Próximo de completar dois meses do episódio de intoxicação alimentar que atingiu dezenas de pessoas após consumirem tortas frias durante os festejos de Natal, a proprietária do Circulu’s Lanches, Juliana Medeiros, conversou com o Jornal A Hora do Sul para falar de um dos piores momentos nos 34 anos de história da empresa.
A lancheria, referência no comércio de alimentos em Pelotas, conta os dias para ter acesso ao laudo definitivo, entender de fato o que aconteceu e responder aos clientes. Enquanto isso, ações de reforço no treinamento dos funcionários para manipular alimentos foram adotadas, principalmente para preservar de fissuras a principal marca do empreendimento: a credibilidade.
Como vocês reagiram quando surgiu o caso?
A nossa primeira reação foi de muita tristeza, a gente trabalha com o aspecto de credibilidade com os nossos clientes e uma credibilidade leva muitos anos para conseguir alcançar. A gente tem na empresa um processo muito rígido de qualidade que não abrimos mão e foi o que nos trouxe até esses quase 34 anos [de lancheria]. São treinamentos que fazemos, qualificamos a equipe, eles estão junto com a gente nesse processo de qualidade e de credibilidade, do sabor do lanche. Então a nossa reação foi de muita tristeza mesmo.
Após dois meses vocês já conseguiram identificar a origem da contaminação?
Passado esses dois meses, eu queria chegar para a sociedade pelotense e para os nossos clientes e ter uma resposta para dar, mas ainda há algumas possibilidades, estamos desde o início cooperando com a vigilância sanitária e empenhados em identificar no que falhamos e o que de fato aconteceu.
Algumas hipóteses foram descartadas, foram feitos exames nos produtos coletados, na nossa equipe e em alguns clientes que se voluntariaram. E é importante dizer que as tortas analisadas estavam nas casas dos clientes, fabricamos 112 tortas por encomenda, então não havia nenhum produto no Circulu’s. Estamos aguardando a conclusão [das análises] e tenho certeza que não existe ninguém mais ansioso para esses resultados do que nós.
Uma coisa importante é que a vigilância não encontrou absolutamente nada nas nossas maioneses, isso é uma informação importante porque a maionese se tornou um produto do Circulu’s. Mesmo sem os resultados nós já tomamos uma série de medidas, que já eram cotidianas no Circulu’s, mas intensificamos algumas, como os treinamentos das práticas e a manipulação dos alimentos.
Além da maionese, algum outro alimento foi descartado?
A princípio nenhum cliente relatou nada nem sobre a mousse de chocolate nem sobre a torta de legumes, então a suspeita é que seria o frango utilizado para as tortas de frango. Foram 20 e poucas tortas de legumes e as outras de frango. A suspeita é que tenha sido uma contaminação na manipulação do frango.
Foi o episódio mais difícil na trajetória do Circulu’s?
Foi o mais dolorido com toda certeza. Essa incerteza e ver também a tristeza da nossa equipe, eles ficaram muito abalados porque a gente sofreu ataques externos muito fortes, embora que também houve uma avalanche de carinho dos nossos clientes que acreditam na nossa credibilidade e conhecem a nossa empresa e entenderam que foi um fato isolado e nos apoiaram muito.
Juliana Medeiros coordena os processos da lancheria. (Foto: Henrique Risse)
A lancheria sofreu um linchamento nas redes sociais?
Não, sofremos alguns ataques e algumas ameaças por telefone, mas nas redes sociais houve um apoio infinitamente maior que os ataques. A gente se solidariza muito com as pessoas afetadas, especialmente por ser uma data tão especial o Natal.
Quantos funcionários a lancheria tem?
Nós estamos com quase 90 funcionários, entre as quatro unidades.
Vocês tiveram contato com alguma pessoa atingida?
Alguns clientes me ligaram, pessoas que eu conheço, são do meu convívio social. Eu fiquei sabendo disso no dia 25 mesmo por uma cliente, talvez a mais assídua na compra de tortas do Circulu’s e ela resolveu me alertar. Fiquei muito contente quando eu vi que eles retornaram ao Circulu’s várias vezes porque entenderam que foi uma coisa isolada.
Como teus pais, que iniciaram a lancheria, viram isso?
Eles ficaram bastante tristes. Os meus pais tinham o sonho de ter uma vida melhor e foi uma batalha muito árdua para chegar onde o Circulu’s chegou, meu pai carregava a minha mãe no bagageiro da bicicleta lá do Areal fundos até a Católica [UCPel] e tinha noite que vendiam dois ou três lanches. Até chegar onde se chegou hoje foi a base de muito trabalho.
Ver tudo isso de alguma forma ser questionado, dói muito. Eles estão um pouco afastados por causa da idade, mas sempre fazem questão de estarem lá e quando ocorreu o episódio eu falei que era bom eles ficarem um pouco em casa, mas eles foram trabalhar. Ainda estamos sentindo bastante o efeito dessa situação.
Essa crise causou uma fissura na marca Circulu’s?
