Neste sábado, 15 de março, comemora-se o Dia Mundial do Consumidor. Entre muitos avanços e a permanência de entraves, a criação do Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078, de 11 de setembro de 1990) é responsável por proporcionar uma relação mais equilibrada entre consumidores e empresas. A partir da lei, novos mecanismos para garantir segurança, qualidade e transparência nas relações de consumo foram criados no país.
O professor da Universidade Federal de Pelotas (UFPel) e coordenador do Grupo de Estudos e Pesquisa em Direito do Consumidor, Fernando Azevedo, destaca que entre as dificuldades atuais enfrentadas pelos consumidores está a virtualização do atendimento por parte das empresas. “A comunicação digital se mostra de difícil acesso e manejo para grande parte dos consumidores, especialmente daqueles que possuem maior fragilidade com esses meios”, diz.
Por parte do Estado, ainda persiste o problema da falta de sinergia entre os órgãos públicos que formam o Sistema Nacional de Defesa do Consumidor, ressalta Azevedo. “Todos esses órgãos, dentro de suas competências, precisam atuar na defesa dos direitos do consumidor, o que nem sempre ocorre, principalmente no caso das Agências Reguladoras, que não raras vezes estão mais a serviço dos interesses dos fornecedores”, argumenta.
Pontos positivos
Parte fundamental para a garantia do acesso aos direitos dos consumidores, os Procons atuam na busca por soluções para problemas relacionados ao consumo. Em Pelotas, entre 1º de janeiro e 14 de março, foram realizados 618 registros com notificações a fornecedores, informa o coordenador do órgão, Maicon Kuhn. No mesmo período de 2024, foram realizados 569 registros com notificações.
A cada quatro atendimentos realizados, um registro de notificação é gerado. Conforme Kuhn, os principais temas das reclamações dos consumidores são os serviços de telefonia, internet e financeiros. “Durante o ano de 2024, obtivemos 85% de resolutividade das demandas encaminhadas. Nesses primeiros meses de 2025, mantivemos a média de resolução”, diz.
Na avaliação de Kuhn, entre os principais avanços conquistados pelos consumidores estão o acesso à informação, visto que o código garante que o consumidor tenha informações claras sobre produtos e serviços, bem como o direito à reparação de danos em casos de falhas ou prejuízos.
Para o docente, uma das conquistas que o Código trouxe foi mostrar que a importância da cidadania em uma democracia não está apenas no exercício do voto, mas na luta pela garantia e respeito dos seus direitos enquanto consumidor. “Quanto mais o consumidor vai criando essa consciência e percebendo que tem uma lei que lhe dá um ‘poder de reclamar’ para exigir o que é seu por direito, há um movimento de maior qualificação na relação com as empresas”, avalia.
Direitos não tão conhecidos
Das conquistas obtidas nos últimos anos, um dos destaques é que, a partir de 2021, os consumidores em situação de superendividamento — quando o montante de suas dívidas é superior à renda, de modo que não conseguem mais pagar suas dívidas sem comprometer a sua sobrevivência — podem solicitar uma audiência de conciliação prévia com seus credores.
Para isso, o professor orienta a busca dos serviços de Assistência Jurídica das Universidades, Defensoria Pública ou mesmo um advogado. “Nessa audiência, poderão mostrar sua situação e levar um plano de pagamento em até cinco anos daquilo que, como se costuma dizer, ‘cabe no bolso’ e não compromete sua sobrevivência básica. E, caso não haja acordo, o consumidor pode prosseguir com um processo judicial.”
Outro direito que ainda é confuso para os consumidores em geral é o direito de exigir a garantia quando há algum problema no produto ou serviço. Existem dois tipos: a garantia legal, que todo fornecedor é obrigado a dar e que o consumidor pode exigir em até 90 dias se o produto/serviço for durável e em até 30 dias se for não durável; e a garantia contratual, que é aquela oferecida pelo fornecedor e que, embora não obrigatória, precisa ser cumprida uma vez oferecida.
“O que muita gente não sabe é que essas garantias são distintas e, quando termina o prazo da garantia contratual, o consumidor ainda poderá utilizar o prazo da garantia legal se o produto apresentar algum defeito a partir daquele momento.”
Questões digitais
A proteção dos consumidores na comunicação e nas contratações pelo meio digital é um tema que permanece em discussão no Congresso Nacional. Enquanto esses projetos não forem apreciados e votados, a aplicação da lei segue sendo feita por meio do Código do Consumidor em sua redação original.
Alguns dos direitos importantes já garantidos são a desistência de compras feitas à distância no prazo de até sete dias a contar do recebimento do produto. “Isso ainda necessita de normas mais específicas ou então que sejam criadas leis especiais que possam ‘dialogar’ com o Código na proteção dos direitos dos consumidores no meio digital”, frisa o docente.
Relembre a criação do Código
O Código de Defesa do Consumidor é produto de um contexto histórico importante no Brasil, o período da redemocratização pós-ditadura militar. Foi pela Constituição Federal de 1988 que o Direito do Consumidor surgiu no país como um novo campo do direito.
Ao mesmo tempo, o Código do Consumidor também surgiu no contexto histórico de abertura do mercado econômico brasileiro para novos produtos, o que aumentou a competição com os produtos produzidos no Brasil e exigiu a melhoria dos padrões de qualidade dos nossos produtos e serviços.
“O Código do Consumidor foi importante nesse momento porque também trouxe padrões de qualidade que não apenas melhoraram a qualidade do mercado de produção brasileiro, como também impuseram essa mesma qualidade aos produtos vindos de outros lugares”, diz o docente.