do RS
Local foi tema de reportagem do A Hora do Sul na edição de terça-feira e situação acendeu debate sobre o futuro da área histórica em Pelotas. (Foto: Jô Folha)

A deputada estadual Bruna Rodrigues (PCdoB) entrou com um projeto de lei na Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul (ALRS) solicitando o tombamento da área da antiga chácara da Brigada Militar, no Passo dos Negros, em Pelotas, como patrimônio histórico e cultural do Estado. A medida se dá dois dias após reportagem do A Hora do Sul mostrando o abandono do local, que virou palco de criminalidade. O espaço, que foi um dos pontos de entrada de africanos escravizados no sul do Brasil e palco de batalhas durante a Revolução Farroupilha, é considerado fundamental para a memória negra e a formação histórica da região.

O projeto foi encaminhado à Secretaria de Cultura do Estado e ao Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico do Estado (Iphae) para análise. A iniciativa busca garantir a preservação do sítio histórico, que já foi reconhecido por órgãos como o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) e a Universidade Federal de Pelotas (UFPel) como área de relevância cultural.

Em seu requerimento, a deputada destaca que o Passo dos Negros foi um marco do tráfico escravagista no RS, servindo como rota de desembarque de milhares de africanos trazidos para trabalhar nas charqueadas. Além disso, o local foi cenário do Combate Naval do Passo dos Negros (1836), um dos episódios da Revolução Farroupilha.

Reparação histórica

A parlamentar relaciona o tombamento com a necessidade de reparação histórica e visibilidade da trajetória do povo negro: “Desde que entendi que existe um projeto de apagamento da história negra, me mobilizei para mudar isso. Não se fala nas escolas sobre os Lanceiros Negros, o Cerro de Porongos ou a Colônia Africana. Essa dívida precisa ser saldada”, argumenta.

A proponente aponta que o local simboliza, de um lado, a chegada forçada da população negra ao Brasil e sua contribuição fundamental para a construção do país. De outro, representa o impacto do racismo estrutural, evidenciado na tragédia climática recente, quando um duto clandestino de um condomínio de luxo foi desviado para essa área durante as enchentes de maio. “Tombamento do Passo dos Negros é reparação histórica”, ressalta.

Apoio de movimentos sociais

A proposta já recebeu apoio de movimentos sociais, historiadores e lideranças negras de Pelotas, que defendem a criação de um parque memorial no local. Agora, o projeto segue para avaliação técnica do Iphae, que deverá emitir um parecer sobre a viabilidade do tombamento.

O coordenador do Projeto Museu do Percurso Negro de Pelotas, o historiador Luís Carlos Mattozo, destaca a importância do tombamento da área. Ele ressalta que a cultura negra e as referências africanas vêm passando por um processo de apagamento histórico. Diante disso, o resgate de uma área como essa representam a criação de uma referência física significativa.

No caso específico da chácara, Mattozo enfatiza que o local está diretamente ligado ao surgimento dos Lanceiros Negros, mas que não recebe o devido reconhecimento, inclusive por parte do movimento tradicionalista. Ele também aponta a importância de criar o Parque dos Orixás, como forma de valorizar a entrada das religiões de matriz africana na região. E “É a gente resgatar e colocar nas páginas da história de Pelotas, uma passagem extremamente importante que, infelizmente, foi apagada”, diz o historiador.

Próximos passos

Se aprovado, o território recebe o tombamento provisório, garantindo as mesmas proteções de um tombamento definitivo até a decisão final. Caso o processo avance, a portaria de tombamento será publicada no Diário Oficial, podendo haver contestações antes da homologação e inscrição no Livro Tombo. Não há um prazo estimado para a conclusão, pois, além da burocracia estatal, segundo a deputada, questões ligadas à luta por reconhecimento do patrimônio negro podem gerar atrasos. “Processo pode levar anos, mas a luta não pode parar”, conclui.

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