Acho que ainda é um pouco cedo para falar disso, não sei exatamente o que causou em termos de crise porque ainda estamos no meio desse furacão. Para nós ainda está muito latente e obviamente que para as pessoas que foram atingidas também. Ainda estamos avaliando os impactos. Hoje o que eu posso dizer é que causou um impacto nas vendas, embora seja uma época de férias, mesmo assim observamos em relação a anos anteriores uma queda no movimento.
As tortas frias vão continuar a ser um produto da lancheria?
A torta fria surgiu até para comemorações nossas internas, mas gostamos tanto do sabor que começamos a fazer tanto para kits de aniversário quanto sob encomendas. Ela não é o nosso carro-chefe e nós tiramos as tortas do cardápio, não vamos fabricar mais porque em sinal de respeito às pessoas que foram afetadas.
Sempre que se falar nesse assunto de novo vai surgir essa situação que para nós é muito triste, então vamos abrir mão disso. A torta fez tanto sucesso que há três anos investimos em uma campanha de marketing de Natal focada nas tortas, no mousse e na maionese e houve um aumento muito significativo desses pedidos.
Como foi a produção da torta aquele dia?
Por ser um produto perecível, nós produzimos no dia 24. Começamos a produzir às 6h e às 9h e pouco começaram a chegar os primeiros clientes para pegar, às 11h30min nós encerramos as entregas. Foi tudo produzido no dia para ser mais fresco.
A vigilância disse que talvez não se consiga afirmar com certeza o que de fato ocasionou essa contaminação. Foi encontrada uma bactéria que todos nós temos, mas que por alguma questão do nosso organismo ela pode estar positiva e pode contaminar o alimento, isso é o que está sendo investigado, se houve essa contaminação e de que forma.
O Circulu’s responde a alguma ação judicial?
Não enfrentamos questões na Justiça. Alguns clientes nos procuraram perguntando o que o Circulu’s iria fazer, se iria devolver o valor da torta, pedindo ressarcimento. Nós só estamos obedecendo as orientações da vigilância sanitária. Vamos aguardar o término das investigações e aí faremos contato com todos os clientes.
Houve vários comentários questionando o funcionamento das unidades do Circulu’s. A vigilância sanitária verificou que não havia nenhum elemento que interferisse no andamento das atividades. Não havia absolutamente nada que obrigasse a eles fazer o fechamento das unidades. A gente procura sempre evitar qualquer tipo de risco porque vai impactar na qualidade e na nossa credibilidade.
Quais lições ficam desse episódio?
Muitas, a primeira delas é mais importante e a gente ter sempre em mente: a humildade. Somos humanos, estamos passíveis a erros em qualquer fase da vida. Um pequeno detalhe pode determinar um erro bastante grave. Saber que há sempre espaço para aprender com esses erros é o passo para seguir adiante. Outra lição é que temos que estar sempre atentos, revisando todos os processos, e que já é uma coisa que sempre fizemos.
O que você diria para as pessoas que foram atingidas?
Primeiro, a gente reafirma o nosso pedido de desculpas. Lamentamos profundamente, sempre queremos que os pelotenses lembrem do Circulu’s com carinho, queremos fazer parte das memórias afetivas das pessoas, então ter isso manchado nos causou uma dor muito grande. Nos solidarizamos muito com as pessoas afetadas. Queremos muito nos desculpar com elas e que elas entendam junto com a gente que foi um processo isolado e que vamos tomar as providências necessárias. O que a gente mais quer é que essas pessoas sigam conosco.
Vítima: “Foi um descuido deles, pois sabemos que sempre tiveram uma qualidade boa”
Como foi a compra das tortas de frango?
Já era o segundo ano que a gente encomenda. Foram duas tortas, uma para a casa dos meus pais e outra para a casa da avó do meu marido.
A gente pegou lá [no Circulu’s], eram 11 e pouco da manhã, levamos e botamos na geladeira. Na hora da ceia, comemos a torta. No outro dia, eu me acordo com a mensagem da minha irmã, perguntando se a gente tinha passado bem à noite. Só que na primeira vez que a gente comeu, eu e meu marido, não ficamos mal.
O restante da família já apresentava sintomas de intoxicação na manhã do dia 25?
Ela [irmã] e o marido passaram mal a noite inteira, com vômito e diarreia, e disseram que achavam que era torta. No outro dia a gente comeu a torta de novo, daí nós, eu e o meu marido passamos mal. Depois, a minha sogra e o namorado dela comeram e passaram mal. A minha sogra foi a que mais passou mal.
Como tu avalia essa situação?
Nenhuma empresa está livre, infelizmente, às vezes isso pode acontecer, a gente sabe da qualidade dos Circulu’s. A única coisa que eu fiquei meio decepcionada com a empresa foi com a forma que eles trataram o assunto. (Na entrevista, Juliana afirma que o Circulu’s aguarda o laudo definitivo da Vigilância para iniciar o contato com as vítimas).
Quando eu mandei uma mensagem para eles falando o que tinha acontecido, eles disseram ‘vamos averiguar essa situação’. Eu não fiquei brava com a função que aconteceu, porque ninguém tá livre.
Tu voltaria a consumir os produtos Circulu’s?
Acredito que sim, porque eu acredito que foi um descuido deles, pois sabemos que sempre tiveram uma qualidade boa.
